Especial – A Amazônia é nossa (parte 1)

Especial – A Amazônia é nossa (parte 1)

Fazer prevalecer a tese de que a floresta amazônica vale mais em pé do que destruída é o desafio central dos que desejam o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Mas isso exige forte presença fiscalizadora do Estado, líderes dos três setores co
Foto: Luis Claudio Marigo

Toda vez que se divulgam os índices de desmatamento na Amazônia, a cena se repete. O mais famoso bioma do Planeta ganha destaque nos noticiários de todo o mundo, sua devastação desperta a indignação geral, estimula discursos inflamados de governos e ONGs e provoca uma comoção interesseira entre os países desenvolvidos. Mas tanto barulho não tem sido suficiente para reverter a tendência de destruição, causada por um modelo insustentável de ocupação e uso da terra, que se baseia na derrubada da floresta para desenvolvimento da agricultura, pecuária, reflorestamento ou mesmo para realização de obras de infra-estrutura. O filme é conhecido. E já foi visto também na Mata Atlântica, no Cerrado e na Caatinga.
“Se não dermos um basta no processo de devastação da Amazônia, o País vai começar a sofrer boicotes internacionais, de consumidores e de investidores. O absurdo que ocorre naquela região está sendo veiculado em todo mundo e os que boicotam estão no seu direito de exercer pressão. Será que só vamos agir com firmeza depois que estivermos perdendo mercado?”, adverte Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
O presidente Luís Inácio Lula da Silva também resolveu inserir a Amazônia entre as prioridades da agenda nacional. Um mês depois de o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, criticar a atuação do governo na área, ele lançou, no último dia 8 de maio, o Plano Amazônia Sustentável(PAS). Idealizado há dois anos pelo então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, com o suporte de outros 13 ministérios, o plano, que estava hibernando nas brumas de alguma repartição do Ministério do Meio Ambiente e da Casa Civil, passou a ser visto como  uma proposta do governo federal para o desenvolvimento mais equilibrado da região.
Além de possuir 95% das riquezas minerais, a Amazônia detém 1/5 da água doce, 1/3 de todas as espécies vivas e o maior banco genético em biodiversidade do planeta. Sua cobertura vegetal se estende por um vasto território de 6,6 milhões de quilômetros quadrados dispersos em nove países da América do Sul. Cerca de 65%, algo em torno de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, estão em terras brasileiras. Em nome do melhor aproveitamento de tão rico patrimônio natural, João Meirelles, presidente da ONG Peabiru e do Instituto de Ecoturismo do Brasil (IEB), defende a adoção de um modelo alternativo de desenvolvimento que valorize os serviços ambientais prestados pela floresta. “A destruição da Amazônia só será superada no momento em que a floresta em pé passar a valer mais do que a sua destruição. Isso ocorrerá, por exemplo, com a exploração de atividades como o ecoturismo ou a venda de créditos de carbono”, afirma.
Também conhecidos como “valor ecológico”, os serviços ambientais prestados pela Amazônia, como biodiversidade, a regulação de gases (produção de oxigênio e seqüestro de carbono) e das funções hídricas, e a proteção de solos, não são contabilizados pelas empresas ou pelo governo. A região equivale a um dos maiores reservatórios de carbono da terra. Especialistas calculam que a biomassa concentrada na matéria orgânica do solo e na floresta amazônica correspondam a algo em torno de 120 bilhões de toneladas de carbono. Na hipótese de que tudo isso fosse emitido, de uma hora para outra, na atmosfera, ela contribuiria para um acréscimo de 16% no lançamento de gases de efeito estufa.
Dos R$ 16 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia apenas R$ 9 bilhões provêm, de fato, da sua rica biodiversidade. A região contribui com 7,33% do PIB do Brasil. O aproveitamento do potencial da floresta para a medicina, alimentação, indústria, ecoturismo e manejo florestal sustentável ainda não foi capaz de gerar recursos financeiros e empregos em quantidade suficiente para provocar alterações no padrão de desenvolvimento dominante, cuja principal conseqüência é o desmatamento.
Para Meirelles, faltam lideranças no governo, empresas e sociedade civil, comprometidas em promover a mudança necessária para reverter cinco séculos de destruição. “A sociedade está perplexa, não sabe o que fazer. Comenta sobre a Amazônia, mas não chega a se sensibilizar a ponto de realizar as mudanças que a solução do problema do desmatamento exige. A complexidade do tema obriga as pessoas a centrar esforços nas questões mais urgentes, o que, muitas vezes, as coloca a reboque dos fatos, na tentativa de ‘apagar incêndio’. Precisamos de mais lideranças dedicadas à Amazônia, principalmente morando na região, que realizem mudanças estruturais no sistema de ocupação e uso da terra e trabalhem a questão do desmatamento em toda a cadeia produtiva, estimulando o consumo consciente”, ensina.
Combate à ilegalidade

Há um consenso, entre especialistas, de que a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia exige, sobretudo, o combate à ilegalidade, à impunidade e à corrupção. Estado ausente representa risco iminente. Em suas diferentes esferas, ele deve exercer, de maneira efetiva, as responsabilidades constitucionais que lhe cabem em relação aos direitos humanos, justiça, segurança pública e proteção do meio ambiente.
Para Almeida, do Cebds, a solução para o desmatamento começa pela aplicação da Lei, a fiscalização rígida e a sanção firme das Forças Armadas e da Polícia Federal. O governo deve primeiro se concentrar –acredita — no enfrentamento à grilagem de terra e ao comércio ilegal de madeira. “A devastação inicia-se com o cometimento desses dois crimes. Depois, vem a pecuária e por fim o plantio de grãos, até o esgotamento dos nutrientes do solo. Aí começa um novo ciclo de devastação. O resultado já é conhecido: perda de biodiversidade e de outros recursos naturais, aceleração da miséria e violência, entre outras coisas”, complementa.
O especialista reforça que a ação mais intensa precisa recair sobre as atividades ilegais. Detectá-las – observa – não deveria ser um problema, já que existe tecnologia de monitoramento instalada. A questão, no entanto, é combater tais atividades. Para Almeida, além de repressão firme e pontual, a preservação da Amazônia requer alianças estratégicas e parcerias intersetoriais. “A pior das táticas é a falta de ação integrada. Junto com o combate eficaz, sistemático e irredutível do desmatamento, precisamos integrar, de forma transparente e sustentável, a região amazônica ao mercado. O mecanismo de mercado pode exercer forte ação contra o desmatamento, fomentando a atividade econômica, invertendo a curva da perda de serviços ambientais e ampliando a inclusão social”, prega.
Idéia também defendida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o presidente do Cebds sugere, por exemplo, o estabelecimento de acordos entre governos estaduais e empresas para utilizar madeira certificada. “Isso já representaria, em si, um golpe certeiro na ação criminosa dos destruidores de florestas”, crê. A mesma estratégia pode ser aplicada também ao financiamento de obras particulares. Por essa razão, os bancos devem assumir uma importante parcela de responsabilidade.
Em uma região tão abrangente como a amazônica, o grande número de variáveis a serem consideradas torna o problema do desmatamento mais complexo do que deveria ser. Um dos fatores relevantes é o cultural. O pesquisador Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia(Imazon), aponta o elemento cultural impõe sérias dificuldades à implementação das decisões governamentais. “Medidas passadas de cima para baixo não dão certo na Amazônia porque batem de frente com o fato do desmatamento ser ilegal. As pessoas já não respeitam o governo, então não adianta ficar apenas criando novas leis. Quem está em Brasília acha que pode definir o que vai acontecer na Amazônia, mas as medidas esbarram na realidade da região e não decolam”, diz. Por descaso ou incompetência, o fato é que cerca de 17% da Amazônia já foi deteriorada pela ação voraz de motoserras e queimadas sem escrúpulos.
Parceria intersetorial

Explorar a floresta sem cruzar o limite da devastação representa um desafio para o governo, empresas e organizações da sociedade civil com atuação na Amazônia. Por isso, os três setores se uniram em torno do Fórum Amazônia Sustentável. Constituído em novembro de 2007, por mais de 70 organizações da sociedade civil e do setor privado – como Natura, Alcoa, Companhia Vale do Rio Doce, Grupo Orsa, Phillips, Instituto Peabiru, WWF-Brasil, Imazon, Greenpeace e Instituto Ethos, o grupo está disposto a contribuir para mudar o modelo de desenvolvimento da Amazônia. De saída, criou uma agenda mínima para a promoção da sustentabilidade na região.
“A Amazônia não precisa mais do desmatamento para se desenvolver. Do ponto de vista econômico, é um erro porque mantém a fronteira aberta e estimula a atividade extensiva”, observa Adalberto Veríssimo, do Imazon, que lidera a iniciativa do fórum. Segundo o pesquisador, o Fórum também deseja atacar a desigualdade social na região, já que o retorno financeiro decorrente da exploração sem critérios não tem sequer beneficiado a população local a ponto de transformar a sua realidade econômica.
Os grupos de trabalho formados no âmbito do Fórum devem se debruçar sobre questões cruciais da Amazônia, como, por exemplo, o crédito a empreendimentos na região, a qualificação de pessoas, a pesquisa científica e o desenvolvimento de tecnologias. “Precisamos mostrar que os objetivos do fórum são para valer. É uma iniciativa ousada que promete uma nova forma de relação entre empresa e comunidade”, anima-se.
De acordo com o pesquisador, o Fórum se orienta por três princípios básicos. O primeiro diz respeito ao fato de que não existe uma “bala de prata”, com a qual se mata de forma certeira o problema do desmatamento, dada a complexa rede de variáveis que o cerca, O segundo baseia-se na idéia de que o mercado não é necessariamente um predador inimigo da floresta. E o terceiro fundamenta-se na tese de que o futuro da Amazônia será mais ou menos promissor conforme seja possível construir um ambiente de negociação política, com objetivos comuns.
“O papel das empresas privadas deve exceder o que se vê hoje. Elas não podem esperar que o governo faça tudo. O Estado precisa fazer bem a sua parte, mas não cabe ao resto da sociedade sentar e esperar por resultados. Se não acreditássemos no mercado como solução para a Amazônia, não teríamos convocado as empresas para o Fórum”, diz Veríssimo.
Outro consenso entre os entrevistados de Idéia Socioambiental é que a Amazônia encontra-se na atual situação em virtude da ausência de ações baseadas em uma visão de longo prazo. Segundo Meirelles, do Peabirus, os projetos ficam normalmente restritos a uma escala de tempo muito reduzida e, por isso, não conseguem gerar as transformações necessárias. “Há um cenário favorável. Há bons exemplos de projetos que promovem o desenvolvimento sustentável empreendidos por diversos atores sociais. Mas eles enfrentam dificuldades para encontrar financiadores dispostos a bancar iniciativas de longo prazo”, afirma. Projetos com comunidades tradicionais, por exemplo, exigem, ao menos, cinco anos para consolidar uma nova cadeia de valor. “O discurso é muito bonito, mas na prática falta compromisso de longo prazo”, ressalta.
Nem tudo é devastação

Diante da ameaça de que o maior pulmão verde do Planeta possa vir a sofrer de pneumonia, muitas empresas que dependem dos recursos da Amazônia têm buscado meios de explorar a região de maneira sustentável, aliando crescimento econômico com preservação ambiental e justiça social nas comunidades locais.Idéia Socioambiental entrevistou cinco grandes empresas que atuam na Amazônia respeitando a sua biodiversidade e a qualidade de vida de sua população. Veja um pouco mais sobre elas:
Natura: produção de sabonete e óleo em parceria com a comunidade

De São Paulo para o Pará, a Natura Cosméticos encontrou um ambiente completamente diverso e infinitamente mais delicado. Na nova fábrica erguida em Benevides (PA), que, desde maio de 2007, centraliza a produção da massa de sabonetes e a extração de óleos vegetais, a empresa teve que adotar um comportamento adequado à realidade da região amazônica.
Já entre 2000 e 2001, a Natura decidiu que boa parte da matéria-prima de seus produtos seria adquirida de pequenas comunidades extrativistas. “Foi a forma que encontramos de gerar riqueza para toda a cadeia. Isso ajuda a fixar o pequeno agricultor na propriedade e contribui para a melhoria da qualidade de vida. Não resolve o problema, mas é um modelo mais razoável”, afirma Rodolfo Gutilla, diretor de Assuntos Corporativos.
No Pará, a empresa uniu sua necessidade comercial ao desenvolvimento das comunidades locais, de forma a estabelecer relações com a população e capacitar as pessoas para explorar ativos localizados na floresta. “A Amazônia é um patrimônio do brasileiro, por isso deve ser conhecida e compartilhada de forma responsável. No nosso caso, o papel é garantir que os produtos sejam extraídos de maneira sustentável”.
Gutilla observa que as soluções de responsabilidade socioambiental que dão certo em São Paulo não funcionam necessariamente no Pará. As realidades distintas requerem intervenções diferentes. Lamenta, porém, que a ação das empresas na Amazônia ainda ocorra em pequena escala, sem a mobilização e o interesse que a região deveria merecer. “Infelizmente, pouco foi feito. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, é uma pessoa preparada e bem intencionada. Mas as pressões da máquina administrativa são muito grandes, e os resultados ainda tímidos”, diz.

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