Tendências – Conceito de sustentabilidade ainda é pouco conhecido entre profissionais da comunicação

Tendências – Conceito de sustentabilidade ainda é pouco conhecido entre profissionais da comunicação

Pesquisa da Aberje revela que profissionais têm informações sobre o conceito, mas ainda não conseguem inter-relacionar todos os pilares que compõem a sustentabilidade nem comunicá-lo com eficiência. A correção desse “gap”, no entanto, já est
Uma análise detalhada da pesquisa “Mulher na Comunicação e Sustentabilidade”, realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Empresarial (Aberje) chama a atenção, sobretudo, por duas constatações. A primeira, curiosa e desafiadora, é a de que 89% das profissionais de comunicação entrevistadas desconhecem o conjunto de investimentos feito por suas empresas em sustentabilidade. A segunda, quase um alívio, decorre da primeira: existe um mundo de oportunidades no universo corporativo para que os profissionais de comunicação, estratégicos pela função que exercem, trabalhem mais e melhor o conceito.
“A impressão que tenho é que se fala muito em sustentabilidade, em todo lugar, a toda hora, mas ninguém sabe exatamente o que isso significa. Profissionais e empresas abordam o tema de acordo com o foco de seu negócio, mas ninguém está cuidando de apresentá-lo sob um discurso unificado, que considere toda a complexidade envolvida no conceito” – opina Suzel Figueiredo, diretora do Databerje (instituto de pesquisa da Aberje) e uma das coordenadoras da pesquisa. “É um assunto do qual todos tratam, mesmo não tendo a clareza necessária. Porque as pessoas ficam constrangidas em falar que não sabem”, completa.
Para a realização do estudo, a Aberje ouviu 114 mulheres, profissionais dos vários níveis hierárquicos da área de comunicação de 110 empresas, todas incluídas na lista das 500 maiores.  IdéiaSocial conversou com apenas 5 executivas, não necessariamente entrevistadas pela pesquisa.
Conceito novo e falta de foco e estratégias claras

Sobre o fato de praticamente nove em cada dez entrevistadas pela Aberje declararem não saber o volume de investimento da empresa em sustentabilidade, as explicações variam. “Como o conceito é relativamente novo e permeia toda a organização, é muito difícil alguém arriscar dizer que o investimento de sua empresa em sustentabilidade é ‘x’, porque ele está muito pulverizado, distribuído em vários setores”, diz Odete Duarte, diretora de Comunicação Corporativa da Rhodia para a América Latina.
Em sua opinião, as corporações ainda não estão preparadas para rastrear todos os investimentos que poderiam ser contabilizados sob o guarda-chuva da sustentabilidade. “Outra coisa que pode estar acontecendo é a falta de foco das próprias empresas que não têm uma estratégia clara para sustentabilidade, o que dificulta o trabalho do profissional de comunicação”, arrisca Daniela de Fiori, diretora de Comunicação do Wal-Mart. Não saber o valor do investimento total da empresa em sustentabilidade não significa que o profissional não tenha acesso a essa informação. Para Paula de Santis, gerente de Comunicação Corporativa da Whirlpool,“é preciso que as empresas consigam consolidar essas informações de modo que uma determinada área possa enxergá-las de sob o ponto de vista do tripé econômico, social e ambiental que compõe o conceito da sustentabilidade”.
Triple Bottom Line na berlinda
A associação do conceito ao tripé “economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto” é o outro problema identificado pela pesquisa da Aberje. Apenas 13% das entrevistadas fazem essa referência ao chamado triple bottom line quando solicitadas a mencionar uma palavra ou imagem associadas à sustentabilidade. A grande maioria  (21%) relaciona o tema diretamente ao meio ambiente. “É bom lembrar que a área de meio ambiente, especialmente nas indústrias, já existia muito antes do desenvolvimento do conceito de sustentabilidade. Quando se começou a falar de responsabilidade social, em muitas empresas o tema acabou ‘caindo no colo’ da Comunicação. Mas, em muitas delas, também, o meio ambiente continuou como uma área separada. E, normalmente, uma área que já tinha dono”, observa a gerente da Whirlpool.
Suzel Figueiredo, do Databerje, lembra, ainda, que o setor industrial é justamente o de maior representação na amostragem da pesquisa – 51,7% das entrevistadas contra 40,3% do segmento de prestação de serviço e 8% do comércio. Isso explicaria o percentual maior de respostas associadas apenas ao meio ambiente. “Nas indústrias, a questão do meio ambiente é muito forte, porque os processos industriais, até pela natureza dos negócios e pela legislação, precisam considerar a sustentabilidade, tanto por uma questão de sobrevivência do próprio negócio quanto do planeta”, completa.
A diretora do Wal-Mart ressalta, também, um outro aspecto: “Quando se fala em sustentabilidade, uma das definições clássicas é a de viver preservando os recursos para que as próximas gerações possam usufruí-los. Também é comum pensarmos na preservação do planeta face a todas as recentes pesquisas e estudos relacionados ao aquecimento global. Talvez ainda falte o entendimento de que também é necessário preservar a sociedade, principalmente em um país como o Brasil, no qual as questões sociais são tão graves”.
“Eu também sou responsável”

Apelar á tomada de consciência individual, à responsabilidade de cada um para com o negócio da empresa, a sociedade e o planeta tem sido a estratégia de muitas organizações interessadas em disseminar o conceito da sustentabilidade. É o caso da Rhodia, que aboliu as impressoras individuais em seus escritórios e passou a organizar pools de impressão. No primeiro momento, conta a diretora de Comunicação, uma campanha mostrou aos funcionários o quanto a medida possibilitava de economia de custo para a empresa, bastando que, para isso, cada um caminhasse alguns metros a mais até a impressora.
Numa segunda etapa, a comunicação não tratou mais do custo financeiro, mas sim das árvores que podem ser poupadas com a economia de papéis impressos. “Na medida em que cada funcionário se conscientiza de que a ação dele pode não apenas economizar recursos para a empresa, mas, principalmente, melhorar sua qualidade de vida, ele começa a internalizar a atitude do ‘eu também sou responsável pelo planeta’. Aí ele adere com muito mais facilidade”, diz Odete Duarte.
É justamente a bandeira do “eu também sou responsável” que muitas executivas começam a empunhar, não só no esforço de uma melhor compreensão da temática, mas também no da difusão do conceito de sustentabilidade. “Cabe ao profissional de Comunicação buscar o auto-esclarecimento no que diz respeito à sustentabilidade e, mais do que isso, levar essa discussão para os seus pares e líderes”, desafia Rosana Dias, diretora de Comunicação Externa da Embraer. Para ela, o profissional de Comunicação deve saber que o conceito existe, como é tratado e como deve ser comunicado para o público interno e para o mercado. “É nosso papel suscitar essa discussão e propor ações para que o conceito fique claro para todos”, completa.
Profissional precisa enxergar além para traduzir e  informar
Na busca pelo aperfeiçoamento conceitual, a diretora da Rhodia, por exemplo, passou a freqüentar os encontros do Progesa (Programa de Gestão Estratégica Sócio-Ambiental), da Universidade de São Paulo. “Poderia trocar conhecimentos apenas com os meus colegas da Comunicação. Mas participo desse grupo de estudo porque ele é multidisciplinar. Assim, tenho contato com a visão de outros profissionais sobre o tema. E posso fazer uma reflexão mais ampla sobre como ele vem sendo trabalhado nas empresas. Por ser novo, as organizações estão buscando um norte. Primeiro precisamos nos informar, para depois comunicar isso no dia-a-dia da empresa e para o mercado”, reflete.
Nesse ponto, aliás, a representante da Aberje faz uma espécie de mea-culpa:  “Estamos planejando montar grupos de estudo aqui na Aberje, para tentar alinhar essa comunicação sobre o tema sustentabilidade, com o objetivo de que os nossos colegas jornalistas entendam melhor o conceito”, diz Suzel. Já Valéria, diretora de Comunicação Corporativa da HP, lembra o papel das universidades. “Isso tem que começar na faculdade. É fundamental! E nós, como profissionais de Comunicação, temos que ajudar cada vez mais nesse sentido. O aluno ainda vem para as empresas com muito para aprender e não está preparado para falar de sustentabilidade. É não é só o aluno de Comunicação que tem que aprender, porque estamos falando de negócio. É também o de Administração e  o de Economia”, indigna-se.
As executivas admitem que ainda há um longo caminho a percorrer. “Mas vejo isso como uma ótima oportunidade para que os profissionais de Comunicação trabalhem cada vez mais com os grandes temas dentro das empresas”, comemora Odete. Para Valéria, no futuro não deverá existir uma área específica para tratar de sustentabilidade, porque o conceito vai permear todo o negócio. “É o que aconteceu, 15 anos atrás, com qualidade e gestão: não são conceitos específicos de uma área, fazem parte de todas elas, normalmente. Algo semelhante deve ocorrer com a sustentabilidade: cada área vai gerir o seu negócio dentro desse princípio. De qualquer modo, o profissional de Comunicação precisa enxergar tudo isso. Ele não tem a obrigação de gerir, sozinho, a sustentabilidade do negócio, mas sim a de enxergar e disseminar essas informações.”
Não apenas “elas” desconhecem o conceito
Embora a pesquisa da Aberje deixe muito claro que o conceito de sustentabilidade ainda se encontra um tanto fluido para boa parte das profissionais de Comunicação, os coordenadores do estudo garantem que não se trata de uma questão de gênero. “Absolutamente! Entrevistamos mulheres de todos os níveis da área de Comunicação e pudemos observar que elas ainda são maioria: representam quase 70% do total de profissionais, embora quando se trate da gestão, o domínio ainda seja masculino”, diz a diretora do Databerje.
Para Suzel, no entanto, se a pesquisa incluísse os homens em cargos semelhantes, a conclusão não seria diferente: “Posso garantir que igualmente eles desconhecem o tema em toda a sua profundidade”, avalia. Hierarquia tem peso maior do que gênero. O conhecimento é significativamente maior quando são avaliados os profissionais em cargo de diretoria. “As empresas que têm planejamento estratégico em geral organizam a Comunicação em diretorias, portanto, também como setor estratégico da organização. Quando a Comunicação está pulverizada em várias áreas da empresa, o entendimento do conceito de sustentabilidade fica um pouco mais complicado”, conclui Suzel.
Outra questão levantada pela diretora do Databerje é a relação entre sustentabilidade e a natureza das organizações. “Nas empresas de capital aberto, que têm ações em Bolsas de Valores, esse conceito está no DNA”, diz. Rosana, da Embraer, concorda: “Nós, como uma companhia de capital aberto, temos uma série de compromissos com todos os nossos parceiros, todos os stakeholders, o que faz com que a sustentabilidade seja vivenciada de maneira intensa e muito transparente. Na Embraer, portanto, a sustentabilidade é a estratégia, o que não impede que os profissionais da Comunicação tomem a dianteira dessa discussão e levem para seus superiores”, diz.
Para Rosana, a Comunicação tem a obrigação de provocar o debate sobre o assunto na companhia. “Às vezes acontecem várias pequenas ações, dentro das companhias, o que dificulta ao profissional enxergá-las como conjunto. Mas quem faz a Comunicação tem que tentar olhar além. Especialmente no caso de conceitos novos, precisa traduzir isso para os demais profissionais.” Rosana entende, no entanto, que as empresas operam em ritmos diferentes. “Isso não significa que estejam atrasadas. Pode ser que se encontrem num estágio anterior, mas vão chegar lá. Todas as empresas querem a perpetuidade. Portanto, cada vez mais, deverão perseguir a sustentabilidade como uma obrigação, não uma opção”, completa.
Em casa, elas são “mais sustentáveis”
As pequenas ações que podem fazer diferença na sustentabilidade das empresas são, aliás, mais intensamente notadas na vida pessoal do que na profissional, revela ainda a pesquisa da Aberje. Setenta e quatro (74%) das profissionais consultadas consideram-se muito engajadas ou engajadas com o tema sustentabilidade em suas empresas. Já no campo pessoal, a percepção de engajamento é substancialmente maior: 95% das entrevistadas declararam ter mudado seus hábitos de consumo nos últimos quatro anos, o que revela uma preocupação real com o esgotamento dos recursos naturais e o futuro do planeta. Mais da metade delas (52,8% ) afirma que suas mudanças se encaminharam na direção de reduzir, reutilizar e reciclar o que consomem.
Para Valéria “o fato de as pessoas estarem mudando hábitos em  sua vida pessoal faz toda a diferença!” Daniela concorda que é normal as pessoas inicialmente tomarem decisões nos patamares em que são diretamente afetadas. “Faz parte da natureza humana”, diz ela. Ainda segundo a executiva, diferentes estudos  demonstram que a melhor forma de engajar as pessoas na questão da sustentabilidade é sensibilizá-las para aqueles pontos nos quais são individualmente tocadas. “Além disso, se a liderança acredita pessoalmente na causa, isso, com certeza, lhe confere maior credibilidade para encabeçar processos de mudança internos”, explica.
Se há uma característica feminina que possa levar ao compromisso com a sustentabilidade, ela está na maternidade para 27% das mulheres pesquisadas. O que não significa que as entrevistadas considerem menos relevante o sentimento masculino sobre a preocupação com a continuidade da espécie.
“A maternidade e a paternidade estão muito interligadas. Cada vez mais os casais dividem as tarefas em relação aos filhos e discutem juntos assuntos de futuro”, diz a diretora da HP. Valéria Café concorda, no entanto, que a maternidade e a paternidade têm, sim, influência direta no engajamento pessoal com a sustentabilidade. “Ser mãe e pai faz com que nos preocupemos com o futuro dos filhos que a gente tanto ama! Quando se tem filhos, tem-se, também, uma visão diferente do mundo”,  completa. Daniela concorda, em termos. Para ela, a mulher revela sim maior preocupação com a sustentabilidade. “Muitos estudos mostram que a natureza feminina é muito mais ligada à maternidade, portanto acredito que as mulheres acabam sendo mais sensíveis”
Ainda segundo a pesquisa da Aberje, outros atributos femininos foram lembrados durante o estudo como fundamentais ao compromisso com a sustentabilidade. Por exemplo, a sensibilidade, o zelo e a consciência das mulheres. Quanto a isso, no entanto, a diretora da HP é implacável: “Homens e mulheres são diferentes, graças a Deus! Mas não acredito que a sensibilidade sobre um assunto tão importante varie conforme o sexo. Al Gore fez o filme (Uma Verdade Inconveniente, ganhador do Oscar de melhor documentário de 2006), não uma mulher. Até porque ele quer ser reeleito. E, hoje, essa é uma questão fundamental! Para homens, mulheres e para o Planeta”, aposta.
Empresas estrangeiras valorizam mais o meio ambiente; para as nacionais, o social ainda é mais importante
Embora apenas 13% das entrevistadas pela Aberje tenham relacionado o termo sustentabilidade ao tripé econômico, social e ambiental, os números mostram que a grande maioria (62% ) faz associações pertinentes ao conceito. No entanto, uma em cada quatro das pesquisadas não enxerga a sustentabilidade a partir de uma visão interdisciplinar. Em 25% das respostas, foram citadas palavras como independência, ética, caminho, credibilidade, apoio, respeito, inteligência e qualidade de vida.
Ainda que com poucas menções, algumas profissionais revelam uma percepção bastante desalinhada do objeto do estudo. Exemplos dessa dissonância são as associações entre sustentabilidade e salário ou, ainda, citações como festas de final de ano para funcionários.
Ainda em relação à interdisciplinaridade do tema, nota-se que a maior parte das entrevistadas atribui maior grau de importância aos aspectos “ambientalmente correto” (89%) e socialmente justo (81%). O aspecto ambiental apresenta-se como mais relevante para as empresas estrangeiras (98%), enquanto o “socialmente justo” é considerado como o mais importante por 88% das profissionais de empresas nacionais.
“A questão ambiental afeta igualmente países pobres e ricos”, diz Suzel Figueiredo, coordenadora da pesquisa. Daí a tendência das empresas multinacionais recorrerem ao tema como mais importante. “Já as empresas nacionais, que conhecem a história de desigualdade social de nosso País, tendem a atribuir importância maior ao pilar social” – completa Suzel.
O pilar econômico foi citado como muito importante por 57% das entrevistadas. E o “culturalmente aceito” por apenas 34%. Vale lembrar, no entanto, que 94% das entrevistadas apontam como muito importante o “compromisso com as futuras gerações”.

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