Tendência para o Consumo Consciente

Tendência para o Consumo Consciente

O problema é que alternativas mais práticas consomem mais energia, utilizam mais recursos para serem produzidas e geram uma quantidade maior de resíduos.
Muitas vezes a velocidade imposta em nosso dia a dia é criada por nós mesmos. Quantas vezes, no meio de um fim de semana, não nos movemos com pressa, sem ao menos termos uma razão para isso. Em um ambiente de trabalho isso é diferente. Organizações funcionam como máquinas que devem produzir continuamente e nós somos as engrenagens que fazem com que essas máquinas nunca parem.
Ponto para reflexão: É possível romper com o paradigma do automatismo sem gerar crise no sistema? O crescimento constante é compatível com os ciclos do planeta?
A homegeinização da cultura global e a alteração do meio ambiente em escala planetária
A tecnologia criou a possibilidade e o surgimento de uma cultura global. A internet, os satélites e a TV a cabo estão eliminando barreiras culturais. As companhias globais de entretenimento moldam as percepções e sonhos de cidadãos, não importa onde vivam. Essa disseminação de valores, normas e cultura tende a promover os ideais ocidentais e a cultura de consumo.
As consequências desse processo vão muito além das perdas culturais. Um processo de homegeinização global significa sete bilhões de pessoas no mundo todo desejando consumir exatamente as mesmas coisas. Isso teria consequências de diferentes ordens.
A primeira delas está relacionada à perda de diversidade biológica. De um ponto de vista econômico, quanto maior é a demanda por um produto, maior deve ser sua produção. Se todas as pessoas do planeta, por exemplo, estiverem convencidas de que o álcool é a solução definitiva para a matriz energética, o consumo desse produto aumentará vertiginosamente e demandará uma área muito maior para sua produção, ocupando o lugar de ecossistemas nativos, além de espaços destinados a outras culturas fundamentais para a nossa sobrevivência.
O segundo ponto também está ligado à produção agrícola. Como é possível todas as pessoas do planeta quererem consumir as mesmas coisas se a produtividade está diretamente ligada a peculiaridades locais como condições climáticas e propriedades do solo? A solução para essa pergunta traz consigo a alteração de condições naturais, o uso desmesurado de produtos químicos e uma série de outras externalidades que ainda não conseguimos solucionar em nível local.
O terceiro e último ponto diz respeito à produção de resíduos. Em um processo de produção em massa não temos como fugir da transformação ou do processamento industrial de insumos. Isso inclui não só um alto uso de energia, como também uma produção maior de resíduos.
É possível prosseguirmos com o processo de miscigenação cultural global, mantendo ao mesmo tempo peculiaridades de culturas locais.
Ponto para reflexão: Como aproveitar somente os benefícios gerados pelo processo de globalização iniciado há tantos anos e que se intensificou nas últimas décadas?
Caminhos para um futuro mais sustentável
Muitas vezes consumidores fraquejam em processos de mudança de hábito por falta de informações e de ferramentas. Esses dois pontos impulsionam movimentos já em marcha e que prometem ser um vetor de transformação do comportamento de consumo em um futuro próximo.
Esses movimentos são o reflexo de uma única grande tendência: a de que o sentido de pertencimento, hoje fundado na necessidade de consumir, se transfira para movimentos globais que respondam à emergência socioambiental que vem sendo constantemente noticiada pela mídia comum mundial. Problemas como as mudanças climáticas, a escassez de recursos, o acúmulo de lixo e desordens sociais de vários tipos têm alertado a população global de que é preciso agir e as pessoas começam a querer fazer parte da solução.
Com isso, o que antes se resumia a poucos, começa a perturbar um número cada vez maior de pessoas e a despertá-las para que iniciem seus próprios processos de mudança pessoal. Existem também algumas ferramentas e formas novas de atuação que favorecem a agregação dessas pessoas em grupos e, em última instância, a formação desses movimentos. O que você verá, a seguir, são exemplos de algumas dessas ferramentas e estratégias.
Redes Sociais
As Redes Sociais são bastante usadas na internet para promover produtos. Por outro lado, têm sido utilizadas também para promover temas como o consumo responsável e a sustentabilidade. Com uma busca rápida nas principais redes sociais como MySpace, Facebook, Twitter, Youtube e Orkut obtém-se mais de cem mil resultados, e milhões de pessoas envolvidas no mundo todo.
As redes são, sem dúvida, um dos caminhos mais claros para a sustentabilidade por representarem uma forma simples e barata de disseminação da informação e de envolvimento de pessoas ao redor de ideias e estratégias. Sua forma desestruturada lhe garante uma grande capacidade cognitiva e um alto poder criativo. Elas permeiam a maioria das estratégias e ferramentas mencionadas aqui.
Tecnologia da informação
A internet por si só é uma poderosa ferramenta de disseminação de informações em massa. O seu uso, no entanto, foi se aprimorando ao longo da última década e o que antes era feito de forma tradicional, com informação textual, hoje utiliza linguagens com a capacidade de sensibilizar um número muito maior de pessoas.
Não que o modelo tradicional de disseminação da informação não seja importante. Páginas como a do Instituto Akatu no Brasil e outras em inglês como GoodGuide, Greenwashing Index, Adbusters, Slow Movement e How Stuff Works, alimentam o consumidor de informações relevantes para que ele tome decisões mais acertadas em consideração ao meio-ambiente e à sociedade na hora de consumir.
O problema com a forma tradicional de comunicação de conceitos e mobilização é a falta de tempo das pessoas, o que dificulta a leitura de textos mais longos. Nesse contexto, outras linguagens como imagens e vídeos ganham espaço na promoção da sustentabilidade e do consumo responsável. Um ótimo exemplo foi uma paródia feita pela produtora americana de filmes Free Range de Guerra nas Estrelas, chamada Grocery Store Wars. Atualmente disponível no Youtube, o vídeo tem mais de dois milhões e meio de visitas. Outro bom exemplo, também voltado à promoção da responsabilidade no consumo, é a paródia de Matrix, The Meatrix, que expõe as práticas da indústria de processamento de carne.
Outra forma de disseminação da informação criativa é através dos aplicativos criados para que o consumidor monitore em tempo real informações sobre produtos. Um deles, o Know More, é um aplicativo criado para o navegador de internet Mozilla Firefox. O Know More reconhece o nome de empresas e marcas conforme o internauta navega na internet e dá informações sobre políticas socioambientais. Outro aplicativo interessante é o do próprio GoodGuide, desenhado para que os donos de iPhones consultem em tempo real informações sobre produtos e empresas quando estão fazendo suas compras.
Os celulares são um campo ainda em exploração, mas as chamadas Smart Mobs prometem ser uma ferramenta indispensável para a mobilização de consumidores. Smart Mobs foi um termo criado por H. Rheingold para descrever as “novas” formas de mobilização usando tecnologias móveis como celulares, com voz e SMS, pagers, internet sem fio, blogs, etc. Casos clássicos de utilização bem sucedida dos Smart Mobs foram os das manifestações que agregaram milhões de pessoas por SMS nos protestos anti-globalização nas Filipinas, e na Espanha, pós atentado nos trens em 2004. Nesses casos, a mobilização por SMS teve consequências que mudaram o rumo nos dois países. Nas Filipinas, o presidente Estrada foi deposto. Na Espanha, o partido do até então presidente José Maria Aznar liderava as pesquisas até o último dia, mas acabou derrotado em função da mobilização provocada pelo Smart Mob.
Em todos esses casos, a colaboração é o que possibilita não só a construção de ferramentas, mas principalmente que sejam bem aplicadas e que as informações atinjam o maior número de pessoas possível.
Colaboração e brigadas
O espírito colaborativo também dá o tom a uma estratégia ainda pouco usada para a sustentabilidade, mas que promete gerar impactos muito positivos para a promoção de mudanças.
Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, no final de 1941, os cidadãos americanos ajudaram ativamente para que os esforços do país fossem bem sucedidos. Qualquer coisa que pudesse ser reciclada era aproveitada. A gordura da carne não era nem mesmo levada dos açougues pelos consumidores, porque era reaproveitada na fabricação de nitroglicerina. As mulheres abriram mão de saias plissadas, a moda da época, em favor de saias mais justas que consumiam menos matéria-prima para sua fabricação. O racionamento de combustível e de outros bens de consumo foi rigorosamente respeitado durante a Guerra, tudo em função do interesse coletivo.
Hoje a colaboração está presente de forma latente no mundo virtual, por meio do desenvolvimento de aplicativos e de conteúdo na internet. O mesmo espírito, entretanto, não é tão comumente encontrado em situações reais. Ainda assim bons exemplos podem ser encontrados para ilustrar como mutirões e brigadas são fundamentais na busca pela sustentabilidade.
A Terra Cycle, por exemplo, empresa que produz a partir de materiais não recicláveis, normalmente descartados no meio ambiente, como sacos de salgadinhos e fraldas, utiliza o modelo de brigadas para coletar insumos para o seu processo produtivo. Com esse modelo, a empresa mobiliza pessoas na busca pela matéria-prima, confiando que elas, por sua vez, sejam capazes de mobilizar suas redes para o mesmo objetivo.
A Natura também tem buscado o modelo colaborativo para implantar um mecanismo de logística reversa. Com esse mecanismo, as embalagens são coletadas pelas consultoras, responsáveis pela venda na ponta, para então serem distribuídas a cooperativas de reciclagem. Essas profissionais também mobilizam consumidores para que não descartem embalagens.
No Brasil, um projeto a fim de regular a gestão dos resíduos sólidos tramita há dois anos no Congresso Nacional e deve entrar em pauta para votação muito em breve. Essa legislação tornará obrigatórias iniciativas como a da Terra Cycle e da Natura, mas provavelmente essas empresas sairão muito na frente, principalmente em virtude da estratégia colaborativa.
Regulamentação
Não há como negar que a regulamentação é uma importante ferramenta para os consumidores. Até pouco tempo atrás, as empresas não eram obrigadas a mencionar dados nutricionais nos alimentos. Aquelas que agiam por sua conta, o faziam porque citar as características de seus produtos trazia alguma vantagem competitiva sobre os concorrentes. Hoje a transparência em relação aos dados nutricionais deixou de ser opção para ser uma obrigação. Recentemente, por exemplo, empresas produtoras de alimentos passaram a ser obrigadas a descrever na embalagem dos alimentos se eles contêm ou não a chamada gordura trans.
Os rótulos também trazem outras informações importantes para o processo de tomada de decisão dos consumidores, como por exemplo, o fato de uma embalagem ser ou não reciclável. Nos próximos anos a legislação deve avançar muito nesse sentido, mas, até que isso aconteça, é necessário que nos cerquemos de outras ferramentas.


[1] Wolfgang Sachs, Planet Dialetics, London Books, Zed Books.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?