Sociedade civil se prepara para as mudanças climáticas

Sociedade civil se prepara para as mudanças climáticas

A elaboração do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA) deve ficar pronta no ano que vem, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Porém, a sociedade civil já está se mobilizando para que ele esteja adequado às necessidades do país. O Observatório do Clima (OC) – rede de ONGs e movimentos sociais brasileiros que atuam na agenda de mudanças climáticas no país – definiu em reunião estratégica que irá cobrar do governo uma posição mais arrojada no PNA, indispensável para proteger a biodiversidade, saúde da população e economia do país.

O objetivo é que ele seja produzido de modo diferente de como foi feita a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas, que começaram em 2011 e ainda não estão totalmente concluídos. Os Planos Setoriais apresentam indicadores e metas de redução de emissão de Gases do Efeito Estufa (GEEs) para os diversos setores da economia, como Energia, Agricultura e Indústria. O objetivo desses planos é garantir o cumprimento das metas de redução de GEEs indicadas na Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009.

Porém, apesar de ser um ganho, essa Política, bem como os planos setoriais que dela se originaram, apresentavam previsões infladas de emissão de GEEs, o que gerou metas praticamente já cumpridas quando divulgadas, como explica o coordenador do OC, André Ferretti.

“Em 2009, quando a Política foi lançada, o perfil das emissões brasileiras já havia mudado significativamente, já sendo muito menor do que nos cinco ou 10 anos anteriores. Assim, a projeção de emissões para 2020 ficou inflada e, consequentemente, as metas de redução na verdade já estavam praticamente atingidas ao serem anunciadas pelo Presidente Lula na Dinamarca em Dezembro de 2009”, ressalta.

Segundo o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG), lançado em 2013 pelo Observatório do Clima (http://seeg.observatoriodoclima.eco.br/), no setor de ‘mudanças do uso da terra’, onde estão incluídas as emissões provenientes de desmatamento (responsável por 32,1% das emissões do país), entre 2000 e 2005 foram emitidas entre 1,5 e 2 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Já em 2009, esse número tinha caído para cerca de 647 mil toneladas.

“Em 2009 os índices de desmatamento já eram muito menores que no período de 2000 a 2005. Não fazia sentido usar esses dados desatualizados para projetar as emissões estimadas para 2020. Quando se usa um indicador com números inflados como esse, a proposta de redução se torna falsa. Isso porque o país estava oferecendo um esforço futuro que já tinha atingido nos anos anteriores, de 2006 a 2009!”, ressalta Ferretti que também é coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, instituição que fomenta pesquisas relacionadas aos impactos das mudanças climáticas na biodiversidade.

Com PNA, Brasil tem chance de se preparar melhor

Dessa forma, o OC já está se mobilizando para cobrar do governo uma participação maior da sociedade civil na definição das diretrizes do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA), de modo que não aconteça o mesmo que houve durante a elaboração dos Planos Setoriais e para que os resultados sejam mais satisfatórios. O PNA é um documento que tem por objetivo reunir orientações para promover medidas de adaptação às mudanças climáticas no Brasil, levando em consideração custos, efetividade e benefícios das medidas sugeridas.

Segundo Ferretti, num primeiro momento, será feito um levantamento do cenário atual das discussões sobre o assunto, de acordo com as informações fornecidas pelo Grupo de Trabalho (GT) Interministerial de Adaptação vinculado ao Comitê Interministerial de Mudanças Climáticas (CIM) do MMA. Esse GT é o responsável pela elaboração do PNA e por fazer pesquisas sobre iniciativas de outros países sobre o tema.

No segundo semestre, o diagnóstico será apresentado em um workshop para especialistas no assunto, para debate, e, a partir daí, o OC formulará um documento oficial com as recomendações que devem constar no Plano Nacional. O objetivo é encaminhar esse material como contribuição da sociedade civil para o Ministério do Meio Ambiente. Com o processo de produção conduzido de forma mais participativa, o Brasil tem chances de elaborar um plano à altura dos desafios impostos pelas mudanças climáticas em curso.

Discussões devem focar em adaptação

Durante muito tempo as discussões globais sobre mudanças do clima eram focadas em mitigação. Hoje, com os efeitos dessas alterações sendo sentidas em diversas partes do globo, é preciso discutir e buscar ações de adaptação urgentes, e o PNA é será o primeiro grande marco dessa realidade no Brasil.

“Como as alterações do clima já estão em curso, além de pensar em como abrandá-las, é preciso criar alternativas para adaptar-se a elas, agindo de maneira estratégica a fim de reduzir seu impacto para a biodiversidade, a saúde da população e para a economia do país”, ressalta Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.

Essas ações de adaptação não podem ser trabalhadas de forma isolada. A adaptação às mudanças climáticas precisa ser pensada por regiões, biomas, zonas urbanas e rurais, áreas costeiras, etc. Também é importante que as ações sejam desenvolvidas em vários setores da economia, sendo que o setor energético é um dos mais estratégicos.

Segundo o Observatório do Clima, é preciso diversificar a matriz energética para reduzir a dependência do país das grandes hidrelétricas e da produção de petróleo, rumo a uma economia de baixo carbono. Também é necessário agir na área da infraestrutura, adaptando-se às novas necessidades que as mudanças climáticas têm gerado. Um exemplo é a adaptação de portos e estradas em virtude de alagamentos que podem se tornar mais frequentes e interromper o trânsito de pessoas e mercadorias.

Adaptação baseada em ecossistemas

Cada vez mais tem sido comprovado que os eventos climáticos extremos são resultado das mudanças climáticas em curso, gerando por um lado chuvas torrenciais e enchentes; e por outro, períodos de secas maiores. Por isso, uma estratégia com que o Observatório do Clima planeja trabalhar é a adaptação às alterações do clima baseada em ecossistemas, o que significa considerar o papel da biodiversidade e dos serviços ambientais.

“O papel dos ambientes naturais de vegetação nativa nessa adaptação é de extrema importância. No caso da questão da água, a cobertura vegetal auxilia na sua absorção e na proteção do solo, evitando a erosão e reabastecendo os mananciais subterrâneos, contribuindo para a segurança hídrica”, explica Ferretti.

Essa adaptação compreende medidas para conservar, recuperar e utilizar adequadamente os recursos naturais, pensando em ações específicas para cada bioma, visto que as consequências serão sentidas de forma diferente em cada um deles. De acordo com o 5º relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado no início deste ano, a Amazônia, que é um bioma extremamente úmido, terá redução dessaumidade nos próximos anos, o que pode prejudicar a ocorrência de chuvas também no Sul e no Sudeste.

O Cerrado e a Caatinga, que já são mais secos naturalmente, também tem previsão de diminuição da quantidade das chuvas, necessitando de ações efetivas de conservação para que a biodiversidade e as populações não sofram ainda mais. No caso do Cerrado, a queda nos índices pluviométricos pode representar menor vazão em rios e mananciais de outras regiões do país, abastecidas por rios cujas nascentes estão no bioma.

Meta para dinamarquês ver

2004 – Lançamento do 1º Inventário Nacional de Emissões de GEEs, que conta com dados 1990 a 1994.

2009 – Brasil assume compromissos voluntários de emissões de GEEs na Conferência da ONU sobre mudanças climáticas (COP 15), em Copenhage.
2009 – Compromissos assumidos na COP 15 são integrados à Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal 12.187/2009). A meta assumida pelo Brasil era reduzir entre 36,1% 38,9% suas emissões projetadas até 2020. Essa meta foi feita com base no 1º Inventário, de 2004; e nos dados preliminares do 2º Inventário, de 2010.
2010 – Lançamento (dos dados preliminares) do 2º Inventário Nacional de Emissões de GEEs, que conta com dados de 2000 a 2005.
2010 – Visando a garantir o cumprimento compromisso voluntário de redução de emissões do Brasil, já incorporado à Política Nacional sobre Mudança do Clima, foi elaborado o Decreto nº 7390/2010. O decreto previa a elaboração de Planos Setoriais para nove setores da economia: incluindo de ações, indicadores e metas específicas de redução de emissões, além de mecanismos para a verificação do seu cumprimento. Até maio de 2014, oito estavam finalizados, sendo que aquele referente à siderurgia ainda está em fase de elaboração.

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