Do diálogo à colaboração

12 de maio de 2009

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Por Juliana Campos Lopes
Depois da corrida por certificações de processos e produtos, integração de relatórios de resultados financeiros, ambientais e sociais, surge uma nova tendência na gestão da sustentabilidade: a asseguração. O conceito propõe a avaliação externa da informação de desempenho sustentável, tendo como ponto de partida as atividades de reporting e engajamento com os públicos de interesse. A fim de orientar as organizações nesse desafio, a AccountAbility, consultoria britânica, elaborou a AA1000 Assurance Standard, cuja versão em português foi lançada na última semana em parceria com o Itaú-Unibanco.
As diretrizes dessa norma visam o estabelecimento de estratégia baseada em uma compreensão abrangente e equilibrada que apresente respostas para as questões materiais e as preocupações dos públicos de interesse.
Essa postura advém de uma terceira geração de relacionamento com stakeholders, marcada pelo engajamento estratégico voltado para a competitividade sustentável, em que os públicos de interesse e as empresas desenvolvem soluções em conjunto, voltadas para as necessidades do negócio e da sociedade.
Em entrevista a Ideia Socioambiental, Daniel Waistell, standard manager da AccountAbility, destacou os benefícios da AA1000 como ferramenta de gestão e os desafios para consolidação da prática de assurance no Brasil e no mundo.


Ideia Socioambiental: O que propõe o conceito de assurance (asseguração) e qual a sua relação com a “terceira geração” de engajamento com as partes interessadas na gestão da sustentabilidade?
Daniel Waistell: A asseguração é uma opinião independente sobre qualquer tema. Consiste em oferecer um apanhado de informação, um apontamento adicional em relação a um documento ou prática de uma organização. Em relação à sustentabilidade, principalmente, aos relatórios de atividades econômicas, ambientais e sociais, a asseguração é uma maneira de trazer aos leitores diferentes pontos de vista, que se distinguem da opinião da empresa. Essas diferentes impressões podem vir de um professor, de um grupo de interesse ou em uma reunião com diferentes especialistas na qual são comunicados os pontos positivos e negativos de uma administração. Ou então, pode se ter um processo mais formal, voltado para o público financeiro, em que os dados e os processos de administração são acompanhados de perto, assim como os mecanismos que os geram e os processos de gestão, compondo assim uma visão externa. O objetivo disso tudo é convencer o leitor, oferecer a ele asseguração quanto ao que está escrito. Assim, poderão basear suas decisões no que estão lendo. É como no mercado financeiro, em que o investidor quer saber se todos aqueles números sobre os quais vai investir determinado montante estão corretos. O mesmo acontece com informações não financeiras.
A asseguração está dentro da proposta de uma terceira geração de engajamento da empresa com seus públicos de interesse, que vai além da simples comunicação entre eles. Começam a surgir iniciativas que estimulam as empresas e suas partes interessadas a trabalhar mais em conjunto, pontuando as principais dúvidas e interesses a fim de desenvolver soluções que atendam as necessidades de ambas as partes.
I.S: A AA1000 Assurance Standard é compatível com os princípios da Global Report Initiative, uma vez que esta organização também propõe a averiguação externa e a materialidade para os relatórios de sustentabilidade, por exemplo?
D.W: São iniciativas que caminham quase que paralelas. Os princípios da Global Reporting Initiative estão relacionados ao reporting. No entanto, a AA1000 não se limita a relatórios de sustentabilidade. Ainda assim, é perfeitamente possível agregar a asseguração ao processo de levantamento de informações para produção do relatório. Se consultar nossos reports disponíveis na internet, notará a complementaridade entre os dois padrões. O mesmo acontece com muitos relatórios de empresas premiados que utilizam o GRI e a Assurance. Eles ainda não estão perfeitamente alinhados, provavelmente porque possuem pequenas divergências, mas é clara a evolução dos relatórios. De qualquer maneira, relatórios e assegurações são dois modelos que funcionam muito bem juntos.
IS: Podemos considerar a AA1000 como uma espécie de certificação?
D.W: A asseguração não é um certificado, mas uma declaração. É como se cada vez que fosse utilizada, houvesse uma certificação, mas isso não significa que a empresa chegou a determinado nível. Funciona como uma descrição de como se está agindo. O problema é que as pessoas normalmente associam a certificação à ideia de conformidade, quando o que propomos é a melhoria contínua de processos e da gestão.
IS: Qual o papel do Programa de Certificação de Praticante de Assurance (CSAP)? As empresas que se sentirem realmente preparadas e envolvidas com essa proposta da asseguração podem recorrer a esse tipo de qualificação?
D.W: A AccountAbility desenvolveu o CSAP em parceria com a International Register of Certificated Auditors (IRCA). As empresas podem ser certificadas como praticantes associados, praticantes ou praticantes líderes. Enquanto no mundo do accounting, as companhias têm que passar por processos de qualificação e análises profissionais, nas assegurações em sustentabilidade ainda não existe uma validação equivalente. Atualmente qualquer um pode fazê-lo, não existe nenhuma obrigação legal que impeça a sua realização. O que a qualificação CSAP tenta fazer é guiar as organizações no sentido da profissionalização.
I.S: Além dos princípios do Assurance Standard, existe alguma metodologia para avaliar a performance das empresas nessa área?
D.W: Estamos desenvolvendo um guia para ser lançado nos próximos anos. Quando as pessoas começarem a utilizá-lo, estaremos aptos para desenvolver mais publicações desse tipo. E não será necessariamente um passo a passo. Esse documento servirá de auxílio para as pessoas, empresas e as entidades responsáveis pelo assurance ao permitir que conheçam as práticas existentes nessa área.
I.S: Os princípios da AA1000 foram discutidos a partir de uma plataforma wiki que reuniu 4500 usuários de 90 países. De que maneira esse processo de colaboração em um ambiente virtual contribuiu com a elaboração do documento?

D.W: A plataforma wiki foi utilizada para desenhar os princípios da assurance standard porque queríamos ter um padrão internacional. Para isso era necessário contar com opiniões de todo o mundo. No entanto, para uma organização relativamente pequena, com orçamento limitado, viajar para todos os países do mundo não seria viável, sem contar os impactos ambientais. Pensando nisso, criamos uma base virtual, onde as pessoas podem fazer comentários e discutir determinadas questões sem precisar sair dos seus escritórios. Em geral, tem sido uma ótima experiência. Há pontos que ainda precisam ser melhorados para as próximas sessões. Mas eu considero que a ideia de usar tecnologias on-line, não só para desenvolver standarts, mas para se comunicar com os públicos de interesse tende a crescer. Acho que uma tendência a ser verificada nos próximos anos é como os relatórios de sustentabilidade se tornarão mais segmentados e tentarão atingir o maior número de públicos possível, possibilitados pela tecnologia.
I.S: Quais regiões ou países estão mais avançados na prática de assurance?
D.W: A Europa é o continente mais maduro em certos pontos, como nos relatórios de sustentabilidade. Mas acredito que a situação varia mais de empresa para empresa. Há inúmeras companhias realizando ótimas iniciativas na Europa, mas ao mesmo tempo há também bons projetos começando a surgir na China. No Brasil, há empresas desenvolvendo trabalhos muito bons há algum tempo. É preciso olhar para as organizações em particular para poder enxergar onde realmente estão as boas práticas.
I.S: A busca de novos  formatos e linguagens é uma das tendências apontadas para os relatórios de sustentabilidade. O que a AA1000 Standard  propõe nesse sentido?

D.W: Muitas das dificuldades dos relatórios de sustentabilidade estão relacionadas à tentativa de atingir o maior número de públicos de interesse que estão à procura das mais variadas informações. Enquanto um investidor busca uma linguagem extremamente formal, com dados técnicos, há outros tipos de organizações que preferem consumir mais as histórias, querem comentários que descrevam como a empresa está realizando seus trabalhos, para que possam ter certeza de seu compromisso. E abordar todos estes diferentes pontos em um só relatório é bastante difícil, praticamente impossível. Então, acho que este é um dos desafios em que a linguagem entra, que é abordar dados financeiros de maneira clara para o público. Talvez, vejamos diferentes estruturas de relatórios nos próximos anos, escritos de maneira diferente, que consigam se comunicar melhor com seu público.
I.S: Como o senhor avalia a prática do engajamento com os públicos de interesse no Brasil e quais os principais desafios para o País nessa área?

D.W: Como em qualquer outro lugar, acredito que haja uma combinação de boas práticas. Há exemplos deste tipo, como no banco Itaú e Natura, que têm ótimos trabalhos. E o desafio, não só no Brasil como em qualquer outro lugar, é ter certeza de que o compromisso está estrategicamente alinhado, e que não existe apenas como um processo, mas ligado ao restante da organização, ajudando a mudar a abordagem das iniciativas da empresa.
Box: Evolução do relacionamento com públicos de interesse

Estágio Nível de engajamento Características
1ª geração A pressão conduz o engajamento no sentido de mediar conflitos Postura passiva;
benefícios pontuais
2ª geração Engajamento sistemático para gerenciamento de riscos Prestação de informações
3ª geração Engajamento estratégico voltado para a competitividade sustentável Colaboração;
Empoderamento

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