“Puxa, descobri que lá na empresa o que fazemos não é responsabilidade social!…”

22 de janeiro de 2013

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Por Patrícia Galante de Sá

Já ouvi esse desabafo várias vezes, ao vivo ou por email, dos meus ex-alunos de pós, ao final da disciplina de Responsabilidade Corporativa. Tenho visto com freqüência (na imprensa também) uma grande confusão conceitual que é sintomática da necessidade de capacitar melhor as lideranças e a mídia: estão sendo misturados num caldeirão comum, como se fossem a mesma coisa: a empresa socialmente responsável, o marketing social, o marketing com responsabilidade e a contribuição do marketing à sociedade. Parece preciosismo, mas quando assisto num workshop uma indústria de cigarros divulgando sua responsabilidade social quando de fato faz marketing social, percebo um flagrante desconhecimento da diferença desses conceitos – fator critico para a construção de um mercado com organizações realmente sustentáveis.

Num mundo com comunicações globalizadas em tempo real, as empresas estão bastante expostas e a sociedade lhes cobra uma postura mais responsável do ponto de vista dos seus impactos sociais e ambientais. A pesquisa Edelman/Good Purpose 2012 mostra isso claramente, e o Brasil está acima da média mundial entre os 20 países pesquisados. O Terceiro Setor cresce a olhos vistos, com ONGs cada vez mais eficazes na defesa dos interesses da sociedade civil, que também já compreende melhor e inseriu no seu vocabulário a sustentabilidade. A mudança de comportamento de muitas corporações é um reflexo disso.

É emblemático o caso do mercado automobilístico: enquanto o governo dos Estados Unidos relutava em aderir ao Protocolo de Kyoto, várias indústrias do setor começaram a divulgar o desenvolvimento de carros movidos a energias limpas, numa espécie de “desobediência corporativa”, que se apresenta mais visionária do que a própria ação do poder público. No Brasil, discutem junto ao Instituto Ethos a insustentabilidade do setor, devido aos problemas de mobilidade urbana nas metrópoles e as iminentes legislações anti-emissões de CO2, que afetarão a equação financeira dos seus produtos e a receptividade do mercado. Trata-se de empresas socialmente responsáveis onde o marketing trabalha submetido aos compromissos de sustentabilidade (estratégicos) da organização e é reflexo da adoção de uma visão mais holística das causas e efeitos envolvidos na operação do negócio, e sua perenidade. É o foco nos processos/práticas (essência), não nas ações de fachada.

Agora vamos analisar o que ocorre nas indústrias de tabaco. Empresas como a Souza Cruz realizam projetos muito relevantes para a comunidade (educação, preservação ambiental, espetáculos culturais e campanhas de vacinação), buscando angariar simpatia, cooperação e boa imagem. Neste caso, trata-se na verdade de Marketing Social (ou Ação Social, se preferir): investimentos voltados para o social como ferramenta de marketing corporativo. O Marketing Social consiste, portanto, de se usar a ação social como instrumento de marketing. Não se trata de Responsabilidade Social.

O mais próximo que a indústria do tabaco chega de ter um marketing com responsabilidade é quando se auto-impõe limites para a divulgação de seu produto, proibindo o uso de crianças e jovens em seus anúncios e criando uma “zona de segurança” em torno de escolas (onde não é feita publicidade ou promoção de qualquer espécie) ou quando combate o uso de mão-de-obra infantil na fumicultura. Estas são atitudes ligadas a neutralizar ou reduzir os efeitos negativos das práticas e processos inerentes ao negócio. O ápice da responsabilidade seria melhorar o produto ao ponto de eliminar seus efeitos nocivos.

O marketing é responsável quando não busca manipular o consumidor vendendo “falsas promessas”, criar estereótipos, desrespeitar algum grupo social e é feito com o intuito de mostrar os atributos e benefícios de um produto ou serviço, para que o indivíduo possa fazer escolhas bem informadas. A indústria da beleza também deixa muito a desejar em relação ao marketing responsável: Na sociedade de consumo em geral e no mundo dos cosméticos em particular, têm prevalecido o engano, o falso, na busca do êxito a qualquer preço. A sociedade perde assim a oportunidade de viver relações baseadas em verdades, que personalizam e aperfeiçoam indivíduos e organizações. (…) A beleza é um legítimo anseio de todo ser humano. Frequentemente em nossa sociedade ocorre a manipulação deste anseio, com imposição de estereótipos e preconceitos que estabelecem para a beleza padrões de idade, raça e comportamento”, ilustra bem uma das crenças da Natura.

Quanto à contribuição do marketing para a sociedade, os benefícios vão do bem-estar econômico até a satisfação psicológica. Se olharmos a atividade de marketing como um amplo sistema, veremos que ela se inicia com a tentativa de uma empresa entender e satisfazer uma necessidade ou desejo do consumidor, desenvolvendo fornecedores para poder produzir bens e serviços. O marketing é governado pela busca incessante de eficiência, inovação e crescimento e pela interação entre os vários participantes do seu ecossistema – fornecedores, fabricantes, funcionários, distribuidores, vendedores, compradores, usuários e legisladores. Há uma série de atividades invisíveis dentro do fluxo desse sistema, que são responsáveis pela qualidade de vida e a garantia dos direitos dos indivíduos, além da distribuição de riqueza entre os seus diversos participantes.

Porém, apesar de todos os benefícios que traz à sociedade, o sistema de marketing tem um lado negativo que precisa ser equacionado por meio da responsabilidade de quem o pratica, como o estímulo ao consumismo, a manipulação através da propaganda, o desperdício de recursos ambientais (por exemplo, nas embalagens), a obsolescência programada dos produtos, a discriminação social (segmentação feita através do preço e da distribuição) e a pasteurização cultural.

Assim, nada contra o marketing, ele é um instrumento poderoso e pode ajudar muito uma empresa socialmente responsável. Mas o marketing adequado a uma economia sustentável deve se apoiar num tripé: ser praticado por uma empresa que tenha a responsabilidade socioambiental como pilar estratégico do negócio, ser executado por todos os participantes do sistema com base na ética e contribuir para a construção de uma sociedade e um mundo melhores. Isto só se tornará uma realidade quando os ambientes de formação de conhecimento (escolas e mídia) consigam entender e disseminar corretamente os conceitos junto aos gestores e consumidores, evidenciando que responsabilidade é ser, enquanto marketing é parecer ser. Está aí o greenwashing para comprovar.

Patrícia Galante de Sá é Relações Públicas pela FACHA, Mestre em Administração pela FGV/Ebape, consultora especialista em Reputação Corporativa e professora-convidada dos cursos de pós-graduação da FGV, Ibmec e UFRJ, viajando por todo o Brasil há 17 anos para lecionar comunicação e sustentabilidade. 

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