Tendências – O valor de uma certificação socialmente responsável

Tendências – O valor de uma certificação socialmente responsável

Certificações e regulamentações voltadas para a responsabilidade social ganham espaço no cenário mundial. Brasil saiu na frente com norma própria e preside a discussão internacional
Primeiro foi a ISO 9001, de olho na qualidade. Depois veio a ISO 14001, com foco na questão ambiental. A proposta mais recente tem o nome de ISO 26000 e o seu objeto é a responsabilidade social. O debate sobre certificações empresariais deixa muito clara a evolução do pensamento do mercado nos últimos tempos: a constatação da necessidade de atestar qualidade, posteriormente respeito ao meio ambiente e agora responsabilidade social.
Programada para ser apresentada em 2008, a ISO 26000 objetiva estabelecer parâmetros mínimos de responsabilidade social para as empresas, levando em conta as diferentes realidades e a diversidade cultural. É sua finalidade estabelecer linhas de conduta quanto ao tema que possam ser seguidas nos quatro cantos do mundo. A discussão que envolve 84 países tem como presidente do Comitê um brasileiro, o executivo da Suzano Papel e Celulose, Jorge Cajazeiras. O destaque do Brasil nas iniciativas de responsabilidade social ajudaram na eleição bem como o pioneirismo de, por conta própria, o Brasil ser um dos quatro primeiros países no mundo a ter uma norma própria de responsabilidade social. Os outros são França, Austrália e Israel.
No final de 2004, o Brasil criou seus próprios parâmetros de responsabilidade social ao publicar a NBR 16001, uma norma brasileira sobre o tema, totalmente adequada à realidade do país e regida pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Ainda nenhuma empresa foi certificada com a NBR 16001, fato considerado aceitável pelo especialista, devido ao pouco tempo de publicação da regulamentação. Antes disso, quem buscava orientações nesse sentido contava com a internacional AS 8000, um código de conduta, um pouco mais restrito, com foco exclusivo para uma boa política de recursos humanos, assunto que também integra o conjunto da responsabilidade social, mas não contempla a sua amplitude.
Recursos humanos como passo inicial
 
A SA 8000 é um conjunto de condutas criado pela SAI – Social Accountability International, que, por estar muito ligado às atribuições das áreas de recursos humanos, pode ser considerado a primeira identificação de responsabilidade social –até então não havia a NBR 16001 no Brasil e no exterior a discussão da ISSO 26000 ainda leva um bom tempo para ser concluída”, explica Antonio Carlos de Barros Oliveira, gerente de Desenvolvimento e Certificação da ABNT.
Para Deborah Leipziger, responsável pela implantação da SA 8000 no Brasil, “as empresas começam a entender, mas ainda de forma muito lenta, que baixos salários, ambiente de trabalho ruim e o não cumprimento da legislação vigente são práticas que podem se transformar em lacunas na responsabilidade social se não forem cumpridas conforme determinados parâmetros. A responsabilidade social deve ser aplicada dentro e fora dos muros da empresa”. Para Deborah, mesmo não sendo uma certificação de responsabilidade social, a SA 8000, por ter como objetivo tornar o ambiente de trabalho mais humano, transforma-se em um elemento de construção desse olhar socialmente responsável.
“Responsabilidade social começa na própria casa, depois alcança o mundo lá fora. Quem quer socialmente responsável tem de desenvolver uma política de recursos humanos adequada”, avalia, lembrando que o processo de reconhecer os erros e mudar costuma ser muito difícil para as empresas. “Qualquer adequação envolve negociações complexas, treinamento e muito diálogo para deixar tudo transparente. É uma maneira de pensar na imagem da empresa em longo prazo. Quanto às regras da SA 8000, desde que se cumpram os padrões mínimos pré-estabelecidos, podem ser adaptáveis à realidade e à cultura de cada país”, afirma Deborah.
As discussões internacionais
 
A criação da ISO 26000 foi motivo de três reuniões em um ano envolvendo 84 países, quase sempre representados por mais de um segmento. O Brasil, por exemplo, tem cinco membros ativos e vaga aberta para mais um. Além da presidência internacional, o Brasil tem um representante da indústria, um representante técnico dos trabalhadores, um dos consumidores em geral, um do governo e uma vaga ainda aberta para um representante das ONGs. “Essas comissões múltiplas são comuns, pois a ISO 26000 é a norma que até o momento envolve o maior número de segmentos da sociedade” explica Cajazeiras.
Mesmo com esse grande envolvimento, nem todos vêem a ISO 26000 com bons olhos, diz Cajazeiras. “Algumas multinacionais como a Siemens e a IBM se opõem à ela. Alegam que a legislação dos países e o senso crítico do consumidor são suficientes e que o mercado é quem deve reger o comportamento das empresas. “Por outro lado”, continua o executivo da Suzano, “há aquelas plenamente favoráveis, como a sueca Volvo. Já nos países pobres, nos quais as empresas precisam se legitimar para ganhar mais credibilidade e espaço no mercado, há uma avidez por essas certificações. Entre as nações desenvolvidas, Alemanha e EUA colocam obstáculos, enquanto o Japão é totalmente favorável. O Japão está tão empolgado que foi eleito como o país responsável pela comunicação do Comitê Internacional da ISSO 26000”, explica.
Com toda a controvérsia, cumprir, o prazo de 2008 não vai ser fácil. Além dos argumentos citados, no time dos pessimistas há aqueles que acreditam que o modelo atual de certificação não é aplicável, que as relações empresariais são prostituídas e os contratos importantes não deixam de ser feitos pela falta de uma certificação. Há os que acham ainda que as normatizações diminuem a independência das empresas. Uma outra corrente entre os descrentes prega que ninguém pode ser atestado como 100% socialmente responsável a ponto de ter uma certificação; que todo mundo “escorrega” e que certificação de responsabilidade social não passa de utopia.
Pessimistas à parte, o grupo de trabalho da ISO 26000 é o maior que se viu até hoje em relação a certificações e normatizações internacionais (veja quadro comparativo) e com participação daqueles que já tem suas próprias normatizações como o Brasil. “Os países pioneiros têm muito a ganhar, pois ao se adaptarem às normas locais terão maior facilidade quando chegarem as regras internacionais” avalia Oliveira da ABNT.
O presidente do comitê da ISO 26000 concorda e dá exemplos de pioneiros que se destacaram nos resultados obtidos. “A Inglaterra, que têm crescido mais que a Europa como um todo, foi a primeira em normatizações próprias tanto em relação à qualidade quanto à área ambiental. A BS 5750 e BS 7750 antecederam a ISO 9001 e a ISO 14 001, colocando aquele país na dianteira. O fato de já dispor de uma norma própria de responsabilidade social pode ser uma excelente estratégia para o Brasil na disputa com China e Índia, cujos problemas sociais também são bastante complexos”, afirma Cajazeiras.
Pioneirismo brasileiro
 
Além de ser um dos países mais expressivos no mundo quanto à força de seu voluntariado, o Brasil é um dos pioneiros em estabelecer parâmetros de responsabilidade social para suas empresas com a norma NRB 16001, criada no final de 2004: “É impossível preservar o meio ambiente e respeitar o indivíduo, se a empresa se limita apenas ao que quer o seu dono ou os seus acionitas. Qualquer companhia está direta ou indiretamente ligada ao governo e à sociedade. Não dá para escapar deste fato. Por isso, ela precisa ter sua quota de responsabilidade, basear-se em ações de sustentabilidade”, analisa o gerente da ABNT, defendendo a normatização como ferramenta para se “encontrar mais facilmente o rumo a ser seguido”. Para o especialista, o processo de amadurecimento da ISO 26000 deve ser, inclusive, mais rápido que o das outras ISO. ” No caso da ISO 14001, também tivemos um tempo de maturação significativo. Quanto à responsabilidade social, na velocidade com que este conceito avança e ganha importância, esse processo deve ser muito mais veloz”.
Voltando à normatização brasileira, a NBR 16001 foi baseada em um conceito de processos conhecido como PDCA (Plane, Do, Check e Action). Pelo método, uma empresa deve primeiro planejar, depois fazer, em seguida checar e, por último, continuar agindo. Segundo o especialista da ABNT, a NBR 16001 é a primeira regulamentação voltada para a responsabilidade social emitida por um organismo de normatização.
“As primeiras que devem procurar a NBR 16001 são as empresas que já tem uma estrutura de responsabilidade social implantada”, argumenta o gerente da ABNT. “É possível que hoje elas se sintam mais pressionadas a adquirir uma certificação por exigência dos próprios consumidores. Se quero comprar um produto ou serviço, busco a garantia de que ele vá atender os meus objetivos e os meus anseios, inclusive quanto a princípios, mas só terei a comprovação se esse produto for certificado”, arrisca.
Apesar do otimismo demonstrado em relação à NBR 16001, Cajazeiras alerta para a “faca de dois gumes” em que uma normatização nacional pode se transformar quando uma outra internacional surgir em curto prazo. “Se por um lado a norma nacional tem a cara do país e leva em conta a cultura, a proximidade da publicação de uma internacional pode colocar algumas empresas em compasso de espera. Em vez de se adequar à NBR 16001 e depois sofrer um novo processo de adequação à ISO 26000, por mais parecidas que as duas possam ser, certamente há quem opte por esperar a regra internacional, que acredito será mais branda por ter de levar em conta a multiplicidade cultural e por estar dentro dos princípios legais de todos os países. O Brasil se destaca por ter normatizações e legislações bastante rígidas. Nossa legislação ambiental, por exemplo, é modelo no mundo todo. Se é ou não cumprida, isso é outra história” conclui o presidente da ISO.
Apenas para as grandes?
 
O tamanho de um comitê internacional e a complexidade das normas, mesmo as de âmbito nacional, podem levar a crer que só as grandes empresas estão aptas a se adequarem a elas. Nem sempre. “O processo de certificação realmente começou nas grandes empresas”, explica Oliveira. “Mas nesses quase 15 anos de ISO 9001, por exemplo, boa parte das grandes obteve a certificação e já se encontram os selos nas pequenas, que perceberam estarem prontas para a adequação. Existem empresas com cinco funcionários que têm um sistema de gestão de qualidade digno de uma ISO.
Qualquer empresa moderna, independentemente do tamanho, precisa seguir requisitos fundamentais. É um respaldo no mercado, algo que garante a própria sobrevivência do negócio. Pode-se interpretar isso como um planejamento estratégico da empresa”, continua o gerente da ABNT. “Ela precisa definir onde quer chegar e como. Se eu quero fazer crescer o meu negócio, tenho de preservar meu produto e contribuir para a sua qualidade. Vejo a norma e a certificação como uma necessidade para a pequena e média empresas orientarem o seu desenvolvimento. Sabe-se que há quem queira uma certificação simplesmente como estratégia de marketing, mas quem pensa assim está no caminho errado”, conclui.

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