Réplicas – Um pensador do desenvolvimento social no campo

Réplicas – Um pensador do desenvolvimento social no campo

De Norberto Odebrecht, sabe-se mais sobre a sua atuação empresarial. Na década de 40, ele criou a Construtora que mais tarde viria a fazer parte do conglomerado hoje denominado Organização Odebrecht, um grupo empresarial de padrão mundial, presente em quase todos os países latinos, nos EUA, na África, em Portugal e nos Emirados Árabes. Suas duas maiores empresas, a Construtora Norberto Odebrecht e a Braskem, figuram no topo do ranking dos segmentos de Engenharia e Petroquímica da América Latina.
O que muita gente não sabe é que Odebrecht é um pensador arguto das questões sociais do País. Aos 85 anos, presidente do conselho de curadores, ele continua ativo à frente da Fundação Odebrecht. A Fundação, que fez 40 anos no final de 2005, dedica-se a sua nova missão: implantar o Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável no Baixo Sul da Bahia – uma região muito pobre onde o Empresário realizou a sua primeira obra e com a qual, por essa razão, mantém uma relação afetiva. Esse programa, denominado Dis-Baixo Sul é resultado de uma parceria entre o Governo Estadual da Bahia, por meio de suas 15 Secretarias, a AMUBS – Associação das Prefeituras de 11 Municípios do Baixo Sul, a sociedade civil organizada e a Fundação Odebrecht – um caso interessante de boa governança.
Satisfeito com os primeiros resultados, que indicam aumento de 100% na renda de trabalhadores organizados nas cadeias produtivas da mandioca, do palmito de pupunha e da tilápia, Norberto Odebrecht busca a realização de um dos seus sonhos: ajudar a formar uma classe média rural próspera, liderada por jovens bem preparados, capazes de produzir com qualidade e de gerar riqueza em harmonia com as tradições, a cultura e o meio ambiente locais.
Em novembro de 2005, ele concedeu uma entrevista ao Jornalista Ricardo Voltolini, diretor de Redação de Idéiasocial, durante a qual discutiu idéias muito particulares sobre desenvolvimento social. O leitor poderá conferir o melhor do seu pensamento nos onze tópicos publicados a seguir:
Perguntas certas, Respostas eficazes
A melhor forma de construir respostas para os problemas sociais do País é fazer as perguntas certas. Diagnósticos adequados possibilitam ações mais inteligentes, integradas, planejadas e eficazes. Permitem soluções melhores e mais completas. O que deseja o cidadão que reside no Brasil estagnado, beneficiário da maioria dos projetos sociais? É preciso ouvi-lo, conhecê-lo melhor. Ele deseja melhorar a sua vida e a de sua família, sair do círculo vicioso da ignorância, da pobreza e da brutalidade. Mas quase sempre não consegue romper sozinho o ciclo. Precisa do apoio de governos, empresas e organizações da sociedade civil, que estimulem oportunidades de crescimento e de desenvolvimento. Necessita de lideranças perceptivas, criativas e inovadoras, capazes de interpretar seus sonhos, anseios e necessidades.
Métodos de intervenção inteligentes
A finalidade de toda ação voltada para o crescimento e o desenvolvimento sustentáveis de seres humanos deve ser o bem coletivo. A idéia do bem coletivo carrega elementos de moral e de ética. Não é moralmente aceitável que alguém esteja impedido de se beneficiar do bem coletivo. Também não é eticamente aceitável desfrutar dele quando muitos se vêem privados. Diante deste dilema, o que resta aos seres humanos conscientes de seu papel de cidadania é desenvolver métodos de intervenção social inteligentes, econômicos e sustentáveis, por meio dos quais se possa ampliar o direito de todos ao bem coletivo. Atuando em conjunto, cada um com seus recursos e competências específicas, empresas e organizações da sociedade civil podem criar tecnologias de desenvolvimento social, testá-las e aperfeiçoá-las junto a comunidades, transformando-as em modelos com potencial de reaplicação ao longo do País. Os governos, por sua vez, podem transformar estes modelos em políticas públicas, conferindo a escala necessária para atender ao desafio de mudança social que o País reclama.
Uma Classe Média Rural próspera
O desenvolvimento regional é uma solução possível para a atual crise que enfrenta o País. Uma crise que é ao mesmo tempo urbana e rural e não será resolvida apenas com crescimento econômico. A escassez de boas oportunidades no campo expulsa as pessoas para os grandes centros urbanos, que estão saturados, gerando subempregados, excluídos, sem teto e índices de violência crescentes.
O desenvolvimento precisa começar no campo. Seu desafio deve ser o de criar uma sólida classe média rural, capaz de sonhar, de pensar no futuro, de resgatar os filhos que se foram em busca de melhores oportunidades de trabalho e de manter os que podem fazer o mesmo se não tiverem condições dignas de vida. Deve-se promover o enriquecimento das famílias rurais, habilitando-as a poupar. Só consegue poupar quem tem remuneração justa pela sua produção. E só consegue remuneração justa quem sabe adicionar valor aos seus produtos.
As três instâncias do Desenvolvimento
A maioria das ações de desenvolvimento de comunidades considera apenas a dimensão social. O desenvolvimento sustentável implica, no entanto, cuidar também dos aspectos econômico e político. O líder de uma família não precisa de donativos que, no máximo, o tiram da miséria absoluta para colocá-lo na pobreza relativa. O que ele precisa é de condições para viver do seu trabalho. O que ele precisa é de oportunidades para melhorar a sua produtividade, organizar-se com seus pares em torno de interesses comuns, sair de uma agricultura de subsistência para uma agricultura de resultados. O que ele precisa é de um ambiente de estímulo, de crédito e financiamento, de educação de qualidade para seus filhos. A cadeia produtiva proporciona tudo isso. A organização dos pequenos produtores em cooperativas, a melhoria da produtividade dos seus processos e a possibilidade de vender os produtos a preço justo, com a conseqüente justa distribuição desta renda, garantem força política, econômica e social a seres humanos que, isolados, são frágeis e não conseguem fazer valer seus direitos.
Os quatro capitais
Uma intervenção social voltada para o crescimento e o desenvolvimento, integrados e sustentáveis, deve trabalhar, simultaneamente, quatro tipos de capital: o produtivo, o humano, o social e o ambiental. O capital produtivo consiste nos recursos capazes de gerar riquezas e favorecer a criação de oportunidades de trabalho e renda para os integrantes de uma comunidade. O capital humano integra os valores, atitudes, conhecimentos, competência e habilidades, permitindo aos partícipes de uma comunidade desenvolverem seu potencial, aproveitarem as oportunidades e se inserirem produtivamente no mundo do trabalho. O capital social é a capacidade de uma comunidade formular objetivos superiores e comuns de longo prazo, de gerar coesão social em torno desses objetivos e de manter um propósito firme ao longo do tempo. O capital ambiental reúne os recursos oriundos do meio ambiente que resultam do uso sustentável pelos seres humanos. Esses recursos devem promover uma interação entre o legado recebido da natureza pelas gerações atuais e aquele que precisa ser oferecido às gerações futuras.
O que se deve fazer numa parceria do tipo ganha-ganha
Não existe mais espaço no Brasil de hoje para modelos de desenvolvimento em que alguns ganham e outros perdem. Interesses individuais e coletivos podem e devem ser harmonizados. Vive-se o tempo das parcerias do tipo ganha-ganha. Mas para que elas ocorram na prática, é importante que observem cinco fatores. Tome-se como exemplo a cadeia produtiva. O primeiro fator diz respeito à eficácia: tudo é possível, desde que, ao final do processo, haja economia de tempo, redução de intermediários e de gastos sem comprometimento dos resultados. O segundo refere-se ao enfoque na contribuição: para atingir um objetivo superior e comum a todos os atores envolvidos (públicos, privados e público-privados), deve haver disciplina, respeito e confiança entre as partes e em relação às regras do jogo. O terceiro tem a ver com tornar produtivas todas as forças, conferindo à cadeia um significado original, relevante e impactante. O quarto fator relaciona-se com a idéia de definir e concentrar-se em uma prioridade, como, por exemplo, gerar oportunidade de trabalho e renda e sua justa distribuição para uma comunidade. E o quinto: decidir de forma a obter mais impacto nos resultados do que em técnicas.
Organizações fortes, País forte
Um país forte se faz com organizações fortes. E organizações fortes nascem de seres humanos com culturas fortes, crenças sólidas e valores firmes. As ações da Odebrecht, inclusive as de natureza social, baseiam-se em uma cultura chamada Tecnologia Empresarial Odebrecht que tem, entre outras, as seguintes premissas básicas: 1) o ser humano é agente do seu próprio destino e, portanto, tem a capacidade de planejar e realizar a vida que pretende viver, com base em seus desejos, motivações e decisões; 2) toda organização se presta a servir ao próximo, ao cliente e à sociedade, e essa deve ser a principal preocupação dos que nela ou com ela trabalham; 3) uma organização se faz com líderes autênticos, seres humanos que operam o próprio destino, capazes de ter um sonho e de reunir terceiros no caminho da realização deste sonho – os líderes são essenciais para a vida, o crescimento e a perpetuação das causas, organizações e empresas; 4) uma organização só é sólida e bem-sucedida se seus integrantes têm valores nobres e distintivos, como por exemplo, a integridade, a honestidade e a confiança, alcançada com muita disciplina, os espíritos de servir, de abertura e de equipe (fraternidade e solidariedade), a empatia (o respeito integral ao próximo), a seriedade (o respeito aos pactos, aos acordos, às regras e às instituições), o conhecimento (resultante da educação) e a cooperação (sinergia).
O poder do Protagonismo Juvenil
A adolescência é uma fase muito especial da vida do ser humano. É o momento em que se questiona a tudo e a todos, em busca de paradigmas que irão orientar a vida. O adolescente quer transformar o mundo, começando pela vida de sua família e da comunidade onde mora. E ele pode fazer isso, porque carrega ideais de mudança, tem a mente aberta ao novo, sede de justiça e o anseio de tornar-se melhor do que seus pais para poder dar mais a eles. Só precisa de oportunidades adequadas.
O adolescente pode ser protagonista mudando para melhor a vida de sua comunidade. Bem estimulado e devidamente orientado, pode promover transformações culturais e estruturais. Pode se converter em empresário capaz de gerar oportunidades de trabalho e renda. Pode se converter em líder e agente de desenvolvimento.
Um modelo sensível de Educação Rural
A escola rural está dissociada da realidade do campo porque desrespeita as vocações e as culturas regionais. Seus currículos reproduzem a realidade urbana. Não atendem à lógica do trabalho no campo, gerando muitas faltas e evasão, especialmente nos períodos de plantio e colheita, quando os pais precisam do apoio dos filhos. Por isso, as casas familiares, que nasceram na França, representam uma excelente solução para a educação dos adolescentes e dos jovens das zonas rurais. A sua proposta baseia-se na pedagogia da alternância. Com o método de ensino dual, o estudante passa uma semana em regime de internato numa casa familiar, onde recebe aulas em sala e no campo sob a orientação de técnicos especializados; e duas semanas na propriedade de seus pais, colocando em prática o que aprendeu. Em seguida, retorna para um novo ciclo de alternância. A casa familiar é uma alternativa inteligente, que pode ser transformada em política pública de educação rural em todo o País.
Competências para quem deseja atuar no campo social
Quem quer trabalhar no crescimento e desenvolvimento de uma comunidade precisa conhecer os fatos históricos, culturais, econômicos, sociais e políticos da sociedade ou grupo social junto ao qual pretende atuar. Precisa, também, saber identificar as forças, contradições, disputas internas e lideranças, além de ter as habilidades para estabelecer pontes e alianças. O prestador de serviços social deve reunir, cultivar, dominar e praticar, entre outras, as capacidades de: perceber as oportunidades de mudanças e a elas se antecipar; compreender as aspirações e frustrações da sociedade local; conhecer e tirar proveito de todas as formas de diversidade; pautar-se por noções de eficiência, eficácia e efetividade; identificar e reunir os fatores de transformação com o objetivo de conferir visibilidade às inovações, garantindo o real desenvolvimento sócio-econômico-político-científico da comunidade; exercer respeito por meio da conduta ética e moral de suas ações e obediência aos valores culturais da comunidade; perceber e distinguir o desejo da necessidade; elaborar e gerenciar projetos, assegurando-lhes fluxo, exeqüibilidade, conseqüência e resultados; imaginar, a partir das necessidades locais, um sonho coletivo, partilhá-lo e concorrer para que ele obtenha a verdade histórica e sua realidade; amar a comunidade e a causa escolhida, buscando o que é certo e melhor para todos e para o todo.
As quatro armadilhas para quem deseja atuar no Campo Social
Quem se propõe a atuar no crescimento e desenvolvimento sustentáveis de uma comunidade deve evitar quatro armadilhas para que o seu trabalho alcance bons resultados. A primeira é a da auto-suficiência do método. Há uma tendência do prestador de serviços valorizar as suas experiências em detrimento das práticas e valores locais. Assim, ele deixa de transferir estratégia e tecnologia. Não constrói o projeto com a comunidade, que não se apropria dele e, portanto, não assume sua responsabilidade. A segunda armadilha é a da metamorfose de clientes. Ao contrário do que acontece nas empresas, no trabalho social o cliente (a comunidade) quase nunca paga pelo serviço. Na maioria dos casos, os financiadores são os governos, organismos internacionais ou empresas, os quais, na busca de um retorno sob a forma de resultados concretos, podem pressionar o prestador de serviços, levando-o a ter dúvidas sobre quem é, de fato, o cliente.
O cliente principal será sempre a comunidade e não o financiador. A terceira armadilha está relacionada à segunda: é a pressa na obtenção de resultados. O tempo social é diferente do tempo empresarial. Embora todas as comunidades queiram resultados rápidos, os projetos demandam um tempo específico de maturação, de envolvimento e de educação dos atores envolvidos. Esse tempo deve ser percebido e respeitado para não inviabilizar boas iniciativas. A quarta e última armadilha é a do desejo de liderar: no ímpeto de produzir resultados para o financiador, o prestador de serviços pode incorrer no erro de “praticar uma liderança local”, nociva para o sucesso do projeto. Seu papel deve ser sempre o de coadjuvante. E a sua missão deve ser a de descobrir as verdadeiras lideranças locais, criando mecanismos para fortalecê-las, nunca substituí-las.

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