Tendências – Os caminhos do investimento social privado nos quatro cantos do mundo

Tendências – Os caminhos do investimento social privado nos quatro cantos do mundo

Entre projetos em longo prazo e emergências como o Furacão Katrina, a Tsunami na Ásia e o 11 de setembro empresas e fundações do mundo todo destinam milhões de dólares a causas sociais. As escolhas e os montantes mudam conforme o país investidor e a situação
Tsunami, Katrina, Rita, Wilma. Fenômenos naturais que no último ano têm destruído cidades inteiras são apontados por especialistas como anúncios de que o homem não tem sido solidário com a terra que o abriga. Como que, em contrapartida, eles estão fazendo despertar um espírito humanitário que atinge todo o mundo ao mesmo tempo. Além das demonstrações individuais de apoio às vítimas, que a televisão costuma mostrar, grandes organizações internacionais destinam milhões de dólares para ajudar a reconstruir as comunidades atingidas.
Apenas para citar um dos acontecimentos mais recentes, de acordo com o COF -Council on Foundations (Conselho de Fundações), organização associativa que reúne mais de duas mil fundações que promovem ações sociais nos Estados Unidos –, foram doados cerca de US$ 444 milhões para os trabalhos pós-Katrina, enviados por empresas, fundações e pessoas físicas. Os membros do COF destinaram mais de US$ 155 milhões tanto para o suporte imediato quanto para ações em médio e longo prazo.
Mas nem só de situações emergenciais vive o investimento social privado nos Estados Unidos e no mundo. Milhões e milhões de dólares são destinados a projetos de longo prazo e ligados às mais diversas causas. Em épocas emergenciais os montantes costumam aumentar, o que gera preocupações quanto à manutenção dos investimentos em longo prazo. Após os atentados de 11 de setembro, por exemplo, muito se especulou sobre a diminuição do montante. Contudo, um levantamento feito em 2002 pelo Foundation Center, que desenvolve pesquisas sobre o terceiro setor, mostrou que apenas 15,8% das instituições financiadoras diminuíram suas contribuições a outros programas. A pesquisa envolveu 333 fundações, sendo que 240 delas atuaram em ações de reestruturação pós-atentado. Do total, 94,6% afirmou que também não houve mudança de foco e estratégias de atuação.
Andrés Thompson, diretor de programas para a América Latina e Caribe da Fundação Kellogg, considera complexa a relação do fluxo das doações em tempos de emergência e em tempos “normais”, e atenta para o fato de que aquelas feitas nas emergências não são iguais para todos. “Por exemplo, as doações americanas à Cruz Vermelha para o Tsunami, em 2004 (US$ 556 milhões), foram muito superiores às que aconteceram ao terremoto asiático em 2005 (apenas US$ 2 milhões), ou mesmo ao Katrina”, conta.
Assim, só é possível fazer uma análise correta das tendências da filantropia no mundo quando se define o tipo de emergência e o contexto da mesma. Thompson lembra que o Tsunami, por exemplo, aconteceu perto do Natal, o que causou muita mobilização e impacto nos contribuintes individuais.
Destino e envolvimento com o social variam conforme o país
Quando o assunto chega ao investimento social privado, como é entendido no Brasil (veja Box), também é difícil falar em tendências nas corporações internacionais. “As grandes empresas européias, norte-americanas ou japonesas, apenas para citar algumas, comportam-se de maneiras bem diferentes em níveis nacional e internacional”, explica Thompson.
A tradição de envolvimento do setor privado com doações para o social varia de país para país, mas foi influenciada fortemente pelas tradições religiosas. “Tradicionalmente, a maioria delas acontece por motivos de caridade, como ajuda a órfãos, idosos, doentes e portadores de deficiência”, explica David Winder, diretor do Instituto Synergos – que tem sede em Nova Iorque.
Na Europa, a filantropia também tem uma longa tradição, de culturas seculares. “Ela pode ser traçada desde os propósitos caritários dos anciões gregos e egípcios. Está implícita na primeira tentativa de sua regulação na Europa Ocidental, no Estatuto de Utilização da Caridade na Inglaterra, de 1601. E está evidente hoje, nas centenas de milhares de fundações, associações e cooperativas que formam o que passamos a chamar de “economia social”, apontou representante do EFC – European Foundation Centre (Centro de Fundações Européias) em congresso na Itália, no final de 2000.
Sevdalina Rukanova, responsável pela área de programas internacionais do EFC, afirma que a prática e as formas de filantropia na região mudaram com o passar dos séculos, mas a razão inicial e primária permaneceu a mesma em sua essência: associar riquezas privadas para o benefício público. “Como nos Estados Unidos, o acúmulo de grandes fortunas por industriais e grandes corporações durante o século passado foi um fator chave no estabelecimento de algumas das maiores fundações européias, que geralmente levam o nome de quem a criou”, conta.
São organizações estabelecidas com riquezas pessoais e familiares. Por isso, geralmente mantêm ligação forte e direta com suas mantenedoras e contam com um endowment (fundo patrimonial constituído de doações iniciais, únicas, múltiplas ou contínuas). As formas de doação variam e refletem tradições locais, culturas e ambientes regulatórios nacionais, assim como os próprios valores e culturas de trabalho de cada organização. Diferentemente, porém, do país norte-americano, que produz diversos levantamentos sobre o tamanho e o escopo da atuação social das empresas, na Europa há poucos dados. Segundo o EFC, isso acontece, entre outros fatores, devido à diversidade do sistema legal entre os países e à falta de pesquisas analíticas em nível continental.
Apenas nos últimos anos alguns dados sobre atuações locais começaram a surgir. Na Alemanha, por exemplo, de acordo com o primeiro estudo sobre responsabilidade social corporativa daquele país, empresas germânicas doaram em torno de dez bilhões de euros para questões de benefício público, entre 2003 e 2004. Na Espanha, segundo levantamento da Fundação Empresa e Sociedade, 26 companhias destinaram mais de 990 mil euros para causas sociais no ano passado. No Reino Unido, as 100 maiores companhias listadas na Bolsa de Valores de Londres investiram cerca de 643 milhões, em 2003.
“Novas regulamentações e taxas de incentivo, introduzidas em muitos países europeus durante a última década, foram instrumentos de crescimento em termos de doações empresariais e, em alguns casos, como na França, Itália e Inglaterra, deram um estímulo à criação de fundações empresariais”, afirma Sevdalina. Além disso, a identificação da necessidade de se criar uma infra-estrutura para apoiar as doações privadas com a formação de organizações intermediárias, redes de negócios e advocacy em cidadania corporativa, fundações comunitárias, etc. – teve um papel fundamental em possibilitar e melhorar essa prática.
Educação, cultura e meio ambiente são as causas preferidas
Sevdalina conta que educação, cultura, meio ambiente e desenvolvimento comunitário são as principais áreas de investimento social das empresas européias. Mas podemos mesmo chamar de “investimento”?
Para Andrés Thompson, as corporações internacionais, em geral, não têm investido na área social de maneira planejada e sistemática. “Não há evidência disso, já que uma grande parte ainda utiliza este tipo de ação como ferramenta de marketing, principalmente nos Estados Unidos.”
Em sua edição do último dia 4 de agosto, o jornal norte-americano The Chronicle of Philanthropy afirma que mais empresas se interessam em apoiar causas internacionais quanto mais global se torna seu trabalho. Além disso, aponta para uma outra questão levantada por Thompson: “Nos últimos anos, as doações têm sido vistas cada vez mais como simples estratégia para aumentar os lucros, por meio de esforços de marketing”, diz a reportagem principal. O tema era a pesquisa anual feita pela publicação sobre os recursos destinados para a área social pelas maiores empresas dos Estados Unidos. Neste ano, participaram do levantamento 94 das 150 grandes corporações identificadas pelo ranking da revista Fortune.
Segundo a matéria, como as previsões indicam um aumento de ganhos neste ano, há quem espere que o mundo corporativo mude sua visão sobre filantropia. Paula Prahl, vice-presidente de relações públicas da empresa de produtos eletrônicos Best Buy, disse ao jornal que sua esperança é ver voltar o pêndulo do que considera uma “overcomercialização” das doações no nível empresarial. Como resultado, ela prevê que muitas companhias poderão mensurar melhor os efeitos de sua ação, tanto para si quanto para a sociedade. “Poderemos responder por que certo tipo de investimento é bom para a companhia e é bom para a humanidade”.
O diretor do Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, Lester Salamon, conta que as companhias estão aumentando cada vez mais a busca por formação de parcerias com organizações da sociedade civil e integrando suas ações sociais com estratégias corporativas mais amplas. “Eles vêem este como um caminho para mobilizar funcionários e clientes, assim como assegurar seu ‘capital de reputação’, que tem sido muito importante para as operações na área social. É um desenvolvimento positivo não apenas nos EUA, mas em todo o mundo”, afirma Salamon.
Tem crescido naquele país, de acordo com a reportagem do Chronicle, a popularidade de programas que envolvem outros meios de apoio a organizações da sociedade civil, além da doação de dinheiro e produtos. Como forma de expandir sua atuação social, ampliar sua missão e fornecer aos seus funcionários mais experiência, as empresas têm criado programas nos quais buscam levar seus conhecimentos às comunidades atendidas fora do país e aprender sobre elas, construindo relações mais próximas.
A Pfizer – segunda maior doadora norte-americana para fora do país, de acordo com a pesquisa do jornal – é uma das que já adotaram esta prática. Em 2003, a empresa desenvolveu um programa chamado Pfizer Global Health Fellows que leva, todo ano, cerca de 30 pessoas de sua equipe para comunidades nas quais desenvolve trabalhos na área social. Em 2004, a gerente de produtos Deborah Wafer, por exemplo, passou 15 semanas em Uganda, treinando equipes de uma organização não-governamental local e aumentando seus conhecimentos sobre a região.
Desta forma, muitas passam a entender que os processos de instituições sociais nem sempre são os mesmos das empresas. Laysha Ward, vice-presidente de relações comunitárias da rede de lojas Target, afirmou à reportagem que se tem percebido claramente que contribuição financeira é importante para a saúde das organizações, mas que a experiência técnica é tão crítica quanto para alguns de seus parceiros.
O gerente regional de programas da FDC – Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, de Moçambique, Amâncio Armando, disse em entrevista ao informativo do GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, em 2003, que os doadores internacionais reconhecem a necessidade de apoiar e fortalecer a sociedade civil africana. “São várias as modalidades e estratégias de apoio. No entanto, apesar desse interesse, a maioria ainda não tem uma estratégia integrada de atuação. Em parte, isso acontece devido à falta de conhecimento aprofundado e global dos atores locais, das suas capacidades, potencialidades, das áreas onde têm vantagens comparativas e onde pode ser maior a complementaridade com ações do governo”.
Preocupação quanto a corrupção e dependência
De modo geral, explicou Armando, eles partilham da convicção de que não é dando dinheiro que podem melhorar este apoio. “Pelo contrário, os riscos de subverter dinâmicas internas, alimentar os já elevados níveis de corrupção, aumentar ainda mais as dependências destas organizações face aos doadores são preocupações partilhadas também por muitos deles”, contou. Porém, não existe cooperação e é quase nula a troca de experiência entre eles.
Buscar uma forma de atuação com maior intercâmbio de informação e conhecimento é uma necessidade destacada em artigo por Katherine Fulton, Andrew Blau e Gabriel Kasper. Eles fazem parte do projeto O Futuro da Filantropia, parceria entre as fundações Kellogg e David e Lucile Packard, que teve início em 2000. Seu objetivo é promover estudos sobre filantropia nos Estados Unidos, os quais percebeu-se apontam para a falta de diálogo também entre as próprias organizações financiadoras. “Fundações e doadores existem independentemente e podem atuar sem muita referência sobre o que o outro faz. Não há um sistema no qual os atores sociais devam responder uns aos outros, adaptar-se uns aos outros ou aprender uns com os outros. Isso não quer dizer que não se relacionem. Eles o fazem, mas apenas até determinado ponto”.
A grande independência,marca característica da filantropia, segundo eles, impediu a criação de um sistema funcional de aprendizagem no setor. “Não existe difusão de conhecimento. Porque a filantropia é profundamente voluntária, porque as pessoas não precisam reagir ou se adaptar às outras e porque não há um sistema de aprendizagem ou alguma razão forte para isso para que haja ação, a filantropia hoje generaliza um mundo no qual as experiências se multiplicam, mas somam muito pouco”, alertam.
Para Katherine, Blau e Kasper, a boa notícia é que há um crescente entendimento de que a mesma força em larga escala que promove muitas das mudanças propostas pelas ações de filantropia, também tem gerado um novo mix de pessoas, ferramentas e pressões que oferecem novas oportunidades. Entre eles estão novos líderes, trazendo idéias inovadoras, como pessoas que receberam fortunas significantes bem cedo e estão olhando para novas formas de investimento social.
Novas geração está mais atenta ao social
David Winder concorda que há um crescimento do número de investidores sociais mais jovens, muitos deles acabam de receber grandes fortunas e têm pensado em maneiras de destinar seus recursos para causas raízes da pobreza. Eles estão voltando seus olhares para áreas como educação, saúde e emprego e geração de renda. “Líderes corporativos estão também sendo cada vez mais movidos além das doações para tentar fazer uma diferença mensurável na redução dos indicadores de pobreza”, conta.
Os pesquisadores do projeto O Futuro da Filantropia completam que, no início deste século 21, novas ferramentas estão rapidamente tornando-se essenciais para a ação, coordenação e aprendizagem em muitos campos, incluindo a filantropia. A mais óbvia, segundo eles, é o crescimento do acesso a tecnologias da informação e comunicação, que aceleram o ritmo do aprendizado e apóiam a coordenação e a colaboração à distância, superando inclusive barreiras organizacionais.
Conforme esse segmento cresceu tanto em tamanho quanto em ambição, atraiu mais atenção externa bem como mais reflexão interna. A pressão para demonstrar impacto e o debate sobre como descrevê-lo será uma das narrativas que definirão a filantropia nesta era, afirmam os realizadores da pesquisa. Para eles, a tendência é haver cada vez mais cobrança, em especial no que diz respeito à prestação de contas.
Ser estratégico em suas doações se quiser mensurar seu impacto na pobreza tem sido uma crescente entre os doadores aponta David Winder. Um exemplo de nova área de interesse é o apoio a comunidades de produtores agrícolas de pequena e média escala em relação a novos mercados”, conta. Para Winder “novos empresários que investem no social estão surgindo, com novas idéias de engajamento. Eles têm procurado por caminhos de parceria com governos para alcançar os mas Metas do Milênio, estabelecidas pela ONU em especial nos setores de saúde e educação”.
Neste novo padrão, afirmam Katherine, Blau e Kasper, a filantropia diminui sua imagem de coleção fragmentada de atores independentes e ingressa em um amplo sistema de solução de problemas públicos: o universo de doadores e receptores, governos e corporações, que sustentam a responsabilidade conjuntamente. Como resultado, segundo os três, o campo de atuação torna-se mais diverso e coordenado os doadores que mantêm sua independência, mas aumentam sua efetividade, aprendendo e atuando com outros especialmente com as organizações que apóiam.
As principais terminologias da Responsabilidade Social
Filantropia – Termo tradicional que define ações sociais desenvolvidas por pessoas físicas e empresas, em especial nos Estados Unidos. De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, filantropia é o mesmo que beneficência: ato, prática ou virtude de fazer o bem, de beneficiar o próximo; disposição benéfica; ajuda, altruísmo, amparo, benevolência, bondade, caridade.
Investimento social privado – Diferentemente da idéia de caridade, que vem carregada da noção de assistencialismo, o conceito de investimento social privado, de acordo com definição é o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público. Incluem-se neste universo as ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias ou indivíduos.
Os investidores sociais privados estão preocupados com os resultados obtidos, as transformações geradas e o envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação. A preocupação com o planejamento, o monitoramento e a avaliação dos projetos é intrínseca ao conceito de investimento social privado e um dos elementos fundamentais na diferenciação entre essa prática e as ações assistencialistas.
Economia social – Muito utilizado nos países europeus, o termo “economia social” envolve cooperativas, sociedades mutuárias, associações e fundações. Sua proposta primária é dedicar-se às necessidades sociais e econômicas de seus membros, e não na obtenção de um retorno de capital. Está baseada na participação voluntária, na associação e no compromisso de compartilhar missão e metas.
Venture Philanthropy – Conceito relativamente novo relacionado ao movimento que procura adaptar técnicas de investimento estratégico à cultura e às necessidades do setor sem fins lucrativos. Suas principais características são: fornece não somente recursos financeiros, mas também assistência gerencial e outros recursos aos administradores das organizações sociais; cria relações de parceria entre idealizador ou realizador e parceiro beneficiário; seus recursos cobrem um período de tempo maior do que as doações comuns; tem como foco ajudar a construir e fortalecer as organizações parceiras, e não criar novos programas; ajuda as organizações beneficiadas a estabelecer e buscar resultados, e usa esta informação como uma base para avaliar o progresso de seus investimentos.
Fontes: Gife, Venture Philantropy

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