Tendências – Os riscos e benefícios da nova militância pop (parte 1)

Tendências – Os riscos e benefícios da nova militância pop (parte 1)

Até que ponto a crescente participação de ídolos e pessoas públicas em causas sociais faz bem para as suas imagens e para as questões que desejam promover?
Foi-se a época em que a participação das celebridades em causas sociais limitava-se ao comparecimento eventual a festas beneficentes e ao empréstimo de sua fugaz presença para a finalidade de arrecadar donativos de caridade. Ficou para trás o tempo da filantropia rápida. Não apenas o envolvimento de atores, cineastas, músicos, políticos e esportistas com causas sociais vem aumentando em todo o mundo como também tem se tornado cada vez mais profundo, ultrapassando a velha tradição assistencialista de doar quantias de dinheiro ou objetos pessoais para leilões. Estaremos vivendo o tempo da consciência da responsabilidade social também entre os que têm fama?
Diante da constatação desse fenômeno, e da sua importância crescente para uma nova compreensão sobre o papel social de ídolos e pessoas públicas, outras perguntas precisam ser respondidas. E elas dizem respeito às motivações, ao efetivo poder de influência da imagem e ao verdadeiro impacto da militância pop para o desenvolvimento das causas sociais e ambientais que pretende apoiar. O que está na origem desse novo modelo de ativismo?
A revista norte-americana Time resolveu arriscar respostas para essa questão. Ao seu estilo polêmico, sugeriu, em matéria de capa de dezembro de 2005, que as celebridades podem ser levadas a apoiar causas por culpa, fé, sofrimento pessoal, reputação, autopromoção ou mesmo interesse político. Elucubrações à parte, o fato é que até mesmo a reportagem, absolutamente crítica do movimento, reconhece que os militantes famosos têm o poder de impulsionar as causas, chamando a atenção da sociedade civil para temas em relação aos quais as pessoas tendem a ficar indiferentes.
“Nesse mundo, nada importa se não tiver uma câmera apontada”, escreve o jornalista James Poniewozik. “Quando um pop star se insere em um mundo de assuntos pesados, pode parecer ridículo, mas apenas porque nós o somos também – porque ele nos lembrou de que perdemos tanto tempo com coisas triviais que ignoramos questões que são de vida e morte para outras pessoas.” Sempre em tom crítico, a reportagem de Poniewozik alerta para o que ele classifica como apatia da população, que se contenta em criticar os ídolos engajados em vez de assumir uma postura mais socialmente responsável.
Nenhum dos entrevistados de Time discorda quando o assunto é a real eficácia do apoio das celebridades. Segundo o músico Peter Gabriel, co-fundador da ONG Witness, é mais fácil ignorar o discurso compenetrado de Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU, do que os apelos emocionais da atriz Angelina Jolie. Já o relações públicas Ken Sunshine, fonte consultada pela reportagem, afirma que um comportamento solidário e cidadão ajuda o militante pop a ser levado a sério e a construir uma carreira longa e respeitada. “Trabalhos para a caridade humanizam sua imagem”, diz.
Imagem representa patrimônio que pode ser colocado a serviço de uma boa causa
 
O uso da imagem das celebridades para fortalecer causas sociais tornou-se rapidamente a forma mais comum de engajamento. E isso vale para quando há envolvimento pessoal efetivo ou não do ídolo com a causa apoiada. A top model Gisele Bündchen escolheu, por exemplo, associar sua imagem pela primeira vez a uma campanha, Y Ikatu Xingu, do Instituto Socioambiental, pela recuperação e preservação das nascentes do Rio Xingu, na Amazônia. Os astros de futebol Ronaldo e Zidane aceitaram o convite para se tornarem embaixadores da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Ainda que, por causa de uma agenda apertada de compromissos profissionais, não possam participar de todas as atividades da organização, eles sabem que, no planeta midiático, algumas viagens, reuniões e sessões de foto já bastam para reverberar a mensagem de apoio á causa da infância.
Nem todo ídolo, no entanto, participa apenas de vez em quando, só com o poder de sua imagem. Alguns transformam as bandeiras que empunham em compromissos individuais e militam diretamente no front de alguma causa, dividindo com ela o pouco tempo que possuem. Não raro, criam suas próprias ONGs em parte para comunicar ao seu público a coerência do envolvimento, em parte porque sabem que o brilho de seu carisma pode conferir à causa uma visibilidade pública que normalmente ela não teria. Aposentada das quadras desde 1999, a ex-jogadora de vôlei Ana Moser mal pendurou o par de tênis e já se iniciou no trabalho que resultaria na criação do Instituto Esporte & Educação, dedicado a colocar a cultura esportiva a serviço de comunidades de baixa renda. O ator Marcos Winter não precisou se aposentar dos palcos para seguir caminho semelhante. Com um grupo de outros atores globais, como Zezé Polessa, Bete Mendes, Camila Pitanga, Leonardo Vieira, Dira Paes, Marcos Frota, Letícia Sabatella e Osmar Prado, ele criou o Movimento Humanos Direitos (MHuD). O objetivo de sua organização é chamar a atenção da mídia sobre o trabalho escravo, a exploração sexual infantil, a demarcação das terras indígenas e quilombolas e a importância de ações socioambientais. Em comum, Ana Moser e os atores capitaneados por Winter têm o sentimento de que o ativo intangível de suas imagens, e o poder de influência que exercem sobre grandes grupos de pessoas, representa um patrimônio cujo valor pode e deve ser aplicado para a promoção de temas que interessam ao bem comum.
Bom mocismo, moda passageira ou nova consciência de responsabilidade social?
 
Poucos artistas sabem usar melhor a marca pessoal do que a cantora Madonna. A capacidade de cercar sua imagem de uma aura mítica a transformou, não por acaso, numa das mais reluzentes pop stars do século 20. E agora pode servir também à propagação do debate sobre a miséria do continente africano. Recentemente, ela voltou a flertar com a polêmica ao adotar uma criança do Malaui, país que proíbe a adoção de nativos por estrangeiros. Madonna não apóia uma causa específica. Nem está engajada numa determinada organização social. Mas graças a sua inesgotável habilidade de chocar a sociedade e ao poder evocatório de suas músicas, Madonna sempre fará diferença em qualquer causa que venha a abraçar.
Guardadas as evidentes diferenças, o mesmo raciocínio se aplica a uma estrela como Angelina Jolie, dona de um rosto conhecido em todo o Planeta. Embora menos contundente que a deusa loura do pop, nas atitudes e palavras, a atriz de Hollywood sabe que, toda vez que aparece em um cenário de miséria, o mundo inteiro, como que seduzido pelo olhar de uma câmera, passa a prestar atenção na causa ali inscrita. Jolie também adotou duas crianças de países pobres: Maddox, do Camboja, e Zahara, da Etiópia. Mas além da maternidade engajada, incorporou com fervor o papel de Embaixadora da Boa Vontade da ONU (Organização das Nações Unidas) e, ao lado do marido, o também ator Brad Pitt, viaja a serviços de diferentes causas sociais. Ao que consta, o insighthumanitário da atriz teria se dado após conhecer a realidade de refugiados em Serra Leoa, país africano com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo.
Esta não seria uma reportagem sobre celebridades engajadas se não mencionasse o músico irlandês Bono Vox, vocalista da banda de rock U2, notório ícone pop da luta contra as injustiças sociais. Considerado um chato entre os que torcem o nariz para artistas engajados, amado e reverenciado por uma legião de fãs idólatra do seu “compromisso social”, ele aumenta o prestígio de toda causa que apóia. E elas não são poucas. Quando não está no palco, Bono participa de fóruns mundiais (como, por exemplo, Fórum Econômico de Davos, na Suíça), de reuniões com líderes políticos e sociais, e na promoção de ações sociais. Sua imagem, constantemente em alta, é objeto da concorrência entre instituições e estadistas de todo o mundo. O seu aval costuma fortalecer não apenas campanhas sociais, mas também programas de governo focados em apelos contra a violência, desmatamento, extinção de animais, epidemias, preconceito racial e exploração dos oprimidos.
Este novo tipo de ativismo não se dá apenas no glamouroso universo das artes. O ex-presidente americano Jimmy Carter virou um famoso militante dos direitos humanos, o astro de basquete Magic Johnson cavou lugar de destaque na luta contra a Aids, o multimilionário Bill Gates transformou-se em sinônimo de doador universal para causas sociais, e Al Gore, que concorreu à presidência com George W. Bush em 2000, tornou-se um Robin Hood do meio ambiente.
Embora movidos por diferentes razões, todos representam a mesma tendência. Vista à distância, a febre atual do apoio de celebridades a causas sociais pode até parecer um sopro de vento passageiro, como tantos outros. Mas esta não é a opinião de muita gente. O publicitário Percival Caropreso, ex-vice-presidente da agência de propaganda MacCan Ericsson, atualmente diretor da Setor Dois e Meio, acha que a corrente veio para ficar. “Talvez possa ter começado como um ‘bom-mocismo’, um modismo filantrópico. Mas cada vez mais essa tendência reflete uma atitude de vida que as pessoas querem ter”, afirma.
Na opinião de consultor, ao ídolo contemporâneo não basta ser conhecido. Ele precisa ser reconhecido e admirado
 
Para Mário Rosa, consultor em imagem e comunicação, autor do livro A Reputação na Velocidade do Pensamento, a nova militância representa também uma aproximação dos famosos com seu público. E, nesse sentido, envolve uma dimensão, digamos, mais pragmática. “Na criação de seu personagem público, a adesão a valores sociais é evidentemente algo importante para o artista”, defende. A propaganda – destaca Rosa – já não é mais a alma do negócio. Hoje a reputação exerce esse papel. Não é mais suficiente, por exemplo, ser popular para conseguir viabilizar uma carreira. “Não basta ser conhecido, é preciso serreconhecido e admirado”, ensina.
Na opinião do consultor, atingir a fama deixou de ser complicado. O difícil está em mantê-la. E a defesa de causas socioambientais pode ser uma ferramenta muito importante nessa manutenção. “Não se trata apenas de adotar uma atitude politicamente correta, mas profissionalmente correta”, argumenta Rosa, para quem a imagem da celebridade, além de servir, acaba se servindo também dos valores positivos da causa. Um típico caso de simbiose. “Se tivéssemos que dizer quem foi o melhor pai, Saddam Hussein ou Sérgio Vieira de Mello, tenderíamos a escolher o diplomata, porque sua imagem está associada a bons significados”.
A boa imagem Ana Moser, associada a valores como vitória, esforço e patriotismo, foi decisiva para que as portas se abrissem mais facilmente para o Instituto Esporte & Educação. O rosto conhecido, e mais do que isso, o respeito que o seu passado de esportista exerce sobre as pessoas, aumentam as chances de que suas idéias sejam ouvidas. “Uma das minhas funções é usar a imagem que eu construí como jogadora para fins que não sejam só individuais, mas que tenham retorno para uma causa”, afirma.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?