Especial – O que vem depois de Copenhague?

Especial – O que vem depois de Copenhague?

Apenas uma carta de intenções
Consultoria
O acordo costurado em Copenhague não tem a força de lei que se desejava, muito menos representa uma decisão da Conferência das Partes das Nações Unidas—tanto que, constrangida pelo fracasso do processo, a organização evitou botar sua logomarca no documento. Ele é apenas uma carta de boas e vagas intenções,  escrita sob medida para não ser levada a sério. Sobre a temperatura, o documento “reconhece” o óbvio, isto é, a necessidade de enfrentar o aquecimento global para evitar aumento superior a dois graus Celsius, considerado ponto de inflexão na curva de estabilização do clima.
Propõe que os países ricos, citados no Protocolo de Kyoto como os principais responsáveis pelas mudanças climáticas, comuniquem propostas nacionais de corte de emissão de carbono até 2020. E que os emergentes e pobres, bloco onde está o Brasil, estabeleçam metas nacionais sem, no entanto, o compromisso de implementá-las. Em relação a financiamento, compromete as nações ricas a investirem U$ 30 bilhões num fundo de curto prazo até 2012 para apoiar os países pobres na adaptação aos efeitos do aquecimento global, ampliando este volume de recursos para US$ 100 bilhões anuais até 2020.
Redigido e remendado pelos negociadores e chefes de Estado de EUA, Brasil, China, Índia e África do Sul, este texto contou com a aprovação da União Européia, Canadá e Austrália (dois países tratados como vilões do clima antes e durante a COP 15), Japão e países africanos, exceto o Sudão. Tuvalu, Nicarágua, Cuba, Venezuela e Bolívia não quiseram assinar o documento por considerá-lo uma peça forjada para manter os interesses econômicos dos países mais ricos.
Na prática, o texto não obriga a nada.  Os 194 países ficam liberados para elaborar suas próprias metas ou até abrir mão delas. Na teoria, as negociações seguem. Há um encontro marcado para a cidade de Bonn, na Alemanha. Chegou-se a cogitar a antecipação da COP 16, a ser realizada em novembro de 2010, na cidade de Cancun, no México, para tentar encurtar o período de impopularidade de alguns líderes tidos como responsáveis pelo fracasso da Convenção do Clima  e também a sensação de impotência que tomou conta do mundo após o fracasso do tratado.
A COP 15 naufragou basicamente por causa da má vontade mútua do G2 – China e EUA. O discurso de Obama na última plenária dos países foi fatal. Até a entrada do presidente dos EUA, no grande auditório do Bella Center, ao meio-dia do dia 18 de dezembro, havia alguma expectativa de que ele pudesse surpreender o mundo com uma guinada nas propostas apresentadas por seus inflexíveis negociadores nos 10 dias anteriores. Ele não surpreendeu. Discursou para os norte-americanos e não para o mundo.
Com um pronunciamento frio, apenas confirmou o que já se sabia: os EUA não aumentariam sua proposta de reduzir em 17% as emissões de CO2 com base no ano de 2005 (pífios 4% se considerado o ano base de 1990). Todo mundo exigia 40%.  Sobre os recursos para um fundo de apoio aos países pobres, o chamado Fundo Verde, afirmou que o seu país contribuiria, sem, no entanto, dizer o valor e a fonte da doação. Mais do que isso, condicionou-a  à redação de um acordo de interesse exclusivo de seu país.
Na prática, sua tática era jogar mais responsabilidade para a China e alguns países emergentes, forçando-os a obedecer as mesmas regras impostas aos ricos. O argumento utilizado foi “cobrar transparência” da China. Cabe explicar que Obama defendeu o documento da Conferência de Bali, redigido há dois anos, no qual se decidiu que os países emergentes teriam que se comprometer com medidas “mensuráveis, reportáveis e verificáveis” para comprovar a eficácia de suas ações de combate ao aquecimento global.
A China pensava de outra forma. Em seu entendimento, essas medidas só seriam válidas para ações financiadas com dinheiro externo. O que Obama chamou de transparência, Wen Jiabao, o premiê chinês, classificou como atentado à soberania nacional. E assim, de modo conveniente para as duas partes, o acordo ruiu apesar do esforço diplomático de outros líderes –como Lula, Sarkozy, Merkel e Brown—e da presença inédita de 130 chefes de Estado de todo o mundo.
Por que conveniente? Obama, na verdade, não quis se indispor com o Senado, onde tramita uma proposta de descarbonizar a economia norte-americana, justamente num momento em que a economia de seu país começa a se recuperar da crise que abateu o planeta em 2008-2009. Assumir compromissos mais ambiciosos de corte de emissões—sem a equivalência de uma proposta chinesa — poderia ser visto, no âmbito caseiro, como atitude contrária aos interesses nacionais, coisa que empurraria para baixo a popularidade já em queda do presidente dos EUA. Para a China, o adiamento de um acordo significa mais tempo para fazer negócios na velha economia, não tendo que arcar agora com os altos custos da mudança para uma economia de baixo carbono.
Campanha presidencial em Copenhague
A campanha para a presidência da Republica ainda não começou oficialmente. Mas entre 12 e 18 de dezembro ela se mudou para Copenhague, na Dinamarca, onde os três principais candidatos — Dilma Roussef, José Serra e Marina Silva — resolveram disputar holofotes.
Sobre tais participações, seus assessores apressaram-se em afirmar que nada mais eram que atividades de agenda política. Dilma foi escolhida para chefiar a delegação brasileira, o governador Serra cumpriu compromisso com as Nações Unidas e Marina, histórica líder da causa ambiental, acorreu ao evento por tratar-se de um fórum de sua especialidade.
O fato é que, políticos que são, eles estavam em plena campanha. Isso ficou claro nas estratégias de comunicação montadas por seus assessores. Suas participações foram registradas, certamente para servir como conteúdo para programas de TV do horário eleitoral gratuito. Apesar de o tema da sustentabilidade não figurar entre os prioritários, em recentes pesquisas de opinião pública, os marqueteiros  sabem muito bem que ele tem mais relevância hoje do que, por exemplo, na campanha presidencial passada. A questão ambiental entrou na agenda publica. E está interessando cada vez mais o cidadão comum.
Considerando justamente esse fato, a CoP 15 foi vista como um palco interessante para os candidatos á presidência debaterem suas ideias ambientais ou mesmo marcarem posição contra as de seus adversários.
Impossível arriscar quem ganhou mais votos a partir de Copenhague. Nesse território “verde” Marina Silva está sempre em casa. Além de saber exatamente o que diz, conta com a simpatia das ONGs, dos formadores de opinião  e até de políticos opositores. Fui testemunha de uma cena que dá bem a mostra desse respeito:  no aeroporto de Lisboa, ao saber que a senadora estava na fila de embarque, em conexão para Copenhague, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, retrocedeu alguns passos apenas para cumprimentá-la diante de uma claque de assessores atônitos com tanta euforia. Em São Paulo, Lisboa e Copenhague, Marina deu autógrafos, abraçou gente para fotos e ouviu palavras de apoio á sua candidatura.
Seu ponto alto foi a defesa de que o Brasil deveria contribuir com dinheiro para um fundo global de apoio à adaptação dos países mais pobres às mudanças climáticas. Até sugeriu o valor de U$ 1 bilhão. Rápida no gatilho, Dilma metralhou a proposta. Serra concordou, botando lenha na fogueira do debate eleitoral.
O governador, aliás, cumpriu bem o seu papel. Convidado para um seminário, no qual dividiu o palco com o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, Serra apresentou em inglês a política de 20% de cortes de emissões do Estado de São Paulo até 2020, e mostrou a desenvoltura de um iniciado no tema. “Ele fez a lição de casa. Estudou como um bom aluno”, confidenciou-me um importante líder do movimento de sustentabilidade. A considerar o volume e intensidade das palmas ao final de uma fala de 20 minutos, e também os elogios recebidos em público de Schwarzenegger, Serra  passou no teste.
Já a vida de Dilma teve mais espinhos do que flores. Em terras dinamarquesas, a candidata do presidente Lula virou motivo de fofocas por causa de duas de suas facetas não exatamente abonadoras: pouca desenvoltura no tema e uma certa irascibilidade no debate de ideias. Foi dela a mais constrangedora gafe brasileira no evento ao dizer que o meio ambiente atrapalha o desenvolvimento sustentável. A chegada de Lula a Copenhague deixou Dilma fora do foco de crítica. Não demorou muito para que ele e o seu mundialmente reconhecido carisma atraíssem as atenções, protegendo sua candidata de uma exposição que começava a lhe cair mal.
Serra, Marina e Dilma estavam otimistas quanto a um acordo em Copenhague.  E mais ainda quanto a um possível protagonismo do Brasil na costura do documento. Erraram em suas apostas. Mas acertaram na escolha da CoP 15 como primeiro palco para a campanha eleitoral.

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