A Rio+20 e “nosso futuro comum” nas regiões metropolitanas
O acelerado crescimento urbano – industrial ocorrido no Brasil, concentrado nas últimas décadas em apenas 68 municípios, alimentou a formação de grandes áreas metropolitanas adensadas, onde as ações de planejamento urbano ficaram ao longo do tempo difusas e incompletas, por vezes incapazes de compreender e dar respostas às grandes demandas da população e do meio ambiente nas cidades. Tal processo de ocupação irregular gerou imensas zonas de exclusão social e exposição de suas populações a grandes riscos ambientais.
Apesar do intenso processo de crescimento econômico brasileiro nas duas últimas décadas, seguido pela “inserção” de boa parte da população pobre nas chamadas “sociedades de consumo”, os problemas socioambientais urbanos estão pendentes por soluções, e cada vez mais agravados, pela geração de intenso descarte e resíduos pelas novas classes consumidoras “ascendentes” ou pelo aumento exponencial dos resíduos industriais; lembrando de longe o que está ocorrendo e irá ocorrer na China, com seus 1,3 bilhões de habitantes, onde boa parte da população ainda aguarda por ser inserida nas sociedades de consumo.
Atualmente, e em especial pela chegada da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, muito se fala de crescimento urbano e riscos socioambientais – porém tal assunto não é novo e possui longo acervo nos debates travados em outras áreas do conhecimento como no campo da geografia, do planejamento urbano, das ciências sociais, da engenharia, da saúde pública e tantas outras áreas preocupadas com um tema importante para estudo e ação.
Na década de 1990 o sociólogo europeu Ulrich Beck trouxe diversos alertas a respeito dos perigos que se corria e que ainda se corre em viver nas cidades do final do século XX, riscos que ao longo do tempo tornaram-se perceptíveis para todos nós como os acidentes de trânsito, os derramamentos de produtos químicos ou as centenas de horas de caos causados pelas chuvas torrenciais.
Para Beck os riscos ambientais de uma cidade ocorre de forma inversa à distribuição das classes sociais residentes nas mesmas, quanto maior a pobreza, maior a exposição aos mesmos; as cidades no Brasil e no mundo não somente se caracterizam por regiões onde ocorre segregação sócio – espacial em diferentes escalas, como também os riscos e exposições aos perigos ambientais estão distribuídos conforme a renda e camada social na qual se pertence.
A deterioração da qualidade de vida nas grandes cidades e regiões metropolitanas no Brasil veio sendo construída historicamente através de um modelo de crescimento urbano e demográfico acelerado e que remonta desde as décadas de 1920/1930 até os dias atuais.
As cidades receberam enorme fluxo de imigrantes provenientes das zonas rurais, de pequenas comunidades, além de imigrantes de outros países e apresentaram um crescimento horizontal rápido e desconexo com a capacidade dos governos de planejar minimamente não somente um zoneamento urbano adequado, como também se comportou de forma descompromissada com a necessidade de uma abordagem mais sistêmica e ampla dos impactos de suas decisões estratégicas sobre as cidades.
Nas grandes regiões metropolitanas se avolumaram os grandes problemas socioambientais nacionais e mundiais. As cidades concentraram além de partes das populações provenientes do campo, trabalhadores mal remunerados que ampliaram as orlas de pobreza e miséria pelo seu território, ocupando as regiões periféricas e as bordas e territórios das cidades, locais onde podem ser encontrados grandes focos de impactos ambientais e os piores índices de qualidade de vida do território.
Apesar das metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro serem vitrines de pujança econômica e apresentarem um visual de modernidade e progresso, nos seus territórios se encontram as mais radicais e insalubres condições de existência e qualidade de vida, desde as áreas onde a qualidade do ar, do paisagismo e da disposição dos equipamentos urbanos alcançam elevados padrões de qualidade ambiental, dotadas de requintados símbolos de paisagismo, chegando nas áreas onde tecnicamente é impossível a aceitação da presença de seres humanos habitando; áreas tão díspares que se constituem em uma “anti-metrópole” dentro da metrópole, ou talvez os “dois brasis” que tanto relutamos em enxergar.
As cidades como eixo das preocupações internacionais no século XXI
O Brasil foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e um dos países expoentes a respeito da discussão sobre os conceitos e propostas de desenvolvimento sustentável, e agora chegamos novamente a uma nova Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20). Na ordem das discussões um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico será proposto sobre o nome de economia verde, e sobre como desenvolver os seres humanos com a preservação ambiental.
Por conta da passagem da Rio + 20 o grande desafio para pensarmos modelos de desenvolvimento sustentável que permitam inclusão social e preservação ambiental em grandes cidades passa pela compreensão dos complexos mecanismos de funcionamento dos inúmeros ecossistemas existentes em uma área de difícil interpretação que são as grandes metrópoles.
Entendermos de forma sistêmica seu complexo funcionamento será o primeiro passo para a construção de modelos de desenvolvimento regional que busquem reverter gradativamente os mais graves impactos socioambientais que causamos como o efeito estufa, a contaminação desenfreada de aquíferos e solos e a redução acelerada da biodiversidade em todo o planeta.
Sugiro aqui alguns questionamentos que poderiam nos auxiliar a planejar nossas cidades para o futuro como: quais seriam os limites populacionais nas regiões metropolitanas e grandes cidades? Teríamos condições ecossistêmicas regionais para suportar as pressões exercidas pelo incremento de milhões de pessoas nas próximas décadas? Como preservar os serviços ecossistêmicos e promover qualidade de vida para uma população de mais de 30 milhões de habitantes no Complexo Metropolitano Expandido Paulista, que ocupam apenas 0,48% do território nacional e 16,33% do total do estado de São Paulo?
Quais os limites da produção, do consumo e do descarte de resíduos industriais e domésticos nessas áreas? Quais os limites para novos empreendimentos industriais ou de serviços como grandes shoppings centers em cidades como Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador ou Curitiba?
Outra questão estratégica para ser pensada é até que ponto os serviços ecossistêmicos darão conta e capacidade de suporte diante de uma região metropolitana que se expande de forma anômala e sem um amplo debate científico e público sobre os limites e validade de tal crescimento.
São questões entre um vasto repertório que deverão ser feitas por governos, empresas e cidadãos. As respostas serão múltiplas e conflitantes, mas isso não nos impedirá de elaborarmos e buscarmos respostas, com a culpa de que no futuro nossa falta de questionamento e ação inviabilize a vida de nossos netos e das futuras gerações em nossas cidades, e que nosso imobilismo contribua para construir uma realidade urbana totalmente desencontrada com nossos discursos de igualdade, justiça social, e qualidade de vida com preservação ambiental.
O paradigma do crescimento a qualquer custo esbarra nos seus limites humanos e ambientais; uma parte considerável da opinião pública não aceita mais o convívio com a injustiça social e com a degradação ambiental proveniente das externalidades do processo produtivo irresponsável e ambientalmente agressivo.
Apesar do fascínio exercido pelas cidades e pelo fenômeno da urbanização do mundo, as grandes regiões urbanas do planeta continuam crescendo de forma exuberante, gerando pegadas ecológicas cada vez maiores e pressões ambientais e sociais cada vez mais insuportáveis, colocando o planeta sobre pressão.
Tais áreas geram cada vez mais questionamentos sobre a viabilidade de continuarem crescendo, pois se reconhece que seu metabolismo passou a alterar radicalmente as condições de vida em seu interior e afetam seriamente os ecossistemas à sua volta. O enriquecimento material das metrópoles começa a ser questionado quanto a sua capacidade de gerar qualidade de vida para boa parte das suas populações. A necessidade cada vez maior por insumos, energia, alimentos e matéria prima geram pressões sobre os territórios cada vez maiores.
É necessário partirmos para o questionamento e a ação rumo a novos modelos de desenvolvimento antes que seja de fato tarde, o gerenciamento de crise uma realidade e o colapso, inevitável.
Prof. José Gonçales Junior é geógrafo pela USP é consultor em Desenvolvimento Sustentável, docente de pós-graduação em faculdades em Campinas e São Paulo na área ambiental – sustentabilidade e ambientalista. Participa da Rede de Educadores da Plataforma Liderança Sustentável.
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