Investimento Social Privado em foco

20 de outubro de 2009

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Nos últimos anos, o investimento social privado passou a nortear estratégias que vão desde o retorno sobre investimento, até a formação e diferenciação da identidade de uma empresa. Nos bastidores desse processo de mudança, está a evolução da responsabilidade social empresarial e sustentabilidade que passaram a ser vistas de maneira integrada ao negócio. A fim de identificar o papel do ISP nesse cenário, Ideia Socioambiental ouviu especialistas que apontaram os principais desafios, tendências e oportunidades para o fortalecimento do setor no Brasil e no mundo.
A entrevista com Márcia Woods, diretora de desenvolvimento institucional do Instituto pelo Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), dá início a essa série. A especialista explica a diferença entre filantropia e investimento social privado e analisa a evolução dessas duas áreas no Brasil, levando em consideração fatores culturais e históricos.
Ideia Socioambiental: Qual é a distinção básica entre filantropia e investimento social privado, e qual das duas vertentes tem mais força no Brasil?
Márcia Woods: O IDIS define investimento social privado como a doação voluntária de recurso privado, seja ele recurso humano (tempo), dinheiro, produtos, serviços e conhecimento de uma forma estratégica para uma ação de benefício público. A diferença da filantropia para o ISP é o componente estratégico, a visão de desenvolvimento, que olha para os problemas sociais focado nas causas e não só nos efeitos. É um olhar de transformação social.
O Brasil é um país generoso, mas ao mesmo tempo ainda está aprendendo a fazer investimento social, a doar recursos de uma maneira envolvida, olhando para os resultados, para o impacto daquele dinheiro que estamos colocando no social.
Pesquisa, realizada pelo IDIS em parceria com a Charities Aid Foundation (CAF), mostra que o Brasil é um país generoso (Veja box abaixo). O Brasil possui 61,5% de sua população realizando doações. É importante observar a forma como essas doações são feitas. Grande maioria dos brasileiros ainda faz doações diretamente àqueles que tem necessidade. Ou seja, elas não usam uma organização para repassar esse recurso. Isso, na nossa leitura, mostra que as pessoas ainda estão olhando para as conseqüências, e não às causas.
I.S: Como se deu o processo de evolução de investimento social privado no Brasil?
M.W: A filantropia no Brasil vem desde a nossa base católica, ou seja, está na nossa raiz a questão de contribuir com causas e organizações sociais. A questão do movimento de investimento social surge no processo de redemocratização do País, quando começaram os grandes movimentos de responsabilidade social empresarial. Nessa época, surgiram instituições que já estavam com uma proposta diferente, como por exemplo a Abrinq, a associação dos fabricantes de brinquedos, que levantar a bandeira da defesa dos direitos da criança. Trata-se de um engajamento do empresariado para olhar para a área pública ao reivindicar os direitos da criança.
Então, foi no final da década de 1980, começo da década de 1990 que se começou a ter um maior número de organizações da sociedade civil se reunindo em torno de uma causa, como até o próprio movimento empresarial começando a se organizar para contribuir com a sociedade de maneira mais estruturada.
I.S: Os fatores culturais ou religiosos podem influenciar o volume de investimento social em um país?
M.W: Essa é uma boa pergunta, acho que tem uma boa linha de pesquisas relacionadas ao tema, principalmente quando você pega os países BRIC, que têm formações diferentes. O Brasil tem a religião católica como predominante, a China tem outra, a Índia tem outra. Então realmente tem um pouco de como a sociedade vê esse apoio ao próximo, e é lógico que isso tem correlações com a religião.
I.S: Do ponto de vista das empresas, que lógica de planejamento o investimento social privado obedece, e qual o retorno desse tipo de ação para o investidor?
M.W: Qualquer forma de investimento social, seja ele corporativo, familiar ou individual, quando se tem uma abordagem sistêmica, a primeira conseqüência é um entendimento de qual é a relação daquela participação voluntária com o contexto que ela vive: desde onde ela está presente, os públicos com quem dialoga, o histórico. Isso permite que sinergias aconteçam, o que pode ser desde um investimento social com foco em uma determinada causa relacionada relaciona aos públicos que a empresa atende como cliente, trazendo uma complementariedade para sua estratégia de negócios; ou pela forma que ela atua, para trazer o engajamento dos colaboradores, também pode contribuir para uma satisfação interna melhor, uma cultura interna mais forte e clima organizacional.
Quando uma empresa toma essa abordagem estratégica, a principal vantagem é o retorno sobre investimento. A partir do momento em que se tem um foco em investimento social, a organização canaliza seus esforços para o entendimento de uma prioridade por público, por território, e por causa social. Isso evita a dispersão de recursos, e com isso a empresa tem condições de fazer um programa mais robusto e avançar na causa, além de verticalizar seu conhecimento sobre ela, tendendo a ser mais estratégico. Essa postura também permite articular parcerias naquele determinado foco, potencializando o investimento, almejando o maior retorno sobre ele, seja ele um retorno social, de imagem, de reputação, de conhecimento ou parcerias.
I.S: Índices apresentados pelos países BRIC são comparáveis aos de um país de alto grau de desenvolvimento econômico. Existe uma relação entre desenvolvimento e crescimento do investimento social privado?
M.W: Sim. Um investimento social está totalmente ligado a um processo de capitalismo porque as pessoas doam os recursos que elas conseguem gerar. Um bom desempenho econômico está relacionado com volume de recurso. O que se observa nos BRICs é que esse aumento do desenvolvimento vai fortalecer parcelas da população que são doadoras de recurso, que também está alinhado a um crescimento populacional destes países. Logo, se cresce a população, cresce uma população que tem renda compatível para se praticar o investimento social.
I.S: A China e o Brasil são, respectivamente, os países do BRIC que mais investem em filantropia, segundo pesquisa realizada pela CAF. O que caracteriza esta cultura da filantropia no Brasil, e quais os desafios para evolução dessa prática país?
M.W: Em se tratando dos países BRIC, uma das coisas que é transversal é que realmente ainda se tem um processo de desenvolvimento da cultura de investimento social. Este é um processo que ainda está em desenvolvimento. Alguns indicadores mostram que a população é generosa. Mas como utilizar estas doações de forma mais estratégia, e de maneira que realmente façam diferença na área social?
Acho que há um grande desafio ou uma grande oportunidade em realmente trabalhar na educação dos doadores, como falar o que são bons pontos que podem ser canalizados em determinadas causas ou como podem contribuir para trazer essas melhorias sociais. Assim, um dos grandes desafios para o desenvolvimento do setor não só com relação à qualidade, mas também ao volume de investimento social. Isso já é provado em diversas ferramentas que existem mundo afora: uma vez que o doador se engaja, sabe mais, e está vendo melhores resultados, tende a aumentar também o número de recursos que ele doa. Esse é outro motivo para focar a formação dos doadores.
I.S: A pesquisa revela que os doadores brasileiros preferem realizar suas doações em dinheiro do que em bens ou serviços voluntários. A que se deve esta preferência?
M.W: O que vemos é um cruzamento entre faixa etária e classe econômica social. Isso são tendências. Normalmente uma classe social alta tende a doar recursos até porque em geral o tempo é escasso, assim como em uma fase produtiva da vida, onde o tempo também é escasso, opta-se por doar recursos. Em uma fase mais nova ou em uma fase da vida madura, onde se tem tempo disponível, o doador se engaja não só com recurso, mas também com tempo. Os mais jovens têm mais tempo disponível do que recurso. Existe uma correlação também com o perfil do doador.
I.S: Quais as principais tendências para o investimento social privado no mundo e, particularmente, no Brasil?
M.W: O que começa a se observar no mundo é a diversificação dos veículos para engajamento das doações. Têm surgido diferentes formas de os doadores se engajarem para fazer investimento social, assim como diferentes estruturas intermediárias que podem facilitar esta participação. Então quando se fala de indivíduos, existe um movimento de fundações comunitárias que surgem no mundo todo. Aqui no Brasil ele ainda é devagar, mas já surgem cada vez mais modelos que se assemelham a isso. Onde se tem uma organização com o entendimento de um território geográfico, que entende as prioridades locais, ela dialoga tanto com os doadores quanto com as organizações, e consegue então fazer esta articulação.  Então, a organização traz esse valor agregado à articulação entre os doadores de recursos e as instituições que estão atuando ou até os avanços que se pode ter na qualidade de vida daquele território. Isso é um lado de quando se fala do investimento social comunitário, que foge do modelo tradicional norte-americano de fundações comunitárias.
Em relação às empresas, o que se começa a ver é que existem alguns modelos bastante interessantes que usam ainda mais as ferramentas empresariais para se fazer investimento social. Então eles começam a olhar o apoio a organizações não só como uma doação de recursos, mas também como uma doação de expertise e informação, na linha de venture capital. Existem outras linhas que quase misturam o social e o empresarial, em que se começa a falar não só de doação, mas de fundos que eles retornam os investimentos, em que se recicla o fundo de apoio às organizações. São alguns modelos interessantes com os quais se tem trabalhado na linha do venture philanthropy.
Alguns outros modelos do que chamamos de círculo de filantropia, ou círculo de investimento social, em que se aproveita a sinergia entre doadores a partir da união ativa entre indivíduos com interesses semelhantes, tanto no âmbito individual quanto no corporativo. Essa própria crise que vivemos vai trazer um pouco este olhar para o investidor, que vai deixar de ser individualista nos seus programas e começar a olhar as sinergias que ele possa ter com outros parceiros de investimento para somar esforços, e conseguir com isso mais resultados sobre o investimento. Então o co-founding também vai ser uma estratégia bastante utilizada não só para somar recursos de dois investidores, mas também organiza-los em apenas uma estrutura de administração.
Box: Brasil, um país generoso
Quando o assunto é investimento social, o Brasil vem desempenhando papel decisivo não só em práticas corporativas, mas no que diz respeito às ações filantrópicas individuais. É o que mostra um estudo realizado pela Charities Aid Foundation (CAF), organização inglesa que tem como objetivo aumentar e fortalecer o investimento social privado, em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS).
De acordo com a pesquisa, que analisou o comportamento de doadores nos BRICs, 61,5% dos entrevistados brasileiros já realizaram doação para alguma causa, perdendo apenas para a China, com 80,1% de doações por contingente entrevistado. Rússia e Índia ficaram com 45% e 41,2%.
No Brasil, a diferença entre pessoas que doam dinheiro para uma organização social (40%) e as que fazem donativos diretamente para quem necessita deles (39%) é pequena; e a maior parte das doações é feita em dinheiro, ao invés de bens ou trabalho voluntário.

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