Tendências – Quanto vale ou é por quilo?

Tendências – Quanto vale ou é por quilo?

Mundo dos negócios se prepara para a realidade cada vez mais próxima da precificação do carbono em escala global
Licença para poluir ou passaporte para uma economia sustentável? Desde que começou a funcionar em 2005, a partir da ratificação do protocolo de Kyoto pela Rússia e a oficialização do regime de comércio de emissões, o mercado de carbono divide opiniões em todo o  mundo. No entanto, essa discussão vem perdendo foco à medida que a precificação das emissões de gases de efeito estufa se revela como uma tendência irreversível no mercado.
Segundo estimativas da J.P. Morgan, líder mundial em serviços financeiros, o carbono se tornará a segunda commodity mais importante do mundo até 2015. E pelo tom do debate no World Business Summit on Climate Change, encontro realizado em maio, na Dinamarca, os empresários já reconhecem essa tendência. Na ocasião, CEOs de  500 empresas  destacaram a necessidade de um acordo climático capaz de reduzir em 50% as emissões em 2050 e a fixação de um valor internacional para o carbono. As recomendações integram o documento final do encontro destinado a negociadores do governo que estabelecerão o novo período de compromisso do protocolo de Kyoto, em dezembro, na Conferência das Partes da Convenção do Clima, a ser realizada em Copenhague.
Para Maurik Jehee, superintendente responsável por crédito de carbono da área de Global Banking & Markets do Grupo Santander Brasil, que participou do encontro de CEOs, a definição de um valor internacional para o carbono dificilmente será alcançada no curto e médio prazos. No entanto, ele acredita que a precificação das emissões atingirá escala global, a partir da adoção de sistemas de Cap and Trade (metas e comércio)  locais, a exemplo do que já vem ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos.
“O preço das emissões de carbono não está totalmente refletido nos produtos e serviços das maiores empresas. Além disso, as companhias multinacionais enfrentam vários regimes de carbono nos países onde operam. Isso é complexo, caro e gera uma competição desigual”, afirma Jehee. Segundo ele, uma vez que todos os países do mundo precificarem o carbono, da mesma forma ou o mais parecido possível, ninguém poderá mais discutir se vai instalar uma fábrica em determinado lugar em detrimento de outro pelo fato de não contabilizar as emissões.  “A partir daí todo mundo terá que pensar como reduzir emissões”, ressalta.
A dificuldade de financiamento para tecnologias mais limpas é outra conseqüência da não contabilização das emissões de carbono. Ainda segundo Jehee, existe um viés muito voltado às energias fósseis, cujos riscos já são conhecidos. “Há de se levar em consideração o risco, porém é preciso diferenciar os projetos. No que diz respeito a energias renováveis, por exemplo, existem aqueles mais arriscados, como células combustíveis. Mas tem também alternativas como a energia eólica, pequenas centrais hidroéletricas (PCHs), biomassa e etanol, com risco relativamente baixo no Brasil”, ressalta.
A internalização do preço do carbono nos diferentes processos também pode orientar a tomada de decisão. “A precificação é importante para uma análise econômica de um país, orientando, por exemplo, a decisão de quanto se deve investir e em qual setor”, afirma Alexandre Kossoy, especialista financeiro sênior da Unidade de Financiamento de Carbono do Banco Mundial. No entanto, ele se mostra reticente quanto à definição de um valor padrão para o carbono na análise de viabilidade de projetos. “A compra e venda de créditos deverá continuar se pautando pela oferta e demanda. Do contrário, corre-se o risco de encarecer os projetos mais eficientes na redução ou sequestro de carbono serão mais competitivos”, pondera.
Para Julio Bin, do Brazilian Carbon Bureau (BCB), empresa que atua no mercado de créditos de carbono nacional, o mercado enfrenta hoje baixa disponibilidade de projetos de desenvolvimento limpo. Ainda segundo ele, essa situação favorece a recuperação dos preços, mas no longo prazo pode inviabilizar novos projetos. “Quanto mais caro estiver o carbono, mais preocupação haverá em elaborar projetos de desenvolvimento limpo. Por outro lado, quanto menos carbono se tem no mercado, mais esse ativo se valorizará, demandando investimentos maiores”, ressalta.
Carbono mania
O mercado de carbono nada mais é do que um mecanismo de flexibilização para que os países signatários do Protocolo de Kyoto possam cumprir metas de redução de emissões com as quais se comprometeram.
Segundo Kossoy, ao ratificar o protocolo, os governos dos países desenvolvidos da União Européia criaram um mercado interno para repassar às indústrias parte das obrigações previstas no acordo climático. “As companhias têm cotas de emissões e aquelas que emitem menos podem vender créditos às demais. Esse esquema de comercialização interna na Europa representou mais de 70% do mercado total de carbono no ano de 2008, respondendo por aproximadamente 92 bilhões de euros “, afirma.
Outra possibilidade se dá com o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), pelo qual nações detentoras de metas podem comprar créditos gerados por projetos realizados em países em desenvolvimento.
Assim, o mercado de carbono abriu novos e importantes nichos de mercado. Bin, do BCB, destaca a ascensão de consultorias e certificadoras especializadas na elaboração e desenvolvimento de projetos com potencial de geração de créditos de carbono. “Outro campo de atuação é a elaboração de inventários de emissões, que em muitas empresas já funcionam como ferramenta de gestão”, completa.
Kossoy chama a atenção para a atuação dos bancos no mercado de carbono. “Surgiu um importante nicho para o setor financeiro, que passou a atuar nesse mercado a partir da compra e venda de créditos de carbono como derivativos destinados a administração de riscos e arbitragem financeira”, afirma.
O Banco Mundial atua no mercado de carbono desde 2000, antes mesmo de haver um mecanismo aprovado pela Convenção do Clima. A instituição criou o Prototype Carbon Fund, um fundo de investimento destinado à compra de créditos de carbono, que conta com a participação de empresas e governos. “As primeiras transações ocorreram em 2001. Dispúnhamos de U$S 180 milhões para compra de créditos de carbono. Hoje administramos 12 fundos, que juntos totalizam U$S 2,4 bilhões para investimento em projetos de desenvolvimento limpo em países em desenvolvimento e economias em transição”, afirma Kossoy.
Oportunidade de negócio
Os bancos privados, sobretudo os europeus, pegaram carona nessa tendência, criando seus próprios fundos para compra de créditos de carbono. Não tardou para que esse negócio despertasse interesse na América do Sul. No entanto, na região, a maioria das instituições financeiras tem optado por intermediar operações de compra e venda, ao invés de administrar créditos diretamente.
Assim, utilizando o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), os bancos costumam facilitar o acesso dos seus clientes, cujos projetos apresentam potencial de geração de créditos, a compradores em países desenvolvidos.
O Grupo Santander Brasil trabalha nesse segmento desde 2005, quando ainda era ABN-Real. Segundo Jehee, como não há uma regulação para créditos de carbono pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a compra se caracteriza como uma operação de crédito, na qual o banco antecipa o recurso que o cliente só receberia na entrega das Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), como são denominados os créditos de carbono no mercado.
Em julho, o Grupo Santander anunciou uma linha de 50 milhões de euros para compra de créditos de carbono no Brasil, Chile e México, facilitando essas operações, antes condicionadas à existência de um potencial comprador na Europa. O banco financiará, inclusive, projetos não registrados na ONU. No entanto, a liberação dos recursos estará condicionada a uma avaliação do banco e, eventualmente, de auditorias externas.
Outra vantagem destacada por Jehee, a partir da venda antecipada de créditos futuros gerados por projetos de desenvolvimento limpo, é a possibilidade de fixar o preço da venda na entrega das RCEs, diminuindo o risco de mercado. “Quem vai à Bolsa de Valores diretamente tem que esperar a emissão do crédito de carbono. Naquele momento, o vendedor até consegue melhor preço, mas o prazo para chegar lá é extremamente longo. Então, a empresa deixa de ter a oportunidade de se financiar em cima disso e assume todo o risco de preço do mercado”, defende o superintende do Grupo Santander.
Bradesco, por sua vez, reorganizou a sua carteira de serviços visando o mercado de carbono. Segundo José Ramos Rocha Neto, superintendente-executivo da área de empréstimos e financiamentos, desde 2006, o banco financia projetos com potencial de geração de RCEs. Além disso, identificou reuniu diversos produtos que estavam espalhados em diferentes áreas da organização. “Tomamos a decisão de criar uma área específica para atuar no mercado de crédito de carbono, lançada em abril último junto com dois novos produtos”, afirma. O primeiro é o CDC MDL, que oferece até 100% de financiamento a projetos de desenvolvimento limpo, com uma taxa fixa de 1,90% ao mês e prazo de até 36 meses.
O banco também passou a oferecer fianças para garantir o pagamento antecipado pelos RCEs aos seus clientes. “Há muitas companhias interessadas em comprar créditos de carbono gerados por projetos brasileiros. No entanto, eles não conhecem as empresas locais. Ao oferecer fianças, o Bradesco assegura que, se o projeto não gerar os créditos lá na frente, a dívida será honrada pelo banco”, explica Neto.
O Bradesco inclui também o Finame em seu pacote de serviços oferecidos a projetos de MDL. Ainda que não seja específica para empreendimentos desse tipo, a linha de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) possibilita o financiamento para aquisição de máquinas e equipamentos.
O Bradesco também dispõe de dois parceiros de negócios. A Key Associados auxilia os clientes no processo de elaboração dos projetos e registro junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Já o Banco Mitsubishi é responsável por fazer a ponte entre os vendedores de créditos de carbono no Brasil e os compradores no Japão e Europa.
Volatilidade
Comercializado em bolsas internacionais, o preço do carbono hoje está sujeito aos movimentos da economia, assim como qualquer outra commodity. Como era de se prever, ele sofreu os impactos da recessão resultante da crise financeira mundial.
O preço da tonelada evitada de dióxido de carbono nos países europeus (allowance), que em julho de 2008 chegou a custar 30 euros, no mês de março de 2009 bateu em 7 euros, o menor preço histórico, registrando uma queda de 77%
Com a crise, as empresas diminuíram sua produção e, por consequência, as emissões, reduzindo a necessidade de compra de créditos de carbono. “As companhias que tinham projetos nessa área também optaram por postergar investimentos, esperando a recuperação da economia”, explica Bin, da BCB.
Em paralelo à diminuição da demanda, houve um aumento da oferta de créditos de carbono. “Diante da falta de crédito, as companhias passaram a vender seus ativos para fazer caixa e um dos primeiros foi o carbono, o que gerou uma forte pressão para a queda de
seu valor”, lembra Kossoy.
As incertezas em torno do novo regime climático que será discutido em Copenhague, no mês de dezembro, também têm impactado o mercado de carbono. “Além da queda do preço, há a questão do prazo. Quem inicia nesse mercado hoje vai gerar os primeiros créditos em 2011, se for possível, senão só 2012, ano em que termina o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto. A incerteza sobre o que vai acontecer no fim do ano tem desestimulado novos projetos”, afirma Jehee, do Grupo Santander.
O mercado de carbono vinha apresentando um ritmo vigoroso de crescimento. Em 2006, um ano após sua criação, esse segmento já movimentava US$ 31 bilhões. Em 2007, o montante dobrou, chegando a U$S 63 bilhões. Em 2008, a tendência de crescimento se manteve e o mercado de carbono fechou com US$ 126 bilhões.
Kossoy aposta na recuperação no longo prazo. “Se todos os países chegarem a um acordo em Copenhague pós-2012, o mercado de carbono poderá voltará a ser vibrante. Fazendo uma análise apenas das propostas que já estão na mesa para redução de emissões na Europa e Estados Unidos, por exemplo, estima-se uma demanda anual por créditos de carbono oriundos de projetos na ordem de 600 milhões de toneladas de dióxido de carbono a serem eliminadas, o que representa mais do que dobro do volume máximo hoje produzido pelo mercado de desenvolvimento limpo”, ressalta Kossoy.
Box: Entenda o mercado de carbono
1997 – Assinatura do Protocolo de Kyoto, que prevê a redução dos gases de efeito estufa.
2000 – Criação do Prototype Carbon Fund, primeiro fundo destinado à compra de créditos de carbono. Resultante de uma parceria entre 17 companhias e seis governos. O PCF é administrado pelo Banco Mundial.
2002 – Criação do The UK ETS, primeiro esquema de comércio de emissões do mundo, no Reino Unido.
2003 – Início das operações da Chicago Climate Exchange (CCX), a primeira bolsa do mundo a negociar reduções certificadas de emissõesde gases do efeito estufa no mercado voluntário.
2005 – Governo do estado australiano de New South Wales introduz um esquema de comércio de emissões atrelado à concessão de licenças para concessionárias de energia.
2005 – Protocolo de Kyoto entra em vigor com a ratificação da Rússia, mas sem a participação dos Estados Unidos, detentor do maior volume de emissões.
2005 – Lançamento da Asia Carbon Exchange, primeira bolsa de valores do mundo a comercializar créditos de carbono em uma plataforma on-line.
2008 – Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) realiza primeiro leilão de créditos de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) a partir de emissões evitadas pelo Projeto Bandeirantes de Gás de Aterro e Geração de Energia.
Leia mais sobre precificação de carbono em entrevista a seguir com Simon Zadek, presidente da AccountAbility.

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