Diretrizes para uma Economia Verde no Brasil (Parte I)

janeiro de 2013

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Diretrizes para uma Economia Verde no Brasil (Parte I) - Ideia Sustentável

Diretrizes para uma economia verde no Brasil
Por Walfredo Schindle

Definindo temas e setores

O que é economia verde? Seria uma nova denominação para desenvolvimento sustentável? Ou, talvez, uma definição mais precisa para o triple bottom line? Ou ainda, como sugerem alguns, uma maneira dos países desenvolvidos imporem regras para o desenvolvimento dos países emergentes? De fato, a definição mais aceita para economia verde é aquela proposta pela United Nations Environment Program (UNEP), em documento denominado Towards a Green Economy – Pathways to Sustainable Development and Poverty Eradication, conforme a tradução seguir:

“O PNUMA define a economia verde como aquela que resulta da melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Na sua expressão mais simples, uma economia verde pode ser pensada como pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva.”

Nesse documento, o PNUMA (sigla da UNEP traduzida para o português como Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) também lista os dez setores prioritários para a transição do atual modelo de desenvolvimento para a economia verde, apresentando alguns diagnósticos sucintos, críticas e recomendações, sempre em escala global.

O desafio encarado pela FBDS foi replicar esse tipo de trabalho para a realidade brasileira. Procurou-se focar, então, aqueles setores que, ao mesmo tempo, fossem altamente relevantes para o país e para os quais a instituição pudesse aportar um nível de conhecimento que propiciasse uma efetiva contribuição para o conjunto da sociedade, incluindo os diferentes níveis de governo, setor produtivo, academia e sociedade civil.

Foram sete os setores escolhidos que deram origem a 12 diferentes estudos, elaborados por alguns dos maiores especialistas nas respectivas temáticas. Em ordem alfabética, são eles: Agricultura (agricultura familiar e agronegócio); Energia (políticas públicas e opções tecnológicas); Recursos Hídricos (setor público e setor privado); Resíduos Sólidos; Transportes (mobilidade urbana e logística de carga); Silvicultura e Florestas; e Sistema Financeiro.

O objetivo prioritário do levantamento foi, além de avaliar o conceito de economia verde, oferecer possíveis diretrizes públicas e privadas que possam contribuir para a implementação de uma economia de baixa emissão de gases de efeito estufa, com o uso sustentável de recursos naturais renováveis e não renováveis e maior inclusão social no Brasil.

Entre os principais tópicos levantados, destacam-se a sustentabilidade na agricultura familiar; os cenários para a oferta e demanda de energia no Brasil para as próximas décadas; as opções tecnológicas na geração de energia; a sustentabilidade no setor logístico brasileiro; a mobilidade urbana, a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos; a gestão pública das bacias hidrográficas e gestão privada do uso de água; os desafios de integrar agronegócio e silvicultura com o meio ambiente; e como as finanças públicas podem contribuir com incentivos corretos à transição para a economia verde.  Quatro desses desafios são abordados no texto a seguir.

Agricultura

A agricultura brasileira pode ser classificada em dois conjuntos distintos, com características bem determinadas: a agricultura familiar e o agronegócio (agribusiness).

A primeira garante a segurança alimentar da maior parte da população, sendo responsável pela produção de 70% dos alimentos básicos consumidos no país, como arroz, feijão, milho, mandioca, verduras, entre outros.

Por outro lado, o agronegócio é responsável pela exportação dos produtos cultivados em larga escala, como soja, café, derivados da cana-de-açúcar, derivados cítricos, entre outros.

O uso da terra no Brasil apresenta o perfil ao lado:

Observa-se, no quadro acima, que apenas 8% do território nacional dedicam-se à produção agrícola, enquanto 20% são destinados à pecuária extensiva, em sua maior parte de baixa produtividade (em média uma cabeça por hectare) e ocasionando degradação das respectivas áreas. Por outro lado, a produtividade da atividade agrícola apresentou um acentuado crescimento nos últimos 20 anos, como demonstrado, por exemplo, pela produção de grãos, que cresceu 154%, enquanto a área plantada cresceu apenas 25%. Com respeito à área agrícola, pode-se estimar que aproximadamente um quarto é ocupado pela agricultura familiar e três quartos pelo agronegócio.

A agricultura familiar é definida como aquela que explora uma área produtiva de até quatro módulos fiscais, utiliza mão de obra predominantemente familiar e gerencia a atividade no âmbito da própria família. Apesar de todo o progresso obtido ao longo dos últimos anos, apresenta uma clara (e compreensível) defasagem tecnológica com relação ao agronegócio, tendo um grande potencial de aumento de produtividade e de inclusão social.

Há necessidade de uma transformação profunda das atividades oficiais de transferência de tecnologia para o pequeno agricultor, direcionada a uma modernização dos sistemas de cultivo. Recomenda-se que essa transmissão de informações atinja os minifúndios por meio de campos de demonstração, cursos, palestras e, sobretudo, de meios de comunicação de massa, como rádio, televisão e internet. Atualmente, a assistência técnica rural é desenvolvida basicamente por técnicos de empresas privadas ligadas à produção de defensivos agrícolas e fertilizantes, visando a vantagens financeiras na venda desses produtos.

Graças à implementação das mais modernas tecnologias, desenvolvidas por universidades e centros de pesquisa brasileiros, o agronegócio atingiu níveis de produtividade compatíveis, em muitos casos superiores, aos melhores congêneres internacionais, tornando o Brasil o segundo maior exportador de produtos agrícolas do mundo. Contudo, apesar de todo esse progresso, ainda apresenta características muito distantes do conceito de economia verde. Alguns dos principais problemas detectados são:

– O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com utilização inadequada em muitas culturas;

– O programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos, operado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), detectou que quase 30% dos itens alimentícios disponíveis in natura nos supermercados apresentam resultados negativos, em função da utilização de ingredientes ativos não recomendados ou concentração muito elevada de algum ingrediente ativo autorizado (ANVISA, 2010);

– O Brasil possui a segunda maior área plantada com transgênicos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos;

– O uso excessivo e desnecessário de fertilizantes vem provocando contaminação do solo e água;

– Particularmente com relação aos fertilizantes nitrogenados, seu excedente de aplicação ocasiona a emissão de óxido nitroso, um poderoso gás de efeito estufa;

– O setor agrícola é o que consome maior quantidade de água, sendo responsável por cerca de dois terços do total consumido no país, com elevado desperdício desse recurso, devido à utilização de técnicas inapropriadas e ao plantio de culturas em áreas inadequadas;

– Apesar desse intenso uso de água, a agricultura irrigada é responsável por apenas 4% da produção agrícola, cobrindo 7% da área plantada;

– Existem significativas emissões de GEEs (gases de efeito estufa) que poderiam ser facilmente evitadas, com a adoção de tratos culturais adequados.

Diante desses desafios, propõem-se as seguintes principais linhas de ação:

– Ampliar o uso de agentes biológicos de controle, que possuem baixo impacto ambiental, baixa toxicidade e alta especificidade taxonômica;

– Difundir conhecimentos relacionados às melhores técnicas de utilização de fertilizantes, particularmente nitrogenados (implementar em larga escala o FBPM – Fertilizer Best Management Practices);

– Universalizar a fixação biológica de nitrogênio (FBN) antes da semeadura da soja, substituindo totalmente o uso de adubos nitrogenados, reduzindo o custo da produção, as emissões de GEEs, elevando o conteúdo de matéria orgânica e a fertilidade do solo (a lavoura de soja teve uma redução de custos anuais da ordem de R$ 10 bilhões utilizando a FBN no lugar da adubação nitrogenada);

– Desenvolver ou adaptar a tecnologia de FBN para outras culturas importantes;

– Melhorar as técnicas de irrigação atualmente adotadas, particularmente em regiões já sujeitas a stress hídrico (partes das regiões Sul, Sudeste e todo o Semiárido);

– Ampliar a utilização de tecnologias modernas que reduzem a emissão de GEEs, tais como plantio direto, rotação de culturas, integração lavoura-pecuária, entre outros;

– Fomentar a conversão de pastos degradados para atividades agrícolas, com a utilização de técnicas adequadas de recuperação. Estudo da Embrapa indica que, se metade dos pastos degradados fosse convenientemente manejada, o Brasil poderia triplicar a produção de grãos, sem avançar sobre nenhuma área adicional;

– Aprofundar os estudos sobre os possíveis impactos das mudanças climáticas globais sobre a agricultura brasileira, uma vez que o atual nível de conhecimento aponta para substancial redução nas áreas adequadas para diversas culturas;

– Exigir o estrito cumprimento do Zoneamento Agrícola de Risco Climático, que indica as melhores regiões para plantio de 38 diferentes culturas.

Todas essas medidas poderiam ser implementadas por meio de legislação específica, condições adequadas de financiamento e aprofundamento das pesquisas existentes (principalmente da Embrapa), contribuindo decisivamente para viabilizar a perfeita interação entre alta produtividade (já alcançada) e economia verde (ainda distante).  Isso poderia, inclusive, abrir novos mercados para a produção agrícola brasileira e afastar definitivamente qualquer risco de imposição de barreiras comerciais travestidas de exigências ambientais. Ressalte-se que o setor agrícola brasileiro é responsável por 30% do PIB e por um superávit de mais de US$ 70 bilhões no comércio exterior.

Energia


O Brasil possui uma das mais limpas matrizes energéticas do mundo, principalmente em virtude da geração hidroelétrica e do complexo sucroalcooleiro. Considerando-se todas as fontes primárias, as energias renováveis representam 46% de nossa matriz, contra 13% no resto do mundo. Para analisar com mais detalhes as peculiaridades do setor energético brasileiro, enfocamos separadamente os subsetores de energia elétrica e combustíveis líquidos.

No setor elétrico, as vantagens brasileiras são ainda mais evidentes na comparação com o agregado planetário, com a geração a partir de fontes renováveis representando, respectivamente, 86% contra 19% do total. A situação que vem se configurando ao longo dos últimos anos, entretanto, é de um progressivo (ainda que lento) aumento na geração a partir de combustíveis fósseis. Tal situação deve-se aos seguintes principais fatores:

– Necessidade de aumento na segurança do grid nacional, excessivamente dependente da hidroeletricidade;

– Essa dependência torna-se ainda mais problemática em função de possíveis anomalias causadas pelas mudanças climáticas globais (MCG) e pelas exigências normativas ambientais que privilegiam a construção de novas usinas a fio d’água, ou seja, sem capacidade de estocagem de energia potencial,  sob a forma de água nos reservatórios;

– Do gigantesco potencial hidráulico brasileiro, estimado em 260 GW, mais de 40% já estão aproveitados, considerando-se 90 GW já instalados e diversos empreendimentos em construção e licenciamento. O potencial ainda não utilizado concentra-se na região amazônica (cerca de 70%), com todos os problemas associados aos impactos sobre biodiversidade, comunidades tradicionais, desmatamento, entre outros.

– A solução passa necessariamente pelo fomento a outras formas de energia renovável, sobretudo biomassa (principalmente cana-de-açúcar) e eólica. A cogeração nas usinas de cana já representa uma potência instalada de mais de 7 GW (6% do total brasileiro, estimado atualmente em 120GW), em perfeita sintonia com a hidroeletricidade, uma vez que o aproveitamento dos resíduos da safra (bagaço e palha, por exemplo) ocorre majoritariamente nos meses de seca na região Sul-Sudeste, quando os reservatórios das principais usinas estão esvaziando. O custo dessa geração, variando entre R$ 700 e R$ 1,4 mil/kW instalado, é altamente competitivo. Os entraves para a ampliação dessa fonte energética serão comentados logo a seguir, em análise da situação do etanol no Brasil.

– Ainda com relação à geração hidroelétrica, algumas ações poderiam ser implementadas no curto prazo. Recomenda-se maior incentivo à implantação de PCHs – Pequenas Centrais Hidroelétricas, por meio de financiamentos especiais concedidos pelo BNDES e, principalmente, da simplificação dos procedimentos para licenciamento ambiental (que atualmente seguem regras similares às de grandes hidroelétricas). O menor impacto ambiental e a oferta descentralizada de energia tornam as PCHs uma opção muito atrativa. Recomenda-se, ainda, o aprofundamento de estudos referentes à repotenciação de usinas antigas, via modernização de equipamentos, sem aumento da área alagada ou emissões adicionais de gases de efeito estufa. Estudos preliminares apontam para uma geração adicional entre 3% e 20% em usinas que, atualmente, somam uma capacidade instalada de 32 GW. A considerar-se um valor médio intermediário entre esses dois extremos, obtém-se um potencial adicional de 4 GW, equivalente à energia firme a ser gerada pela usina de Belo Monte, no Pará.

A energia eólica, por sua vez, representa um enorme potencial de geração, porém não totalmente seguro, tendo em vista a inconstância dos ventos, mesmo nos locais mais indicados para esse tipo de empreendimento. De qualquer forma, trata-se de uma fonte energética que vem tendo expansão acelerada, graças ao rápido desenvolvimento tecnológico, progressiva redução de custos, agilidade no licenciamento ambiental e diferentes tipos de subsídios governamentais (temporários, porém muito importantes nesta fase de viabilização comercial). O potencial dessa fonte, segundo estudo realizado pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), em 2001, era de 145 GW, concentrados particularmente nas regiões Nordeste e Sul. Com o expressivo desenvolvimento tecnológico ocorrido desde então, incluindo torres muito mais altas, aerogeradores de maior envergadura e maior espectro de aproveitamento das velocidades dos ventos, esse potencial mais do que dobrou. Atualmente, a geração eólica representa pouco mais de 1 GW (menos de 1% do total brasileiro), porém a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) prevê uma expansão para quase 6 MW, em 2014, e quase 12 GW, em 2020 (cerca de 7% do total brasileiro previsto para aquele ano). Os custos por kW instalado situam-se, atualmente, em torno de R$ 2 mil, mas reduzindo rapidamente. Propõe-se que os leilões específicos de fontes renováveis sejam mantidos e ampliados, como estímulo à participação das energias renováveis na matriz energética brasileira. Esses leilões, que ainda carecem de legislação clara que prescreva sua realização periódica com preços e quotas previsíveis, têm sido fundamentais para a expansão da energia eólica no Brasil.

No setor de combustíveis líquidos, o Brasil também se destaca, tendo em vista a expressividade da produção de etanol, que pode ser considerado como o mais importante programa de energia renovável do mundo, gerando o equivalente a quase um milhão de barris de petróleo por dia, cerca de 18% da oferta interna de energia. O etanol é um combustível renovável, que emite 80% menos GEEs que os combustíveis fósseis (BNDES, 2008) e com uma excelente relação entre produção e consumo de energia, da ordem de 9,2/1. Na matriz de transportes brasileira, o etanol representa cerca de 18% da energia consumida, contra cerca de 5% de energia renovável utilizada no restante do mundo.

Essa importante e promissora fonte de energia renovável vem sendo ameaçada pelos subsídios governamentais ao consumo de combustíveis fósseis, particularmente com o represamento do preço da gasolina, que compete diretamente com o etanol e cujo preço ao consumidor vem sendo mantido em níveis artificialmente baixos há mais de 5 anos, equivalentes a US$  60-70 por barril de petróleo (os preços internacionais já chegaram ao dobro desse valor). Essa absurda situação, além de causar séria insegurança aos possíveis investidores do setor sucroalcooleiro e do próprio setor petrolífero, transmite uma mensagem errada à população e à sociedade civil em geral, no momento em que os assuntos relacionados à sustentabilidade e meio ambiente tornam-se cada vez mais relevantes.

Resta ainda a destacar que o Brasil possui amplas áreas propícias ao cultivo de cana e, consequentemente, à produção de etanol. O zoneamento agroecológico da cana, realizado pela Embrapa em 2009, proíbe o cultivo em biomas sensíveis (como Amazônia e Pantanal), bem como sua expansão sobre qualquer tipo de vegetação nativa. Apesar dessas limitações, o país conta com 65 milhões de hectares aptos a esse cultivo, dos quais 37 milhões são atualmente pastagens degradadas. Comparando-se com os 8 milhões de hectares atualmente destinados à cana, e levando-se em consideração os constantes aumentos de produtividade alcançados no campo (da ordem de 500% nas últimas quatro décadas), pode-se vislumbrar o enorme potencial de expansão dessa fonte de energia renovável. Propõe-se, portanto, a eliminação de todos os subsídios para os combustíveis fósseis, bem como a incorporação progressiva dos impactos ambientais e sociais aos custos da energia. Iniciativas governamentais e privadas de fomento ao cultivo de cana em áreas degradadas também são prioritárias.

É importante abordar, também, a questão da eficiência energética, que vem desde sempre sendo relegada ao segundo plano. Todas as atenções relativas à temática energética são usualmente direcionadas à expansão da oferta, esquecendo-se que a energia poupada é quase sempre muito mais barata e com muito menor impacto ambiental que qualquer forma de energia gerada. Mesmo com uma grande dispersão de valores em torno da média, pode-se considerar, a título ilustrativo, o custo médio de R$ 75/MWh de energia economizada, e o custo marginal de expansão da ordem de R$ 140/MWh. Apesar da existência de diversos programas oficiais, como o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), o Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados de Petróleo e do Gás Natural (Conpet), o Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE), entre outros, essas iniciativas têm reduzida prioridade na agenda governamental. Existe, de fato, um grande potencial para economia de eletricidade e combustíveis, desde que haja uma sinalização correta para a sociedade e o setor produtivo. Recomenda-se, portanto, a adoção progressiva de rigorosos padrões de eficiência energética para todos os equipamentos elétricos, de iluminação e veículos, bem como a disponibilização de linhas de crédito adequadas a essa finalidade.

Finalmente, recomenda-se um aprofundamento dos estudos sobre os impactos das mudanças climáticas globais sobre a matriz energética brasileira, não somente no que diz respeito à disponibilidade hídrica e confiabilidade da geração hidroelétrica, mas também com relação ao potencial de energia eólica.

Recursos Hídricos

Com cerca de 12% da água doce do planeta, o Brasil possui uma disponibilidade hídrica per capita de 40 mil m³/ano, uma das três maiores do mundo. Infelizmente, esse recurso está mal distribuído no território nacional, com a Amazônia concentrando três quartos dessa disponibilidade enquanto diversas outras regiões estão submetidas a stress hídrico, seja por causas naturais (semiárido) ou pelo elevado consumo da agricultura e/ou aglomerados urbanos.

Até o início dos anos 90, a política de águas no Brasil era totalmente fragmentada, prevalecendo interesses e poder de influência setoriais, sem uma visão integrada do conjunto.

A partir de então, tanto a União quanto os estados da federação instituíram suas políticas de gestão integrada de recursos hídricos, nas quais procuram compatibilizar e otimizar o uso múltiplo das águas no que diz respeito à agricultura, abastecimento público, indústria, geração de energia, navegação e recreação.

Desses, apenas os três primeiros apresentam uso consuntivo, ou seja, consomem água das bacias hidrográficas. Para os outros itens, o que importa é a manutenção do fluxo e da qualidade da água em valores adequados. O consumo de água está distribuído da forma ao lado:

Há três regiões no país com problemas crônicos relacionados à quantidade de água disponível: o Semiárido, que engloba grande parte de 8 estados da federação; o conjunto formado pela Região Metropolitana de São Paulo, Campinas e Baixada Santista, reunindo quase 25 milhões de habitantes; e parte do centro-oeste do Rio Grande do Sul, onde se concentram 1,2 milhão de hectare de cultivo de arroz por inundação.

Outra situação que compromete a disponibilidade de água no longo prazo é a degradação ou supressão das matas ciliares, que vinha ocorrendo em todo o território nacional, mas especialmente nas áreas de expansão da agricultura e pecuária. E, finalmente, nas zonas urbanas constata-se um índice de perdas no abastecimento de água extremamente elevado, com uma média nacional da ordem de 50%. Há viabilidade para redução desses índices para valores abaixo de 25%, considerando-se que nos países desenvolvidos essas perdas situam-se na faixa de 5 a 15%.

Com relação à qualidade das águas, percebe-se uma progressiva deterioração ao longo do tempo. Tomando-se por base cerca de 1,8 mil pontos de amostragem distribuídos por todas as bacias hidrográficas brasileiras, pode-se estimar os seguintes níveis de qualidade (ver gráfico ao lado).

O principal problema é que são justamente os rios de pior qualidade que se situam nas proximidades e, muitas vezes, representam as fontes de abastecimento para as populações urbanas. Percebe-se, portanto, que mais do que a quantidade, é a qualidade dos recursos hídricos que representa o maior desafio para sua correta gestão. Contrariamente ao senso comum, que costuma atribuir às atividades industriais o maior peso no que diz respeito à degradação das águas, são os esgotos urbanos que efetivamente carregam essa responsabilidade. Apesar de cerca de 60% da população urbana contar com serviços de coleta de esgotos, apenas metade dessa vazão coletada recebe algum tipo de tratamento, sem que se chegue a questionar a real eficiência de remoção das cargas poluidoras. Em resumo, 70 % da população urbana brasileira (mais de 100 milhões de pessoas) descartam seus esgotos nos corpos hídricos sem qualquer tratamento e, mesmo para aquela parcela que tem acesso a estações de tratamento, permanecem dúvidas com relação à sua efetividade ao longo do tempo.

Com relação ao setor industrial, os maiores usuários de água são, nesta ordem: produção de alimentos, têxtil, mineração, siderurgia, papel e celulose, petróleo e derivados, e produtos químicos. A maioria dessas indústrias possui sistemas de captação e lançamento/tratamento próprios que, em princípio, atendem aos requisitos da legislação vigente, exceto quando ocorrem eventos extraordinários (acidentes e vazamentos, por exemplo). Para todos os segmentos industriais, a gestão de recursos hídricos demanda continuados avanços tecnológicos, incluindo a otimização e o reúso das águas recebidas, como também níveis cada vez mais elevados de remoção de cargas poluentes.

Diante de tais desafios, as principais recomendações são as seguintes:

– Realizar maciços investimentos na coleta e tratamento adequado dos esgotos urbanos, acompanhados de severa fiscalização, com resultados impactantes na qualidade dos corpos d’água e na saúde da população;

– Implementar a cobrança pelo uso de água nas principais bacias hidrográficas brasileiras, particularmente no centro-sul do país;

– Metodologia e critérios de cobrança devem considerar a quantidade de água captada e a qualidade dos efluentes gerados e devem atingir valores que sinalizem aos usuários o valor econômico da água (os atualmente praticados nas poucas bacias hidrográficas que adotam essa iniciativa situam-se em patamares de 5% a 20% inferior àqueles adotados em países europeus);

– Aprofundar e disseminar a prática de pagamento por serviços ambientais voltados para a proteção de mananciais, particularmente nas áreas rurais de baixa renda;

– Utilizar os recursos hídricos (bacias hidrográficas) como fator preponderante de ordenamento do território, servindo ao diagnóstico e à previsão de impactos socioambientais associados a diferentes cenários de desenvolvimento regional e dos respectivos processos de ocupação e uso do solo;

– Reforçar os programas de recuperação de matas ciliares, bem como a fiscalização atualmente existente;

– Reduzir as perdas na distribuição urbana de água;

– Aprofundar os estudos relativos aos impactos das mudanças climáticas globais sobre as diferentes bacias hidrográficas brasileiras.

Resíduos Sólidos


A gestão adequada dos resíduos sólidos é um dos grandes desafios da sociedade moderna, pois a produção em massa, a obsolescência programada, o consumo compulsivo e o descarte prematuro fazem parte de seu funcionamento intrínseco. Mais do que a redução dos impactos ambientais, essa gestão permite a diminuição do desperdício e o reaproveitamento de materiais, propiciando economias no uso de recursos naturais, possíveis decréscimos de custos e grande potencial de inclusão social.

A gestão integrada de resíduos sólidos (GIRS) no Brasil apresenta uma acentuada dicotomia, com algumas cidades/regiões apresentando índices razoáveis de eficiência, enquanto outras permanecem em patamar muito baixo. A mesma coisa pode ser dita com relação a diferentes setores produtivos e seus respectivos índices de geração de resíduos e reúso/reciclagem. Quando se debate essa temática, deve-se sempre ter em mente a chamada hierarquia de gestão de resíduos, que em resumo pode ser apresentada, em ordem decrescente de interesse, como:

não geração  =>  reúso  =>  reciclagem/compostagem  =>  disposição adequada  => ”lixão”

A coleta regular de resíduos sólidos vem apresentando substancial evolução na última década, atendendo atualmente cerca de 90% dos domicílios. Em algumas das principais cidades, esse índice atinge 98%, compatível com os padrões dos países desenvolvidos. Em pequenos municípios do interior e nas áreas rurais, contudo, essa coleta não chega, em média, a nem um terço das residências. Quando se analisa a coleta seletiva, que facilita enormemente o reúso e reciclagem dos materiais, a situação é muito diferente. Apenas 8% dos municípios brasileiros contam com esse tipo de serviço, ainda com cobertura parcial, abrangendo menos de 12% da população brasileira. Isso pode ser em parte explicado pelo alto custo desse tipo de coleta, quatro vezes mais caro que a regular (CEMPRE, 2011).

São coletadas aproximadamente 190 mil toneladas de resíduos sólidos por dia no Brasil. A composição e a destinação aproximadas desses resíduos são:

Observa-se, portanto, que quase 40% dos resíduos coletados ainda têm destinação inadequada. Ressalte-se que apenas 3% do total dos resíduos acabam sendo aproveitados para reciclagem, mas 90% deles são coletados por catadores em aterros e “lixões”, normalmente em condições degradantes de trabalho. Estima-se que, com uma coleta adequada, infraestrutura de manuseio e condições de trabalho satisfatórias, esse percentual poderia ser dobrado. Da mesma forma, poderia haver uma revalorização dos resíduos orgânicos, por meio de compostagem para produção de material orgânico para a agricultura e, em alguns casos, geração de energia por meio da queima do metano. Atualmente, menos de 2% dos resíduos orgânicos coletados são encaminhados para tratamento via compostagem.

Os principais materiais que já possuem taxas de reciclagem elevadas são: latas de alumínio (99%), latas de aço para bebidas (82%), papelão ondulado (80%), garrafas PET (56%), embalagens longa vida e alguns tipos de plástico. As cadeias de reciclagem desses materiais foram estruturadas e atingiram-se altos índices de recuperação sem imposições legais ou interferência governamental, impulsionados pelo valor do material reciclado no mercado e pela ação do setor produtivo, desenvolvendo tecnologias para aumento do valor agregado dos produtos fabricados a partir de resíduos e apoiando a indústria recicladora e as cooperativas de catadores.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) representou um grande avanço no esforço para implementação de uma GIRS com alcance nacional. Dentre as principais medidas estabelecidas, merecem destaque:

– Obrigação de estruturar e implementar sistemas de logística reversa, de forma independente do serviço público de limpeza urbana, para fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de uma série de produtos considerados perigosos, tais como, agrotóxicos, pilhas e baterias, óleos lubrificantes, entre outros;

– Prazo para implementação e conteúdo mínimo dos planos municipais de GIRS;

– Prioridade no acesso aos recursos da União para os municípios que optarem por soluções consorciadas intermunicipais para a GIRS e para os que implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas de catadores de baixa renda.

As principais proposições com relação a esse assunto são:

– Ampliação progressiva da exigência de “compras verdes” por parte da administração pública e empresas estatais, estimulando o ganho de escala de fornecedores desses produtos e induzindo o setor privado a adotar posicionamento semelhante;

– Estabelecimento de metas para redução de geração de resíduos, principalmente por meio de medidas que facilitem o reúso ou reciclagem de embalagens e bens de consumo duráveis;

– Forte estímulo à criação de consórcios intermunicipais para coleta e correta disposição dos resíduos sólidos, erradicando os “lixões” no curto prazo;

– Investimento em processos de tratamento via compostagem;

– Forte campanha de esclarecimento para combater a obsolescência programada dos bens de consumo duráveis;

– Obrigatoriedade de informar ao consumidor sobre a reciclabilidade do produto e de sua embalagem, com as orientações pertinentes.

 

Próximos Passos

Encerrada a etapa de estudos e propostas, a FBDS dará prosseguimento ao trabalho durante o ano de 2013, tendo como objetivos principais:

– Definir a métrica mais adequada para mensurar os progressos realizados nos diferentes setores, por intermédio de indicadores simples, abrangentes, verificáveis e construídos sobre bases de dados facilmente disponíveis;

– Propor diversas metas dentro de cada setor, procurando sempre que possível dimensionar os custos envolvidos, prazos necessários, benefícios auferidos e aderência aos compromissos internacionais do Brasil;

– Propor uma sistemática de acompanhamento dos resultados, com uma metodologia simples e auditável;

– Propor ações de curto prazo que sejam emblemáticas e possam transmitir uma forte mensagem de que o Brasil já se encontra em firme processo de transição para uma economia verde.

Esse é o novo desafio à frente, para o qual espera-se contar com o apoio financeiro e institucional do mesmo grupo de patrocinadores dos estudos já publicados; o suporte técnico e científico dos parceiros no mundo acadêmico; o apoio do Governo Federal, principalmente por intermédio do Ministério de Meio Ambiente e BNDES; a experiência do “mundo real” e o aconselhamento prático daquele que gera a riqueza do país, o setor empresarial.

Walfredo Schindler é diretor-superintendente da FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, organização sem fins lucrativos cuja missão é difundir as melhores práticas de meio ambiente e sustentabilidade e influenciar seus públicos de interesse por meio da geração de conhecimento, contribuição na formulação de políticas públicas e realização de projetos de consultoria.

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