Luiz Bouabci

Luiz Bouabci

Como as empresas estão respondendo ao desafio de estabelecer processos menos impactantes, transparentes e participativos
A convite de Ideia Socioambiental, o consultor Luiz Bouabci mapeou conceitos e experiências de inovação que mostram como as empresas estão respondendo às demandas de seus diferentes stakeholders por soluções mais sustentáveis. Como resultado dessa pesquisa, chegou a sete tendências detalhadas a seguir.
1)      Colaboração
Organizações formadas por hierarquias diferentes e que até podem competir em algum nível, cooperam entre si para atingir um bem comum coletivo que não poderia ser alcançado pelas mesmas organizações individualmente.[1] A antropóloga organizacional e  especialista em redes sociais Karen Stephenson denomina esse novo tipo de governança de heterarquia. A colaboração entre organizações será fundamental para que a geração de inovação para a sustentabilidade acompanhe a velocidade imposta pela transformação do planeta.  Para que isso aconteça, no entanto, líderes deverão estar dispostos a um exercício de desapego do ego organizacional, possibilitando que as organizações evoluam de uma simples coexistência para a colaboração e, em última instância, para a co-propriedade de ideias.[2]

Casos: Recentemente a revendedora de eletroeletrônicos Best Buy e a fabricante de motocicletas Brammo, ambas norte-americanas, anunciaram um consórcio para o desenvolvimento da Enertia, um modelo totalmente movido por baterias de lítio-fosfato recarregáveis com eletricidade. Outro caso interessante é o da alemã BASF e a produtora de soluções energéticas sustentáveis dos Emirados Árabes Unidos Masdar. As duas organizações anunciaram em agosto desse ano uma parceria para a construção de uma cidade totalmente sustentável nos Emirados Árabes Unidos, que abrigará a força de trabalho da Masdar. A Basf, além de colaborar no desenvolvimento do projeto, será a principal fornecedora de matéria-prima e terá a oportunidade de testar muitas de suas soluções sustentáveis desenvolvidas recentemente, no campo.

2) Intraempreendedorismo
A economista Lala Deheinzelin, especialista em economia criativa, tem pontuado em suas palestras que a experiência será, cada vez mais, um item determinante tanto para a concepção de novos produtos e serviços, como para a fidelização de clientes internos e externos. Segundo Lala, quanto mais diversa e criativa a experiência, mais valiosa ela será. [3]
Uma das formas mais antigas de fomento da experiência nas organizações é o intraempreendedorismo. Apesar de formulado há praticamente 20 anos, esse conceito nunca encontrou muita abertura no ambiente corporativo. Hoje, isso parece estar mudando e a cultura da incubação tende a ganhar força, apesar da enorme resistência para a destinação de verbas e do receio dos líderes em arcar com os custos dos erros inevitáveis de percurso.
Na busca pela sustentabilidade, é importante termos em mente que se trata de um modelo em construção e por assim ser, seus caminhos não podem ser trilhados com práticas do passado.

Casos: No Canadá, a DuPont lançou um programa de intraempreendedorismo que tem levado a organização a uma completa reorientação com foco na sustentabilidade. Essa nova plataforma, focada na segurança alimentar, tem buscado soluções que não levem em consideração o uso de materiais como nylon e combustíveis fósseis e o alto grau de inovação gerado pela incubação é notável. Recentemente a empresa anunciou a criação de uma embalagem asséptica para o leite que mesmo depois de aberta, não requer refrigeração. Outro caso é o da Timberland, na qual um jovem intraempreendedor, incentivado pela organização, criou uma ferramenta que permitiu à empresa calcular as emissões de gases de efeito estufa emitidos pelo sistema logístico em toda a cadeia produtiva.

3) Biotecnologia
A discussão filosófica sobre os limites éticos no uso da biotecnologia, principalmente quando os temas são a reprodução humana e a modificação do código genético de plantas, ainda está longe de se tornar um ponto pacífico. Um dos subgrupos de estudo, o da chamada biotecnologia branca é, no entanto, apresentado quase que de forma unânime como um caminho para a sustentabilidade. Essa área se dedica ao desenvolvimento de insumos para a produção industrial e tem sido aplicada para diferentes propósitos, incluindo o desenvolvimento de fontes alternativas de energia e biomateriais.
A confiança na biotecnologia branca é tal, que ela ter sido apontada como um vetor que poderia transformar por completo a indústria química e gerar um rompimento na dependência do sistema produtivo, baseado em fontes de energia de origem fóssil.

Casos:  A companhia norte-americana Amyris e a trading brasileira de açúcar e álcool Crystalsev se uniram  para produzir e comercializar biodiesel feito a partir de cana-de-açúcar. A tecnologia, desenvolvida pela Amyris, se baseia no uso de enzimas que transformam a sacarose da cana em biodiesel. O produto chega ao mercado em 2010 e a primeira fábrica terá capacidade de produzir 38 milhões de litros do combustível por ano. A também norte-americana Thermeleon criou um polímero à base de enzimas que muda de cor de acordo com a temperatura. Aplicado na fabricação de revestimentos externos residenciais, o produto promete causar um impacto enorme no consumo de energia, na medida em que mantém estável a temperatura ambiente das casas ao ficar mais claro com o calor e mais escuro com o frio.

4) Escala
Em um planeta que se apequena cada vez mais diante do crescimento da população humana e de suas necessidades de consumo, a solução para a equação espaço x produtividade parece ficar cada vez mais distante.
Para muitas pessoas a resposta para atender às necessidades humanas está nas grandes estruturas. Outras por outro lado acreditam que a resposta está na produção distribuída, em pequena escala e com maior eficiência em termos de recursos e energia.
Nas organizações, a pequena escala é um elemento que, segundo o fundador da Gore Tex, Bill Gore, favorece a geração da inovação, na medida em que aproxima pessoas e melhora a comunicação entre elas.

Casos: A norte-americana Sky Vegetables transformou em um negócio rentável a tendência de uso de tetos de prédios para a produção de alimentos e inaugurou um novo e promissor mercado: o da agricultura urbana. Além de encontrar uma solução para a falta de espaço, a Sky trouxe benefícios que vão desde o equilíbrio no clima urbano até a redução das emissões com o transporte de alimentos do campo. No Japão, duas companhias têm provocado uma revolução na matriz energética do país, de origem principalmente térmica e nuclear. A Marubeni focou seus investimentos na produção hidrelétrica de pequena escala, enquanto a Dai-Dan se associou a produtores agrícolas para produzir biogás a partir de dejetos da produção.

5) Design
Tem sido apontado por especialistas como um dos principais temas que devem estar na pauta das organizações que perseguem a sustentabilidade. Entretanto líderes, de maneira geral, concentram muito mais atenção no design de produtos do que no design da própria organização e de seus processos.
O ponto é que a sustentabilidade não pode e nem deve ser pensada de acordo com padrões antigos. É uma nova lógica de atuação e por isso requer uma reinvenção completa do modus operandi das organizações.
Para o arquiteto William McDonough, considerado um mestre no design de processos sustentáveis, mais do que reinventar práticas, a humanidade precisa reconhecer e se espelhar nos processos naturais. Criador dos princípios Cradle to Cradle, que prega a reintrodução de todo e qualquer resíduo industrial na atividade produtiva, McDonough acredita que a chave não está na criação de produtos sustentáveis de forma isolada, mas também na criação de uma nova lógica para a cadeia de suprimentos e para os processos de manufatura que respeitem a vida no planeta ao substituírem a lógica “do berço ao túmulo” pela lógica” do berço ao berço”.
Para ele, a próxima revolução industrial será pautada pela transformação da indústria de um sistema que consome, produz e gera resíduos, em um novo modelo que celebra a abundância natural, econômica e cultural.

Casos: Guiada por McDonough e seu parceiro Michael Braungart, a Nike desenvolveu um protocolo que visa eliminar do processo produtivo qualquer elemento que possa ser danoso ao meio ambiente. A Nike vem testando uma plataforma de 5.000 materiais e eliminando sistematicamente de seus processos qualquer elemento que apresente impactos negativos ao meio ambiente e à sociedade. Há também uma nova geração de organizações que já nascem com processos adequados à sustentabilidade. É o caso da Terra Cycle, uma empresa que produz a partir de insumos não recicláveis que normalmente são descartados no meio ambiente, como sacos de salgadinhos e fraldas descartáveis. Essa empresa já vive na prática a maioria das tendências mencionadas nesse levantamento. Funciona em rede, colabora com outras organizações, tem muitas características da economia de serviços, produz com design impecavelmente ecológico e utiliza as facilidades de seus parceiros para funcionar como inúmeras células.

6) Economia de Serviços
Para atender as necessidades de consumo dos que chegam e daqueles que vão pouco a pouco acessando a sociedade de consumo, o modelo econômico terá de passar por um check up completo. Uma parte da resposta vem do ganho de consciência que aumentará cada vez mais as taxas de reutilização e reciclagem de matéria-prima. O terceiro R (reutilizar) parece, no entanto, ser ainda um buraco negro. Mesmo que a população atual reduza suas taxas de consumo, as novas estratégias de negócios para a base da pirâmide e o crescimento populacional parecem minar qualquer esperança de que isso possa se tornar realidade.
Existe, contudo uma pergunta que parece começar a iluminar a outra extremidade do túnel: por que vender se eu posso alugar ou simplesmente recarregar?
Esse questionamento tem proporcionado benefícios tanto para o meio ambiente, quanto para a saúde financeira das empresas, na medida em que, por serem intangíveis, serviços garantem uma maior margem de lucro. A HP, por exemplo, considera como o futuro de seus negócios a substituição da venda de produtos descartáveis pelo oferecimento de uma série de serviços ao redor de poucos produtos.

Caso: A norte-americana Zipcar está revolucionando o sistema de transportes nos Estados Unidos. A locadora de veículos bagunçou a lógica do mercado ao extrapolar a idéia de que a locação de carros é um mercado potencial para o turismo, seja ele de lazer ou negócios. Mais do que isso, a Zip propõe a substituição do modelo baseado no carro próprio e cria um sistema coletivo no qual o usuário possui um cartão, reserva um carro, dirige até certo ponto, deixa o carro na rua. Esse carro então é localizado por um sistema de satélite e o carro é então disponibilizado para outro usuário. O impacto positivo promete ser tremendo.

7) Redes
Para o sociólogo espanhol Manuel Castells, as “redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades. Segundo ele, a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura.” [4]
A sociedade em rede na verdade não é um privilégio contemporâneo. A Ágora, por exemplo, estrutura arquitetônica comum nas cidades gregas, era um espaço construído para representar a expressão máxima do espaço público e era desenhada para favorecer as conexões entre as pessoas.
Essa lógica infelizmente não acompanhou a formação de grande parte das nossas organizações, marcadas muito mais pela compartimentação de setores e áreas e pela estrutura piramidal. Em geral, líderes reconhecem o valor das redes informais inerentes às suas organizações, mas talvez por acreditarem que redes e hierarquia não combinam e que a transição entre modelos consumiria muita energia terminam por não considerá-las em suas estratégias.
A verdade, porém é que redes e hierarquias são complementares e saber combiná-las é determinante para a geração de inovação nas organizações. Além disso, por terem uma capacidade infinitamente maior de circulação da informação, as redes parecem ser a resposta para os processos de engajamento de colaboradores em estratégias de sustentabilidade, e também um elemento fundamental na comunicação dessas mesmas estratégias para o ambiente externo.

Casos: A GE implementou, desde 1999, uma plataforma interna de comunicação baseada nos conceitos das redes sociais. A ferramenta permite que todos os funcionários cadastrem habilidades específicas e competências duráveis nesse ambiente. A plataforma conta hoje com mais de cem mil wikis, trinta milhões de documentos e mais de quarenta mil blogs. Os mais de 400.000 colaboradores geram cerca de vinte e cinco milhões de posts por dia e a plataforma tem mais de cinco milhões de visitas e uma média de quinhentos mil downloads por dia. Os executivos da empresa relacionam o alto uso da plataforma ao desempenho alcançado nos últimos anos e também ao surgimento de idéias que aproximaram a organização da sustentabilidade.

[1] Karen Stephenson, 2009 – Redes Humanas, Amana-key, Outubro/2009
[2] Para Stephenson existem cinco graus de parceria em escala evolutiva: co-existência, co-operação, co-ordenação, colaboração e co-propriedade.
[3] Fonte: Mercado Ético
[4] CASTELLS, M. A sociedade em rede (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.

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