Especial – O outro Brasil que vem aí – parte 2

Especial – O outro Brasil que vem aí – parte 2

Os desafios e oportunidades para a consolidação do mercado de tecnologias sustentáveis no Brasil
Cooperação estratégica
No esforço de confirmar as vantagens ambientais e sociais proporcionadas por seus produtos, as empresas também têm buscado mecanismos de averiguação externa. Depois de reorganizar seu negócio, a Siemens, por exemplo, recorreu aPricewaterhouseCoopers, que auditou o portfólio de produtos da empresa considerados sustentáveis.
“Nos últimos cinco anos, a Siemens sofreu uma mudança no seu portfólio, talvez a mais abrangente ao longo de seus 165 anos de existência. Saímos de algumas áreas, focamos em outras já com essa visão alinhada às megatendências mundiais. Somos hoje a empresa que possui o maior portfólio ambiental já auditado por uma empresa independente”, festeja Adilson Primo, presidente da Siemens no Brasil.
Outra alternativa para validar produtos sustentáveis é a obtenção de certificações ou selos, como o Forest Stewardship Council(FSC). E o Brasil também possui um caso de sucesso nessa área. Trata-se do selo Sustentax que atesta produtos para construções sustentáveis de acordo com os princípios do Green Building, certificação para edifícios verdes.
Figueiredo, diretor da Sustentax, conta que a necessidade de um selo para osegmento foi percebida durante a construção da primeira edificação sustentável no Brasil, a agência do Banco Real, localizada na Granja Viana, em São Paulo. “Faltando 30 dias para ficar pronto, o prédio apresentou problemas como descascamento de tinta nas paredes, painéis soltos e tubulações defeituosas. Alguns materiais considerados ecologicamente corretos não tinham qualidade. Diante disso, percebemos a necessidade de atestar os produtos considerados sustentáveis, orientando os arquitetos na especificação dos materiais para os projetos de Green Building”, afirma. Em 2008, os primeiros selos foram concedidos para produtos da Duratex, Henkel, Deca, Basf e Giroflex.
Segundo Figueiredo, as soluções são submetidas a testes pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Além disso, para obterem o selo, as empresas precisam comprovar que elas foram produzidas com responsabilidade socioambiental e de acordo com os critérios internacionais estabelecidos pelo Green Building. Também devem fornecer instruções claras para os projetistas, construtores e instaladores sobre desde a utilização de sobras e armazenamento até o descarte de embalagens.
Roberta, da FGV, calcula que já existam cerca de 350 selos no mercado, iniciativa de comunicação que, no futuro, vai contribuir mais do que hoje para orientar o consumidor na sua decisão de compra. “Os selos são importantíssimos. Mas as pessoas não decoram, o consumidor fica perdido, não sabe o que quer dizer, às vezes nem reparam na sua existência”, afirma.
Para a pesquisadora, o setor varejista pode contribuir na reversão desse quadro na medida em que representa a interface direta com o consumidor. O varejo tem —acredita — alguns papéis importantes. O primeiro diz respeito a abrir espaço para produtos sustentáveis. “Esse é um ponto importante porque em um momento inicial eles não vão ter o mesmo apelo do produto normal”, afirma. Já o segundo consiste em comunicar bem no ponto de venda para estimular o consumo consciente. “O comportamento de compra tende a permanecer o mesmo até que se tenha um fato significativo que leve a repensar o critério de escolha de produtos”, ressalta.
Na opinião de Figueiredo, os varejistas possuem hoje uma capacidade de  influência muito maior do que os fabricantes na indução de novos padrões de mercado “Como têm dificuldade em distinguir um produto socioambientalmente responsável de outro, os consumidores estão exigindo que esse filtro seja feito pelo varejo. O movimento que começa no consumidor e investidor vai promover a criação de uma nova sociedade sustentável.”, ressalta. O setor industrial, por sua vez, precisa reconhecer o papel do varejo, incluindo esse ator no seu planejamento estratégico, sobretudo no que diz respeito ao lançamento de produtos sustentáveis.
No entanto, segundo Roberta, o varejo também deve rever algumas posições, como, por exemplo, em relação à política de compras. “A cooperação não acontece muitas vezes porque o varejo está muito focado no custo mais baixo, impedindo que um produto com um diferencial, mas um pouco mais caro, tenha uma aceitação maior. Cada vez mais, porém, verifica-se uma flexibilidade até porque o varejo também está sendo cobrado a ter produtos sustentáveis na prateleira”, ressalta.
Roberta cita exemplos concretos de parceria entre esses dois setores. “A Johnson Brasil, responsável por 40% da produção mundial de band-aid, tem revisto todo o seu processo produtivo, procurando minimizar impactos com mudanças nas matérias-primas e embalagens utilizadas. Nesse esforço, conta com o apoio do Wal-Mart ”, ressalta.
Outra frente de cooperação estratégica ocorre entre fabricantes e clientes para desenvolvimento de produtos sustentáveis, sobretudo nas empresas business to business.  “A cooperação com os nossos clientes é muito importante porque são eles que colocam a tecnologia no mercado. A Volkswagen, por exemplo, lançou conosco o Pólo e-flex, primeiro modelo nacional que dispensa o tanque de partida a frio, tecnologia desenvolvida conjuntamente”, afirma Besaliel Botelho, vice-presidente executivo daBosch para a América Latina.
A Henkel também trabalha em parceria com seus clientes na área de pesquisa e desenvolvimento de soluções que exigem menos recursos naturais e diminuem, portanto, os impactos ambientais e sociais.  Nessa linha, criou pastas de solda livres de chumbo para empresas do setor eletrônico como a Nokia e a Motorola, além de produtos de vedação e adesão para a indústria automobilística que reduzem o peso do veículo e consequentemente o consumo de combustível.
A Basf, por sua vez, atua em cooperação com outras empresas, não necessariamente clientes, somando expertises para acelerar o processo de inovação. O Ecobras, um plástico compostável de fonte renovável, foi criado a partir da combinação de Ecoflex (plástico totalmente biodegradável e compostável da Basf) com um polímero vegetal à base de milho da Corn Products International Inc. “Esse assunto da sustentabilidade é complexo, por isso, não existe uma área do conhecimento ou apenas um pesquisador que possa tratar dele sozinho. É necessária muita cooperação e ela deve se dar dentro e fora da empresa”, destaca Acker, da Basf.
Invertendo o fluxo
As estratégias e posicionamento da maior parte das multinacionais no Brasil seguem tendências globais. Em relação às tecnologias sustentáveis não é diferente. Grande parte das soluções é desenvolvida nas matrizes dessas empresas.
No entanto, casos de sucesso nacionais começam a despertar atenção no mundo. As experiências mais notáveis giram em torno do etanol, que começou a ser explorado já na década de 70. A Scania foi uma das empresas que respondeu aos estímulos do programa governamental PróÁlcool, criado em 1975. Atendendo a uma demanda do setor sucro-alcooleiro, iniciou as primeiras experiências mundiais com veículos pesados a etanol na década de 80.  Carlbaum, diretor de marketing e vendas da Scania, explica que, na época, o objetivo maior era a redução dos custos operacionais. Assim, a partir do momento em que a diferença de preço passou a ser desfavorável ao álcool, o interesse em explorar a tecnologia no Brasil se dissipou. “A Scania, entretanto, levou adiante o desenvolvimento dessa alternativa para a Suécia e os primeiros ônibus movidos a etanol começaram a circular em Estocolmo no ano de 1989. Em 1997, dois ônibus a etanol suecos foram trazidos para demonstração no Brasil, porém, mais uma vez não houve interesse em conferir escala à tecnologia”, afirma.
Na Suécia, circulam cerca de 600 ônibus movidos a etanol brasileiro, sendo que, aproximadamente, 380 estão em Estocolmo, na Suécia.
Desde o ano passado, um ônibus da Scania movido a etanol está em demonstração na cidade de São Paulo. A iniciativa faz parte do Projeto BEST – BioEtanol para o Transporte Sustentável, criado pela União Européia e coordenado pela Prefeitura de Estocolmo. Seu objetivo é incentivar o uso do etanol, em substituição ao diesel, no transporte público urbano no Brasil e no mundo. Além de São Paulo, pioneira nas Américas, outras sete cidades, localizadas na Europa e Ásia, participam do projeto: Estocolmo (Suécia), Madri e País Basco (Espanha), Roterdã (Holanda), La Spezia (Itália), Somerset (Reino Unido), Nanyang (China), Dublin (Irlanda).
CENBIO – Centro Nacional de Referência em Biomassa, do IEE – Instituto de Eletrotécnica e Energia, da USP – Universidade de São Paulo representa o Brasil no projeto. Uma das metas brasileiras é avaliar o uso do etanol como combustível alternativo ao diesel, em ônibus utilizados para o transporte público. A segunda meta será analisar o uso da gasolina brasileira, que possui um teor de 20% até 25% do volume em etanol, no veículo elétrico híbrido Toyota Prius.
Inovação em terra e no ar
Depois da experiência de motores a álcool, o Brasil deu ao mundo outra novidade na década de 90: os veículos bicombustíveis. A Bosch apresentou a tecnologia ao mercado em 1994. Sua planta de Campinas (SP) é a única subsidiária da marca no mundo que produz bomba de combustível para motores a álcool e flex. “A tecnologia flex fuel é um caso para o mundo, desenvolvida 100% pela engenharia nacional. Se o mundo precisa dessa solução, vem buscá-la no Brasil”, ressalta Botelho.
Segundo levantamento da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) realizado em 2008, 74,8% do total de veículos leves no Brasil são modelos flex. O sucesso da experiência inspirou outra inovação, dessa vez nos ares.
Em 2005, a Embraer abriu uma picada importante ao apreentar a versão a álcool do seu avião agrícola Ipanema. Com uma potência até 7% maior, o novo modelo impacta na redução de custos de operação para pulverização de defensivos químicos. Além de menos poluente, pesquisas da Neiva, subsidiária da Embraer responsável pela produção e comercialização do Ipanema a álcool, indicam que o modelo pode prolongar a vida do motor da aeronave.
A resposta do mercado em relação à novidade foi bastante rápida. “No ano de lançamento, metade da produção do Ipanema foi direcionada para modelos a álcool. Nos anos 2006, 2007 e 2008 praticamente 98% da produção de aviões desse tipo já correspondia ao motor a álcool”, afirma Almir Borges, diretor da Neiva.
A empresa ainda não tem planos de expandir a solução para mercados externos, uma vez que o Ipanema atende a uma realidade bastante particular do mercado brasileiro, que tem no setor agrícola um protagonista da economia e na exploração da biomassa um recurso muito favorável. À medida, no entanto, que cresce a pressão pela redução das emissões de gases de efeito estufa no setor aéreo e outros países passam a adotar o álcool como componente da matriz energética, a empresa não descarta a possibilidade de exportar sua tecnologia. Nem mesmo o céu é o limite.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?