“As pessoas doam mais se entre o impulso de doar e o ato em si, o tempo for menor que três minutos”, sentencia Olga Alexeeva, uma das mais importantes especialistas mundiais em filantropia e investimento social. Ex-diretora da CAF (Charity Aid Foundation) Rússia, tendo sido responsável pelo desenvolvimento da filantropia e do investimento social naquele país, Olga trabalha hoje no Programa Fiduciário da CAF- Reino Unido. Jornalista por formação, trabalhou em diversos periódicos, incluindo a Gazeta Rossyiskaya e o semanal Sobesednick. Durante o período em que atuou na imprensa, especializou-se no segmento da reforma social e no desenvolvimento da sociedade civil. Ao assumir o desafio da CAF, mudou de profissão, mas não de tema de interesse.
Autora de mais de 300 artigos, publicados em jornais e revistas especializados, ela escreveu três livros sobre o terceiro setor. Who helps Children (Quem ajuda Crianças) foi sua primeira obra em 1994. Depois, lançou Charities in Russian regions (Organizações Russas de Caridade), em 1995 e Third Sector or Charity for Beginners (Terceiro Setor ou Caridade para Iniciantes), em 1997. Olga foi também co-autora de Working with the non profit sector in Rússia (Trabalhando com o setor não lucrativo na Rússia) (1997), publicada no Reino Unido. Em sua visita a São Paulo, no último mês de abril, participou do seminário organizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, onde foi estabelecida uma parceria pela qual o IDIS passou a representar a CAF no Brasil e na América Latina. Antes do encontro, Olga conversou com o jornalista Ricardo Voltolini, diretor de redação de Idéiasocial, por quase uma hora – um bate-papo conciso marcado pelo relato dos seus desafios ao longo de 12 anos à frente da CAF Rússia – sete deles como diretora –, por comentários sobre os novos rumos da filantropia mundial e por sugestões para a melhora da filantropia no Brasil. Acompanhe, a seguir, algumas de suas idéias.
Um panorama da doação mundial
“Mesmo com os apelos mundiais por inovação no investimento social, a maioria das empresas e pessoas ainda doa como sempre doou: para organizações conhecidas e ligadas à religião (na Índia, 70% das doações destinam-se a templos religiosos, e nos EUA, 60% vão também para projetos com base religiosa). Apesar da descrença global em grandes instituições de caridade, as pessoas continuam doando (Segundo a CAF, a arrecadação total no Reino Unido foi, em 2004, de cerca de 65 bilhões de dólares). Isso pode ser observado, por exemplo, na Rússia, onde estatais como o Teatro Bolshoi recebem mais doações que instituições renomadas. Há a tendência entre doadores individuais de direcionar o dinheiro para propósitos específicos e urgentes, como escolas, ou para instituições que possuem renome e que proporcionam facilidades na hora da doação (90% do total arrecadado seguem para 7% do total de instituições, entre elas o Centro Britânico de Pesquisa do Câncer – Câncer Research UK). Organizações menores não podem arcar com uma aproximação tão profissional e com isso batalham para conseguir doações individuais Não significa que não devemos desenvolver novas formas de doação, mas sim compreender os limites existentes e não anular o estilo de doação tradicional – ele alimenta boa parte do setor”.
O investimento social dos empreendedores pontocom
“Os novos empreendedores, geralmente instalados na Califórnia, EUA, estão no segmento de tecnologia. São os pontocom. Desejando tornar-se empreendedores sociais, emprestam dinheiro de fundações para investir no social e se comprometem a devolver o valor em dobro, só que para a caridade. Futuramente farão investimentos quando tiverem recursos próprios. Revitalizar áreas que estão comprometidas, ou em situação de risco, é outra modalidade de investimento social. Não são casos ligados ao meio-ambiente, mas à situação de pobreza, de risco social. As fundações também entram nessa modalidade de investimento. O que está em foco é a promoção social para uma determinada região que não tem interesse de empresas, mas sim de fundações. Desenvolve-se a área para uma futura geração de negócios”.
As benesses do marketing relacionado a causas
“Marketing de causa é bem visto pela empresas, porque é uma modalidade que permite transferir um pouco da responsabilidade social para o consumidor, fazendo com que a corporação consiga reduzir o seu volume de investimento social. Um exemplo são os saquinhos de doações colocados dentro dos aviões. Nos últimos anos, o valor arrecadado somou 21 milhões de libras. A idéia não é transferir toda a responsabilidade social ao consumidor, mas é viável que se tenha um investimento da empresa, com recursos arrecadados do consumidor”.
Cooperação intersetorial favorecerá o Brasil
“Uma possível solução para os problemas sociais do Brasil é haver uma cooperação entre o setor privado, o governo e as famílias. Os empresários, tendo os investimentos sociais alinhados aos negócios. O governo, assumindo a função estatal. Essas ações projetam uma sólida rede de proteção social. Na Europa, essa rede aumentou o custo de trabalho, já que as empresas não conseguiam mais ser competitivas. Porém, com baixos custos sociais e mão-de-obra barata, a China viu seu rendimento crescer. Existe também o papel das organizações comunitárias, que promovem o empreendedorismo nos pequenos negócios e que têm um papel fundamental nesse intercâmbio entre população e empresas. Se uma região pobre consegue produzir riqueza, a economia se desenvolve e gera recursos. O fluxo de filantropia se inicia nesse cenário”.
Filantropia na Rússia, um país sem talão de cheques
“Na Rússia, as instituições de caridade conquistam doadores se possuírem maneiras fáceis e rápidas de doação. Lá os bancos não fornecem talões e inexiste a cultura de assinar cheques, proibidos durante o governo soviético. Com isso, um indivíduo deve se dirigir ao banco, lembrar-se dos dígitos exigidos para acessar a conta, para então doar uma quantia. A CAF Rússia investiu ativamente em novas formas de doação: indo até o local de trabalho do doador e fornecendo novas tecnologias (mensagens de texto) que podem impulsionar a caridade na classe média. Para ilustrar: ano passado, a CAF Rússia arrecadou com essas novas formas de doação 200 mil dólares da classe média. Ao longo de cinco meses, no ano de 2006, foram mais de 2 milhões de dólares. Isso só demonstra o grande potencial dessa iniciativa. Se você dá a chance a alguém de se importar e de ter compaixão no dia-a-dia, terá seu apoio”.
Eixo da filantropia vai mudar do Norte para o Sul
“Espero que, num período de 15 a 20 anos, o centro da filantropia – onde a maioria do dinheiro doado é efetivamente aproveitada – mudará dos EUA e da Europa para locais com economia emergente, como a América do Sul e a Rússia. Não acredito que o montante total de doações excederá o norte-americano (em 2005 foram arrecadados 5 bilhões de dólares pelo CAF América), mas o superará em qualidade. Existe um mito popular de que a filantropia é tipicamente ocidental, profundamente ligada ao Cristianismo, principalmente ao Protestantismo. Discordo categoricamente e acredito que ela deve se desenvolver em outros ambientes. Um exemplo observado é o da China, onde apesar da inexistência de benefícios fiscais e da falta de responsabilidade social, 50 famílias doaram mais de 160 milhões de dólares para causas assistenciais, num país em que a doação individual inexistia até 2001″.
A Ideia Sustentável constrói respostas técnicas eficientes e oferece soluções com a melhor relação de custo-benefício do mercado, baseadas em 25 anos de experiência em Sustentabilidade e ESG.