Desde a primeira semana de novembro, a Ashoka Empreendedores Sociais tem uma nova presidente mundial. E ela é brasileira. Há dez anos na organização, Anamaria Schindler assumiu a nova função com o desafio de construir “mais pontes entre os setores privado e social”, trabalho ao qual já vem se dedicando nos últimos três anos. Socióloga formada pela Universidade de São Paulo, doutora em Fialantropia Corporativa, Annamaria dividirá com a norte-americana Diana Wells (co-presidente, no modelo de liderança proposto pela organização) a responsabilidade pelo desenho das estratégias globais da Ashoka nos 53 países em que atua.
Aos 25 anos, pioneira no desenvolvimento do empreendedorismo sociail, a Ashoka possui um orçamento anual de 20 milhões de dólares, metade do qual destinada a identificar, selecionar e financiar empreendedores sociais, também conhecidos como fellows. Hoje a organização conta com 150 fellows por ano. No Brasil, são entre 17 e 20. “Precisamos atingir todos os países, especialmente aqueles com maior concentração humana, como a China. Mas já estamos na Índia e começamos a trabalhar em alguns países do Oriente Médio”, afirma uma entusiasmada Anamaria.
No último dia 16 de novembro, ela recebeu o jornalista Ricardo Voltolini, diretor de redação de Idéiasocial, para uma rápida conversa, na qual tratou de temas como cenários e tendências do empreendedorismo social e o maior interesse dos empresários brasileiros pela questão social. Os melhores trechos deste bate-papo inauguram a seção Réplicas.
Empreendedor social, um em dez milhões
” Independentemente do país de origem, os empreendedores sociais são, em essência, muito parecidos. Já fiz seleção de empreendedores na Índia, na África do Sul, nos EUA, na Europa e na América Latina. Muda a língua falada, mas não a linguagem essencial. Todos têm, em comum, o fato de serem indivíduos com um modo muito particular de pensar o mundo. Todos têm o mesmo desejo de transformar este mundo, de converter em ação suas idéias de desenvolvimento social e humano. Todos mostram uma capacidade de não abrir mão de valores e de não descansar enquanto não vêem seus projetos se tornarem uma realidade para milhares de pessoas. É essa obstinação que os distingue dos demais seres humanos. E os faz singulares. Segundo a experiência da Ashoka, identifica-se um empreendedor social a cada dez milhões de habitantes por ano.”
Ciclo de vida do empreendedor
” O empreendedor social tem um ciclo de vida. A Ashoka entra no momento inicial deste ciclo, em que ele teve uma idéia, já a testou, viu que funciona, mas ainda ninguém lhe deu atenção. Entre este momento e a transformação da idéia em um modelo replicável, numa política pública, pode levar dez anos. Quando o empreendedor social atinge a maturidade, suas idéias e ações estão prontas para influenciar a vida de milhões de pessoas. Atender 150 empreendedores por ano pode até parecer uma meta tímida. Mas não é. Nos próximos anos, teremos uma massa crítica importante de agentes transformadores da realidade de seus países e do Planeta. A ação do empreendedor social será suficiente para reverter a história da humanidade? Acho que em alguns casos sim, como os dos processos que envolvem educação. Em outros não, como nas ações relacionadas a meio ambiente, que dependem de inúmeras outras variáveis e mudanças importantes no plano individual.”
Empreendedores sociais em rede
” Nos seus primeiros dez anos, a Ashoka trabalhou com foco na identificação de empreendedores sociais. Durante este período, acreditamos que não havia nada mais poderoso do que uma idéia inovadora nas mãos de um empreendedor. Com o tempo, vimos que existe sim: várias idéias inovadoras nas mãos de um grupo de empreendedores, devidamente reconhecidos e apoiados em suas cidades e seus países. Não há resultado de transformação social possível sem uma infra-estrutura adequada. Por essa razão, temos trabalhado para fortalecer ou mesmo inovar a infra-estrutura do campo social, preparando o empreendedor para o seu grande e permanente desafio de sustentabilidade.”
Os Princípios de trabalho
” Na Ashoka, descobrimos que, embora os modelos possam ser estabelecidos de maneiras diferentes pelos empreendedores, em diferentes países, os princípios de trabalho subjacentes não têm fronteiras. E estes princípios devem perpassar todos as ações dos empreendedores com quem trabalhamos. Na educação, por exemplo, valorizamos o princípio de que toda a criança tem a capacidade de aprender. Para tanto, na Índia, no Peru ou na Hungria, a educação precisa ser democrática e formar um ser humano mais autônomo. Um outro princípio é o da ética e empatia entre os jovens. Há um consenso de que os jovens devem ser ouvidos e de que o melhor diálogo com eles gera confiança e uma sociedade mais saudável. Um outro princípio é o da cidadania econômica plena. Não por acaso, temos selecionado muitos projetos focados em pequenos produtores, por que entendemos que eles representam uma massa na economia mundial, cuja ascensão econômica, a partir de acesso a microcrédito, melhoria de produtividade e distribuição, pode promover uma grande mudança na qualidade de vida do planeta.”
Ferramentas de gestão no terceiro setor
” Muitas organizações sociais resistem ainda ao ingresso das ferramentas de gestão no campo social. Particularmente, acho importante esta resistência ideológica, desde que feita de modo fundamentado e não cego. Por que ela nos obriga a avaliar os limites, a respeitar as fronteiras e a construir modelos mais adequados. Afinal, ainda estamos no começo de um processo. A resistência ideológica, crítica e analítica, nos ajuda a fortalecer valores. Em nossa parceria com a consultoria McKinsey, no desenvolvimento de planos de negócio, conseguimos fazer uma boa adaptação dos conhecimentos de gestão empresarial para o campo social: contribuímos para melhorar a capacidade de gerenciamento das organizações, preservando os seus valores, fortalecendo a sua missão e respeitando integralmente códigos e comportamentos organizacionais específicos na relação com as comunidades.”
Mais pontes entre o privado e o social
” É realmente impressionante o que aconteceu no Brasil. Os muros entre o privado e o social diminuíram muito nos últimos dez anos. E hoje o nosso país é uma referência mundial no debate sobre a responsabilidade social e o empreendedorismo social. Temos uma posição de liderança importante. Em nenhum lugar do mundo, a responsabilidade social se transformou em tema de agenda nacional como no Brasil. Os empreendedores sociais brasileiros ligados á Ashoka constituem um exemplo de energia e criatividade para outros países. Atribuo esta condição de pioneirismo à ousadia característica do brasileiro e à existência de lideranças que não surgem no mundo com tanta freqüência.”
Os líderes empresariais e seus novos papéis
“Há dez anos, eu fazia mestrado em filantropia corporativa. E nessa época, investigava se o setor privado tinha algum projeto para o país. Após muitas entrevistas, cheguei à conclusão de que não tinha. Este quadro mudou. Acompanho a trajetória de alguns empresários que mudaram muito a sua maneira de enxergar os problemas sociais do País e a sua responsabilidade em relação a eles. Mudou também o modo como o privado se relaciona com o social. Há cada vez mais modelos que são privados porém sociais, e sociais porém privados. Hoje, discute-se, por exemplo, a importância dos chamados negócios sociais, orientados por premissas sociais. E também, entre as empresas, observa-se um maior debate em torno de missões, valores e modelos mais eficazes de atuação no campo social.”
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