Pensamento sustentável – A Teoria do U na sustentabilidade

Pensamento sustentável – A Teoria do U na sustentabilidade


É queixa comum que a mensagem da sustentabilidade costuma ser mais pródiga no discurso de líderes empresariais do que nas estratégias de negócios. E isso ocorre, em grande medida, porque as corporações resistem a aceitar os custos, financeiros e comportamentais, da mudança.
Em sua defesa, elas alegam que a “sustentabilização” ocorre mais devagar porque requer a substituição de modelos consagrados de pensar e fazer negócios e a assimilação de novas práticas por parte de todos os públicos de interesse. O certo é que o processo tem sido mesmo demasiado lento, quase nunca linear, até mesmo para corporações líderes no tema. Parte desse quadro pode ser atribuída às dificuldades naturais relacionadas à complexidade do negócio ou ao necessário fardo do reajuste de cultura organizacional. Outra parte, ao fato de que, apesar de bem intencionadas, talvez as empresas não estejam sabendo mobilizar, engajar e educar os funcionários nos processos de mudança. A sustentabilidade representa o novo. E não se consegue criar o futuro adotando esquemas mentais do passado.
A respeito desse importante desafio, recomendo aos líderes de empresas sustentáveis a leitura de Presença: Propósito Humano e o Campo do Futuro (Cultrix, 2007). Escrito a oito mãos, entre as quais as de Otto Scharmer (Massachusets Institute of Tecnology), e Peter Senge, o festejado guru da gestão do conhecimento, esta obra trata da organização de uma nova forma de saber organizacional, especialmente aplicável ao tema da sustentabilidade. Entre outras teses, os autores defendem que já não se pode mais planejar a mudança corporativa tomando como base apenas a experiência passada. Ainda predominante nas empresas, esse modelo de aprendizagem persiste nos processos de mudança planejada, que se baseiam no já surrado roteiro reunir informações-decidir- envolver pessoas- monitorar-controlar.
A sua limitação está no fato de que, invariavelmente, esse esquema não permite uma compreensão profunda da situação que ser quer mudar nem o engajamento necessário das pessoas para a mudança. Nos temas naturalmente mais complexos (como o da sustentabilidade), nos quais se exige a integração de diferentes públicos na tarefa de criar o futuro, tem se mostrado inadequado. Como alternativa a ele, os autores propõem a teoria do “U”, uma proposta fundamentada em três etapas: sentir, presenciar e concretizar.
Para Senge e sua troupe, esses três aspectos encontram-se presentes nos processos convencionais de mudança planejada. A diferença é que eles se tornam superficiais na medida em que falta o espaço para o “sentir”. Reunir informações representa um esforço insatisfatório –crêem – quando não vem acompanhado de uma suspensão nos modos habituais de ver e de um redirecionamento da atenção para perceber a situação “de dentro dela” e não como seu observador externo. Os autores acham que se não sentimos a “nova realidade”, tendemos a reproduzir esquemas mentais preexistentes que serão cada dia menos eficazes para aprender em questões novas como a da sustentabilidade.
Para os idealizadores da teoria do U, modelo convencional não leva em conta como quem decide sente o tema, e não permite que as pessoas descubram em si e vivenciem o valor de mudar, o que gera normalmente uma espécie de distanciamento do objeto proposto pela mudança. O problema dos discursos de sustentabilidade –segundo os autores – é que, na maioria das vezes, os públicos de interesse de uma empresa não o “presenciam.” E se não o “presenciam”, não conseguem perceber intimamente o seu significado mais amplo. Não é por acaso que, nas empresas consideradas modelares em sustentabilidade, os funcionários tomaram o tema para si como uma causa que transcende o próprio negócio.
Nos esforços habituais de aprendizagem empresarial, prevalece um apego cego ao “plano de ação” e as etapas nele estabelecidas. Se por um lado isso ajuda, com sua lógica cartesiana, a orientar o trajeto rumo a um objetivo de mudança, o plano acaba por reforçar – na análise do grupo de Senge – a separação entre os atores do processo daquilo que desejam mudar.
Para criar o futuro –defendem – deve-se agir “no mundo” e não “sobre o mundo.” O ato de “concretizar”, que está na haste direita da “subida” do U, pressupõe revelar uma realidade nova e construí-la coletivamente, a partir de um fluxo natural de mudança. Enquanto os objetivos de sustentabilidade forem apenas “declarações de propósitos elevados” em documentos bonitos que se penduram na parede, e o caminho para atingi-los deixar de considerar como as pessoas experimentam o tema, a mudança necessária seguirá em ritmo lento e artificial.
 
O paradigmático caso da Nike
 
Darcy Winslow é chefe do setor de calçados femininos da Nike, a famosa empresa de artigos esportivos que, em 1996, foi objeto de escândalo global, após a denúncia de que havia trabalho infantil em um de seus fornecedores na Ásia. Há sete anos, coube-lhe desenvolver processos e produtos ambientalmente responsáveis, desafio para o qual criou um “grupo de estratégias empresariais sustentáveis”, uma espécie de força-tarefa cuja missão era integrar diferentes pessoas em torno da idéia de “pensar fora da caixa.”
Segundo a própria Winslow, iniciado o processo colaborativo, não demorou muito para que emergissem o que ela classifica como “paixões profundas.” De forma espontânea, sem que fosse necessário qualquer artifício de estímulo à participação, os funcionários começaram a falar sobre o tema, a compreender intimamente a sua importância e a associá-lo com inovação.
Na análise da executiva, quando os times concentraram o seu olhar no quanto a inovação sustentável poderia impactar os produtos da empresa “idéias e energia fluíram de maneira espantosa.” O resultado veio na forma de metas concretizadas antes do tempo. Além de estabelecer padrões elevados em redução de desperdício na fabricação, a Nike passou a criar peças de vestuário á base de algodão orgânico, repensar componentes de borracha livres de toxinas químicas, retirar os solventes dos processos de manufatura. E ainda hoje evolui, sem perder o ritmo, no uso de materiais ecológicos em toda a sua linha de produtos. A corporação, que um dia foi o anti-exemplo de responsabilidade social, esforça-se para reelaborar princípios de design visando criar produtos inteiramente desmontáveis no final de seu ciclo de vida.
A história da Nike é uma das pérolas do livro Presença: Propósito Humano e o Campo do Futuro. Perguntada por Senge, sobre como chegara à conclusão de que a empresa deveria ser líder em sustentabilidade, Winslow recitou os três movimentos da Teoria do U. Primeiro, ela e seu time analisaram os cenários (de dentro deles e não como olheiros externos), indagando-se sobre quem eram e quais deveriam ser os seus compromissos mais profundos para com a preservação do planeta. Mais do que descobrir o óbvio (Nike tem tudo a ver com boa forma, saúde e qualidade de vida), o grupo vivenciou a descoberta, passando, em seguida, a traduzi-la em novas formas de a empresa conduzir os negócios em suas diferentes áreas, sempre em sintonia com a sua cultura altamente inovadora e competitiva. A ação de mudança ocorreu de modo natural. Quando a equipe percebeu que o planejamento não fora imposto, que ninguém ali se sentia obrigado a mudar apenas por mudar, mas que o fazia por absoluta e convicta identificação, novos processos e produtos, mais sustentáveis, ganharam vida na corporação.
Da história de Winslow, pode-se extrair uma lição: se quiserem ser mais efetivas, as empresas terão que substituir os modelos convencionais de mudança planejada, excessivamente diretivos, por outros mais sistêmicos, que proporcionem espaço ao sentir e à construção coletiva de significado. Enquanto o tema for tratado como um conjunto de metas a alcançar, uma obrigação conveniente para não perder negócio ou o mero objeto de um plano com cuja essência as pessoas parecem não se identificar, então as soluções serão sempre superficiais e de curtíssimo alcance.

Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável

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