Tendência para o Consumo Consciente

Tendência para o Consumo Consciente

Sociedade de consumo
O exercício mais interessante quando se trabalha com tendências é o da análise de padrões na história e no tempo: olhar para o passado para entender o presente e tentar enxergar o que pode acontecer no futuro. Não sem razão o ponto de partida para esse estudo é justamente uma linha do tempo que procura mostrar como se formaram os valores da sociedade de consumo ao longo dos anos. Esse panorama dá subsídios para a projeção de alguns cenários e tendências.
Antes de iniciar essa análise, propomos uma reflexão a partir do filme Wall-E. No longa de animação da Pixar, em 2100 a Terra está coberta de lixo e a alta toxicidade de nossa biosfera elimina as condições de sobrevivência para qualquer espécie. A alternativa criada então pela Buy & Large, única empresa do planeta e cujo dono também é o presidente da Terra, é um cruzeiro de cinco anos da humanidade a bordo da nave Axiom, enquanto os robôs Wall-E (acrônimo para Waste Allocation Load Lifters – Earth-Class, em português, Levantadores de Carga para Alocação de Lixo – Classe ‘Terra’) cuidam da limpeza. Setecentos anos depois, no entanto, o problema continua latente, e a raça humana passou por uma completa transformação anatômica, fisiológica e cultural.
Wall-E tem como pano de fundo o nosso comportamento de consumo, no presente, com as eventuais consequências que isso poderá trazer para a sobrevivência da espécie humana, no futuro. O filme também traz algumas premissas que serviram como base para a realização desse trabalho. Elas refletem com acuidade alguns padrões arraigados há séculos em nossa sociedade. A seguir analisamos uma a uma.
Nossa percepção de necessidades

O francês Denis Diderot é considerado por muitos o pensador que fundou a era moderna. Em Supplement au Voyage de Bougainville, ele descreve a vida de nativos das ilhas do Pacífico e relata com muita precisão o movimento de consumo iniciado com a Revolução Industrial, e como o conceito de necessidades mudou com a introdução das melhorias tecnológicas trazidas na época.

Para Diderot o conceito de necessidades humanas é sempre determinado pela cultura. Cada sociedade cria seus valores e prioridades. Uma criança, quando nasce, exige um esforço de socialização por parte de pais e tutores, com o fim de educá-la para que faça parte de sua sociedade e assuma, assim, suas necessidades. Tudo depende, portanto, dos valores culturais que lhe serão transmitidos. Se em alguma parte se ensina que o fundamental é a espiritualidade, as relações com a família e o respeito ao meio ambiente, essas serão as necessidades fundamentais para essa pessoa. Se, por outro lado, lhe é ensinado que o fundamental é estar sempre na moda, ter o carro do ano e consumir cada vez mais, esses valores serão carregados com ela durante sua vida. Existe então uma forma de definir se um conjunto de necessidades é melhor ou pior?

Talvez não, mas é possível, sim, pensar no que é mais lógico. Se continuarmos a produzir e a consumir sem questionarmos o que realmente é necessário para que vivamos com qualidade de vida, sem excessos, continuaremos também a desafiar os limites da biosfera, e o futuro mais visível é o das montanhas de lixo compactadas por Wall-E.
Claro que, por se tratar de uma pergunta sem resposta certa, alguém poderia responder que o necessário para uma qualidade de vida razoável é muito mais do que aquilo que possamos imaginar. Afinal de contas, as necessidades humanas podem ser ilimitadas. A pergunta nesse sentido, então, passa a ser: estamos prontos para deixar de viver em uma cultura de suficiência para passar a viver em uma outra, baseada na escassez?
Dependência tecnológica e obsolescência forçada
A história da tecnologia é praticamente tão antiga quanto a da humanidade. Foi por meio dela que nossos ancestrais puderam superar condições inóspitas e usar os recursos naturais a seu favor, para sobreviver. Com o passar do tempo a luta por sobrevivência se transformou em domínio da natureza e, socialmente, em poder.
O processo inventivo da segunda fase da Revolução Industrial provocou um salto quântico no patamar tecnológico da época. Ainda assim, a característica principal dos produtos fabricados em grande parte das vezes era a durabilidade. Quando a GM lançou no mercado a ideia do modelo do ano, esse cenário começou a mudar e o que passamos a experimentar desde então foi a cultura do amor pelo novo. Esse processo se intensificou ainda mais a partir da década de 60, com o consumismo conspícuo e o último modelo, a moda passou a ser o fator determinante para o status social.
Hoje, a obsolescência já faz parte da estratégia de marketing de muitas empresas e fomenta a cultura do descarte,. Esse problema que já é grave hoje, tende a se intensificar com as perspectivas de aumento da capacidade de compra das pessoas.
Com o nível de competição cada vez mais acirrado nos mercados destinados às classes A e B, ganham espaço as estratégias de comércio para a chamada base da pirâmide. O problema é que elas raramente têm o nobre propósito de garantir acesso a bens necessários à qualidade de vida das pessoas mais pobres: ou criam necessidades supérfluas ou prezam pela baixa qualidade em função de preços acessíveis. Na maioria das vezes, é uma combinação de ambos.
Em qualquer uma dessas hipóteses, as consequências socioambientais são desastrosas. A tecnologia, se bem utilizada, é sem dúvida um instrumento que contribui para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para uma relação mais saudável entre sociedade e meio ambiente. O outro lado da moeda é o uso motivado exclusivamente para a conquista de status e bem-estar virtual.

É um erro acharmos que a tecnologia seja um fim em si mesmo. Também é um erro acreditarmos que a tecnologia seja necessária em todos os momentos de nossas vidas. O uso da tecnologia definitivamente não é neutro e provoca consequências sociológicas que muitas vezes não somos capazes de entender.

Ponto para reflexão: É possível encontrarmos o uso adequado da tecnologia, interrompendo assim a torrente que faz com que seu uso seja um fim em si mesmo?
Nossa relação com o tempo e nossa baixa integração com os ciclos naturais
Desde que passamos a nos movimentar com maior velocidade, nossa relação com o tempo e com os ciclos do planeta mudou para sempre. Ao mesmo tempo em que perdemos pouco a pouco nossa capacidade de observação, também exigimos do planeta que se mova na velocidade que esperamos.
As consequências disso são cada vez mais sensíveis. Conforme observa o pesquisador alemão Wolfgang Sachs[1] , para nos movermos mais rápido precisamos transformar recursos em energia. Na nossa matriz energética atual, isso significa consumir mais combustíveis fósseis e acelerar o ciclo de carbono do planeta.
A segunda dimensão é menos visível. A aceleração provocada por nossa dinâmica social tem, obviamente, reflexos em nosso paradigma de produção. Faz com que nos afastemos cada vez mais de um sistema que funcione para atender demandas e nos aproximemos de um outro que desafia os limites da biosfera. A agricultura produz cada vez mais rápido; insumos naturais são transformados e estruturas levantadas  com mais rapidez, e consumimos cada vez mais.
A terceira dimensão diz respeito à nossa relação com o tempo no dia a dia. Pressionados por uma velocidade cada vez maior e pela necessidade de consumir sempre mais, imprimimos um ritmo maior também às nossas vidas, e adotamos hábitos que são compatíveis com essa velocidade. Nossa dieta, nosso transporte, nossa comunicação, tudo requer maior rapidez. Com isso, vamos trocando nossos aparatos por outros, que atendam a essa demanda, e buscando alternativas mais práticas.

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