Economia deve internalizar custos ambientais

17 de fevereiro de 2009

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Revista Ideia Socioambiental/ São Paulo

A crise financeira global produziu uma onda de receios e possibilidades para nações, empresas e sociedades. Por um lado, os investimentos em sustentabilidade perderam força em alguns setores com a escassez de crédito e a urgência pós-crise do subprime de cortar custos para sobreviver à tempestade global. Por outro, a economia gerada pelas tecnologias limpas e a necessidade de dispor de mecanismos mais precisos de aferição de riqueza, alternativos ao PIB (Produto Interno Bruto), apontam uma perspectiva nova e mais ampla para os próximos anos.
Na avaliação do economista carioca Sérgio Besserman Vianna, o Brasil pode ser competitivo e se tornar uma potência ambiental nesse novo cenário. “A crise coloca o tema das mudanças climáticas e da transição energética no topo da agenda. Investimentos que estavam sendo feitos em fontes de energia alternativas agora precisam competir com o preço do petróleo muito mais barato. O Brasil ganhou um tempo. Mas podemos estar perdendo uma grande oportunidade, pois temos as vantagens necessárias nesse novo mundo, como biomas, uma matriz energética muito limpa e um grande potencial em biomassa, entre outras fontes alternativas”, diz o economista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1999 e 2003.
Em entrevista à revista Ideia Socioambiental, Besserman trata da necessidade de internalizar os custos relativos a bens e serviços ambientais na economia de mercado, do papel do governo na construção de uma economia com menos carbono e dos desafios empresariais para os próximos tempos.

IS – Mecanismos como o PIB têm se mostrado insuficientes para contabilizar o patrimônio das nações por considerar apenas as variáveis econômicas. Em meio à crise, qual a importância de desenvolver novos mecanismos de aferição da riqueza de um país?
Sérgio Besserman – O cálculo do PIB tem questionamentos desde que foi criado em substituição ao velho PIL (Produto Interno Líquido). O que está ocorrendo no início do século XXI, em primeiro lugar, é que o PIB como aferição do crescimento das riquezas está cheio de problemas, além de não ter amortizações compatíveis relativas a recursos naturais, que considerávamos bens públicos eternos. Hoje sabemos, com clareza, que não é bem assim. A questão agora é como incluir isso no cálculo do PIB e como solucionar algumas das fraquezas que as próprias contas nacionais já apresentavam anteriormente.
Mas os tais mecanismos de mensuração de resultados não são a solução do problema. A solução é a humanidade considerar o custo dos bens e serviços que a natureza oferece. Ao considerá-los, provavelmente estaremos abrindo mão de algo no presente em prol de mais qualidade de vida e liberdade para as futuras gerações.
IS- E qual será o maior desafio para os países reverem modelos como o PIB?
SB- O problema verdadeiro não é propriamente medir, e sim como tomar a decisão de contabilizar nas contas nacionais e das empresas a utilização de recursos naturais. Tudo o que estamos discutindo desde Kyoto são mecanismos variados, mas que estão relacionados às emissões de gases de efeito estufa.
Posteriormente, um aspecto importante é ter como medir essas emissões. Daí vêm esforços como a reformulação do PIB ou a criação de outros mecanismos. Dificilmente, o caminho será estabelecer novos parâmetros de medição para, em seguida, tomarmos as grandes decisões que mexem com o mundo dos negócios. O mais provável é que, com base em acordos e no trabalho teórico, estabeleça-se um padrão. Não adianta ter uma solução teórica se os paises não a seguirem, por isso precisa ser algo simples e mensurável.
IS – Qual a sua opinião sobre novos índices como o FIB (Felicidade Interna Bruta)? Acredita que possam representar uma mudança de paradigmas, uma nova forma de pensar?

SB– Esses índices têm um papel positivo por introduzirem outros olhares. Só não podemos confundir a medição com a própria realidade. Esses indicadores exercem um papel extremamente positivo, mas são formas de olhar a realidade e não de açambarcá-la inteiramente.
IS- Como o Brasil está lidando com essa mudança de paradigmas?

SB– Estamos em uma posição intermediária para o bem. Não estamos na vanguarda, pois há poucos recursos sendo aplicados. Naacademia, a mudança ainda não se incorporou ao centro das atividades. Mas temos esforços de alto nível, como os indicadores de desenvolvimento sustentável do IBGE, que nem todos os países em desenvolvimento possuem.
A dificuldade está em, por um lado, possuirmos estatísticas nacionais boas e organizadas pelo IBGE, mas, por outro, não trabalharmos no âmbito local, que afeta diretamente a vida das pessoas. O Brasil tem uma grande carência de informações locais para desenvolver indicadores de sustentabilidade para as cidades e outros recortes territoriais. E essa questão é muito importante na medida em que a cidadania costuma se engajar em torno das questões locais.
IS- O senhor acredita que por estar numa situação relativamente favorável em relação às suas reservas naturais, o Brasil pode ter uma atitude mais relapsa nos investimentos para um modelo sustentável?
SB– O Brasil corre o risco de estar desperdiçando uma grande oportunidade. Claro que a crise gera tendências contraditórias que nos dão um tempo a mais porque os investimentos que estavam sendo feitos em fontes de energia alternativas agora têm que competir com o preço do petróleo muito mais barato. E a escassez de crédito afeta o investimento no campo da sustentabilidade
De outro lado, a crise coloca o tema, especificamente das mudanças climáticas e da transição energética, no topo da agenda. Ganhamos um tempo. Mas podemos estar perdendo uma grande oportunidade, pois temos as vantagens necessárias nesse novo mundo, como biomas, uma matriz energética muito limpa e um grande potencial em biomassa, entre outras fontes alternativas. Na expressão do professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), dado que a agenda do século XXI inclui obrigatoriamente o tema sustentabilidade como prioridade, o Brasil poderia se posicionar como potência ambiental.
IS- Qual o papel do governo no processo de transição para uma economia de baixo carbono?
SB– Em primeiro lugar, indicando, na política externa, qual será a posição do Brasil em Copenhague e na definição do acordo que sucederá Kyoto. O Brasil deu um passo à frente estabelecendo metas para redução do desmatamento, o que está relacionado com metas de redução dos gases de efeito estufa. Mas, no plano energético, o papel das termoelétricas que utilizam combustíveis fósseis muito mais que compensa a redução das emissões em desmatamento.
Ainda necessitamos de definições de rumo mais precisas. Internamente os governos devem cultivar e estabelecer planos de combate e adaptação. O plano nacional foi um avanço mas é necessário estabelecer compromissos para o cumprimento das metas propostas.
O crédito público também precisa sinalizar incentivos para os investimentos na direção da descarbonização da economia. Mas o ponto principal é que o governo não atue apenas por meio do Ministério do Meio Ambiente, e sim como um todo. Este não é um tema de apenas um ministério. Deve ser encampado pelo governo, tanto no planejamento quanto nas ações.
IS- O senhor acredita que mecanismos de desenvolvimento limpo e cotas de carbono representam uma boa alternativa para as nações?
SB– Esses mecanismos tiveram um papel positivo. Mas dizem respeito ao mundo do protocolo de Kyoto. É preciso definir, em Copenhague ou por meio do G20, uma forma para que a governança global consiga responder à mudança climática e redefinir as transações de crédito de carbono. Vamos precisar da inventividade e da criatividade do mercado. As soluções não vão sair das gavetas dos tecnocratas. Por isso, é essencial um mercado que aposte em diversas soluções. A sinalização para isso se dá por meio da flexibilização das formas de redução das emissões que propiciam os investimentos mais efetivos.

IS- Qual a estratégia mais adequada para estabelecer mecanismos de precificação do carbono?
SB– A estratégia mais adequada é extremamente simples: uma taxação global. Mas ela é impossível. Então vamos para a segunda possibilidade que, por hora, é o acordo que se espera em Copenhague. O papel que terão mecanismos como os de desenvolvimento limpo e comércio de emissões dependerá de decisões desse novo acordo, especialmente se os países emergentes terão ou não metas.
IS- Como as empresas devem lidar com a gestão dos ativos intangíveis, entre eles os relacionados à sustentabilidade?
SB– Apesar da crise, o setor privado poderá ser decisivo no médio prazo. Já temos grandes corporações mundiais correndo o risco de concordata devido ao impacto simultâneo da queda de demanda derivada da crise e de estratégias equivocadas no campo da sustentabilidade. O setor deve apostar firmemente desde hoje em conhecimento, tanto na área de atuação da empresa quanto em outras áreas.
IS- Considerando-se a crise financeira, de quais investimentos sustentáveis as empresas não devem abrir mão? A busca por tecnologias mais limpas e a ecoeficiência são prioridades?

SB – Sem dúvida, porque, em primeiro lugar, essas tecnologias representam uma redução efetiva de custos, com impacto imediato. Do ponto de vista da estratégia empresarial, em um mundo de transformação acelerada, é arriscado demais ignorar um assunto como a sustentabilidade.
IS- Qual o papel dos consumidores na promoção de uma economia mais sustentável? Iniciativas como a rotulagem de produtos de acordo com as emissões de carbono, prática que tem avançado na Europa e nos EUA, são importantes para promoção de padrões mais sustentáveis para o mercado?
SB– A difusão, transparência e aumento do conhecimento no processo de consumo são importantes ações por si mesmas. À medida que os consumidores atribuem um preço ou um valor a aspectos verdes dos produtos ou iniciativas da empresa, eles conseguem direcionar melhor o seu poder de consumo. Mas não será o consumo consciente que mudará o nosso modo atual de produzir e consumir na direção da sustentabilidade. O que provocará efetivamente a mudança é a internalização de custos relativos a bens e serviços ambientais na economia de mercado.

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