Como Magalu chacoalhou os processos de seleção no país com seu programa de trainees e ampliou a presença de negros na liderança

8 de abril de 2024

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O Magalu, maior ecossistema de compra e venda do país, acaba de estrear na nova carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, espécie de pelotão de elite das empresas listadas em bolsa com melhor performance nos quesitos ESG (ambiental, social e governança). “É um marco”, diz a gerente corporativa de Reputação e Sustentabilidade do Magalu, Ana Luiza Herzog. Mas é também motivo de frio na barriga: “Agora que entramos, não podemos sair [da carteira do ISE]. É uma grande responsabilidade. Teremos que fazer cada vez mais”, enfatiza.

“Fazer mais”, nesse caso, não é apenas um artifício retórico – muito menos questão de marketing. As regras da B3 para o acesso à cobiçada carteira são rigorosas. “É uma espécie de vestibular”, completa Herzog. E dos mais difíceis. Além disso, a decisão do Magalu de participar do “vestibular do ISE” veio em um ano muito particular, quando a Bolsa resolveu mudar as regras de acesso à carteira, tornando o processo mais transparente e mais rígido.

Com as alterações no processo, a partir desta edição do ISE os investidores podem ter acesso à nota das empresas na seleção, desmembrada conforme as cinco dimensões avaliadas: capital humano, governança corporativa e alta gestão, modelo de negócio e inovação, capital social, e, por fim, meio ambiente.

Mesmo as empresas que foram reprovadas no processo tiveram as notas divulgadas, o que acabou sendo fonte de apreensão para muitas companhias. Antes, se uma empresa fosse reprovada, os investidores nem saberiam que ela estava concorrendo a um lugar na carteira.

Além de demonstrar resultados nos pilares ambiental, social e de governança, as empresas aprovadas precisaram ainda comprovar comprometimento interno com as iniciativas propostas, capacidade de monitoramento de metas e o cumprimento de todas as normas legais e de compliance cabíveis.

A nova edição do índice também incorporou critérios internacionais de ESG, como o CDP (Carbon Disclosure Project), que avalia a emissão de gases estufa e políticas relacionadas ao combate a mudanças climáticas, e o RepRisk, que dá nota para o risco reputacional de uma companhia.

Como resultado do endurecimento das regras, o índice encolheu. Pelo menos uma dezena de empresas saíram do ISE em 2022, seja porque decidiram não participar da seleção (caso da Petrobras) seja porque foram reprovadas pelas regras mais exigentes (caso do frigorífico Minerva Foods). No fim das contas, a carteira para 2022 fechou com ações de 46 empresas pertencentes a 27 setores.

O cenário de mudança não impediu que o Magalu resolvesse enfim concorrer ao reconhecimento do ISE. De certa forma, isso parecia um caminho natural para a empresa, que nas últimas décadas, e em especial nos últimos anos, viu seu nome associado a diversas pautas ESG, em especial no âmbito de promoção da diversidade e de defesa de direitos das mulheres.

“A gente já participa de muitas premiações. Estamos há mais de 20 anos no ranking de melhores empresas para trabalhar e aparecemos sempre no topo das pesquisas de reputação de marca. Mas a gente nunca havia se submetido a um escrutínio tão amplo como o do ISE.”

Herzog elogia as mudanças no processo. “Quando falamos em sustentabilidade e ESG, o nome do jogo é transparência, e foi coerente que a B3 tenha assumido isso e tornado o processo público”, avalia. Ou seja, ainda que não seja confortável para as empresas se submeterem a um exame aberto, o esforço parece necessário se o compromisso da companhia com a sustentabilidade é real.

Arena Magalu, sede da companhia na Marginal Tietê, em São Paulo. (Foto: Germano Lüders/Divulgação)

INTERESSE DOS INVESTIDORES PELA PAUTA ESG É CRESCENTE

O resultado do Magalu nas provas do ISE não surpreendeu o gigante do varejo. Pensando a partir do tripé ESG, é fácil imaginar que a companhia vai melhor nas ações sociais, pelas quais é conhecida nacionalmente, e de governança do que no pilar ambiental, que precisa ser melhorado. É como Herzog avalia:

“A gente fala sobre isso com muita franqueza. É muito difícil as empresas caminharem no mesmo ritmo em todas as frentes. A indústria, por exemplo, é mais puxada pelo aspecto ambiental, enquanto no varejo essa questão é menos forte, embora esteja se tornando cada vez mais importante. Estamos fazendo muitas coisas, e fazendo rápido, em relação ao ambiente, mas temos menos familiaridade com o tema.”

Ana Luiza Herzog é categórica ao afirmar que os investidores estão cada vez mais atentos a todas essas questões. “Estou no Magalu desde 2017 e, por responder pela área de reputação e sustentabilidade, eu interajo muito com o setor de relações com investidores (RI). Posso falar com convicção que tenho participado de mais conversas com investidores a pedido do RI. No ano passado tive duas ou três conversas, por exemplo. É pouco? Sim, mas em 2017 não aconteceu nenhuma, e em 2018 tive apenas uma. Existe de fato um interesse e uma preocupação crescentes.”

Segundo a executiva, os dois temas que mais aparecem na agenda corporativa de ESG, hoje, são a mudança climática e a questão da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho.

Sobre os dois últimos conceitos, Herzog faz questão de marcar a diferença. Enquanto a diversidade, explica, é um critério quantitativo, que está ligado a empregar pessoas representativas de diferentes grupos – mulheres, negros, população LGBTQIA+, indígenas, refugiados etc. – na força de trabalho, a inclusão é mais qualitativa. Ou seja,  diz respeito não só a que funções essas pessoas estão desempenhando na empresa como também a como elas se sentem no ambiente de trabalho. Sentem-se incluídas? Sentem-se livres para serem elas mesmas, sem constrangimento?

DEPOIS DA REPRESENTATIVIDADE, EMPRESA MIRA INCLUSÃO

A questão da representatividade sempre foi um dos pontos fortes do Magalu. “A gente fazia um ‘censo de pescoço’ e percebia isso”, brinca Herzog. Ou seja, bastava virar a cabeça para o lado para perceber, sobretudo na base da empresa, nas lojas e centros de distribuição, que havia pessoas de todos os perfis atuando no grupo.

Para confirmar essa impressão geral, a companhia fez uma primeira pesquisa exploratória em setembro de 2019. O estudo foi voluntário, mas surpreendeu pela adesão: quase metade dos 30 mil funcionários compuseram a amostra. “Na época veio muita coisa legal e chegamos ao dado de que metade da companhia é negra”, diz a gerente.

Os resultados confirmavam o “censo de pescoço”, ou seja, a percepção geral. Além disso, na pesquisa a maior parte dos colaboradores afirmava que o Magalu era sim uma empresa diversa e inclusiva, mas – e sempre existe um mas – havia a expectativa que a empresa fizesse mais para incluir minorias tradicionalmente sub-representadas na sociedade.

Para Herzog, a ansiedade em relação a isso fazia total sentido. “A gente tem uma presidente do conselho de administração [Luiza Helena Trajano] que está o tempo todo falando sobre isso, para fora. Isso gera uma expectativa grande no público interno também.”

Um resultado menos animador dessa primeira pesquisa foi que apenas 20% dos negros na empresa estavam em posições de liderança. Aí entrava a questão da inclusão, que precisava melhorar. “Isso acendeu o sinal vermelho pro Fred [Frederico Trajano, CEO do Magalu]. A gente já sabia que tinha que melhorar nesse quesito, mas quando veio o número e quantificou isso, deu aquela dor na barriga”, lembra Herzog.

A partir daí, o próprio CEO propôs a ideia que geraria uma repercussão imensa – entre elogios e críticas – no mercado: um programa de trainees exclusivo para pessoas negras.

“A gente já fazia programas de trainee há mais de 15 anos e sempre apareciam poucos candidatos negros, a despeito de uma intencionalidade nossa. O resultado sempre ficava aquém da expectativa da Luiza Trajano”, relata Herzog.

“Então o Fred teve a ideia do trainee para negros, mas sem a aspiração de servir de exemplo ou de resolver o racismo no Brasil. Nada disso. Era uma medida concreta pra corrigir uma distorção interna nossa. Era algo no espírito de ‘vamos começar a resolver o nosso problema’.”

Segundo ela, a iniciativa era perfeita para impulsionar a inclusão na companhia porque “o trainee tem tudo para dar certo”, ou seja, para se tornar um líder no futuro. “O programa de trainee é uma janela diferente, é para um profissional que vai passar um ano em imersão, sendo olhado pela alta liderança.”

No fim, foram mais de 22 mil candidatos inscritos e 19 trainees selecionados. Paralelamente ao programa, a empresa criou uma espécie de consultoria interna formada por funcionários negros para validar iniciativas, posicionamentos e políticas de inclusão da empresa, estabeleceu metas de contratação de negros para posições de liderança e definiu uma política de promoção que incentiva a diversidade, entre outras ações.

Cena do documentário feito pelo Magazine Luiza sobre seu programa de trainee (veja mais abaixo). (Foto: Divulgação)

EMPRESA ANTEVIU CRÍTICAS À POLÍTICA DE INCLUSÃO E DEFINIU POSICIONAMENTO ANTES

Mas a iniciativa foi, também, muito criticada por quem via nela uma espécie de “racismo reverso”, classificando-a de discriminatória. “Aconteceram três ondas que já prevíamos: houve primeiro o questionamento da legalidade, e tínhamos argumento para ele, pois estávamos muito bem amparados juridicamente. Depois veio o questionamento do ‘racismo reverso’ e depois veio o da ‘lacração’, mas para tudo isso a gente tinha uma resposta clara. A gente tinha um problema na empresa e estava buscando uma solução”, conta Herzog.  

Felizmente, os ataques ao programa não prevaleceram, e no ano passado a companhia repetiu o trainee exclusivo para negros, selecionando mais 11 profissionais.

“No fim, mesmo sem ter a intenção, a gente desencadeou um debate nacional e encorajou muitas empresas. Passados dois anos vivendo intensamente o tema da diversidade e da inclusão, a gente tirou uma nova foto, fez um censo interno e constatou, para a nossa alegria, que já havia 41,5% de profissionais negros em postos de liderança.”

Na época em que foi lançado o primeiro trainee, falava-se em 16%. “Gente que não pensava no tema passou a pensar, e esses trainees estão dentro da companhia chacoalhando todo mundo.” 

PROTEÇÃO DA MULHER FOI A PRIMEIRA GRANDE BANDEIRA

Outra pauta muito associada ao Magalu, antes mesmo da questão racial, é a de gênero. Herzog explica que a empresa “foi atropelada” por essa questão em 2017, quando o feminicídio de uma colaboradora, assassinada pelo próprio marido, comoveu toda a companhia e chamou a atenção para a necessidade de o grupo, que possui milhares de funcionárias mulheres, envolver-se mais profundamente na questão da violência de gênero.

Hoje, a companhia é reconhecida por seu ativismo corporativo na defesa das mulheres. Criou o Canal da Mulher, serviço que oferece ajuda às funcionárias vítimas de violência e recebe denúncias, além de oferecer assistência psicológica, orientação jurídica e auxílio financeiro às colaboradoras. 

Em 2019, a empresa estendeu o canal a qualquer cidadão ao criar um botão de denúncia de violência dentro de seu Superapp. Em 2020, o botão ganhou uma nova função e foi remodelado, oferecendo acesso direto ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O recurso permite que a denúncia seja feita online, por texto.

Atualmente, o Magalu trabalha em parceria com a ONG Justiceiras, que presta atendimento multidisciplinar de acolhimento e apoio a vítimas em até 24 horas.

As pautas nas quais a empresa tem se envolvido, explica Ana Luiza Herzog, como a defesa da mulher, o combate ao racismo, a inclusão racial e de trabalhadores mais velhos (há programas específicos para maiores de 40 e de 50 anos de idade), além da agenda de inclusão digital, tem surgido no Magalu “de forma orgânica”.

A companhia não contrata consultorias ou faz estudos elaborados para definir as áreas que vão receber sua atenção. O ponto de partida é a realidade dos próprios trabalhadores e parceiros, as queixas e dificuldades do dia a dia, que eventualmente se transformam em importantes bandeiras – às vezes perceptíveis com um mero movimento de pescoço. 

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