Elizabeth Laville

Elizabeth Laville

Estar no lugar certo e na hora certa. São poucas as empresas que conseguem fazer justiça à essa famosa frase popular quando o assunto são os negócios sustentáveis. Para Elizabeth Laville, diretora e fundadora da consultoria francesa Utopies, o senso de oportunidade constitui o principal segredo das estratégias bem-sucedidas para introdução de produtos verdes no mercado, como a linha Ecoimagination, da GE, e o veículo Prius, da Toyota.
Para a autora do livro “L’entreprise verte: lê développement durable change l’entreprise pour changer le monde” (“Negócios verdes – como as mudanças do desenvolvimento sustentável nos negócios podem mudar o mundo”, ainda sem tradução para o português), os consumidores têm um papel importante na promoção de mercados sustentáveis. “Saber identificar quando os clientes estão dispostos a optar por produtos mais responsáveis é o grande desafio para as empresas. No entanto, simplesmente esperar que essa condição de mercado se desenvolva pode resultar na perda de oportunidades. Basta ver o caso do setor automobilístico. Enquanto, a Honda esperava o mercado estar pronto para optar por tecnologias mais limpas, a Toyota lançou o Prius que, em curto espaço de tempo, tornou-se sucesso de vendas”, ressalta Elizabeth.
Laville é uma das especialistas mais experientes no campo da responsabilidade socioambiental na Europa. Atuando à frente da Utopies, já trabalhou em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Pacto Global. Também tem auxiliado na formulação de estratégias de responsabilidade social corporativa para companhias como Ben & Jerry’s, Nature & Découvertes, InterfaceFlor, Carrefour, Lafarge, Veolia, Danone, Michelin, Tetrapak, L’Oréal, SITA/Suez, ST Microelectronics, Rhodia e Alstom, entre outras.
Segundo a especialista, as empresas que têm uma visão de oportunidade em relação à sustentabilidade assumem postura pró-ativa, procurando ouvir os stakeholders e introduzir padrões mais responsáveis no mercado. Elas se encontram em um estágio que a especialista classifica como sustentabilidade 2.0, caracterizado pela revisão não apenas de processos, mas principalmente de produtos e serviços.
Antecedem essas etapas a filantropia corporativa e a sustentabilidade 1.0. Em entrevista a repórter Juliana Lopes, de Idéia Socioambiental, Laville contou experiências dos três estágios de sustentabilidade empresarial, baseadas em 15 anos de atividades dedicadas ao tema.
Cultura de sustentabilidade
O primeiro passo para criar uma cultura de sustentabilidade é entender melhor as questões nas quais a companhia pode ser considerada responsável pelos diferentes públicos de interesse tanto no presente quanto no futuro. Uma boa forma de se fazer isso é organizar reuniões individuais com as partes interessadas. Essa iniciativa costuma até evoluir para algo que fazemos aqui na França, como na Lafarge, por exemplo, que tem um painel permanente de stakeholders. Esses painéis aconselham e acompanham as empresas ao longo dos anos e as ajudam a lidar com questões relacionadas à sustentabilidade, assim como a fazer as conexões necessárias do tema com o negócio.
Inovação
Em paralelo, as empresas que pretendem lançar soluções verdes no mercado devem voltar seus esforços de inovação para a sustentabilidade. Se os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, não estiverem concentrados nessa área, no médio e longo prazos a companhia não terá produtos verdes para lançar no mercado. A segunda mudança que precisa ser feita é no marketing, evoluindo de uma postura reativa para outra pró-ativa. Um exemplo interessante disso é a Bodyshop, primeira indústria cosmética a deixar de realizar testes em animais, prática até então sem precedentes no setor. A Bodyshop educou os consumidores e no final das contas as outras fabricantes foram atrás. Essa prática se popularizou no mercado.
Filantropia corporativa
Em quase todos os países do mundo, as estratégias de sustentabilidade passam por três etapas. A primeira está relacionada à filantropia corporativa. Basicamente, na França, essa fase foi muito forte entre a metade dos anos 1980 e 1990. As empresas começaram a ficar atentas às questões sociais e ambientais e viram que poderia haver alguns riscos caso não fizessem nada a respeito. Assim começaram a se comprometer com atividades de filantropia empresarial por meio de fundações corporativas ou outras instâncias.
As empresas envolvidas com atividades de filantropia corporativa se fizeram algumas perguntas, abrindo-se para novas idéias e novos atores.  As companhias petrolíferas, por exemplo, cujas fundações estavam ligadas à biodiversidade, começaram a ser questionadas. Apesar de gerarem benefícios para a sociedade por meio de suas fundações, continuavam a causar impactos negativos decorrentes de sua atividade industrial.
Sustentabilidade 1.0
Com o tempo, as empresas foram forçadas, de uma forma ou de outra, a desenvolver outras posturas em relação a suas práticas corporativas. Elas tiveram que buscar certificações para as fábricas, repensar práticas e processos em toda a cadeia produtiva, já que não desejavam ter seus nomes associados a trabalho infantil, por exemplo.
Nessa segunda etapa, que chamo de sustentabilidade 1.0, as corporações engajadas começaram a comunicar as suas práticas, publicando-as em relatórios de responsabilidade corporativa. Apesar dessas publicações resultarem, em muitos casos, de processos de diálogo com stakeholders, o poder de transformação dessa ferramenta está muito focado nas práticas corporativas, de modo que os produtos e serviços nem sempre sofrem mudanças significativas.
E isso é um problema. Tome o caso da indústria automobilística, por exemplo. Hoje o carro é um dos produtos mais poluentes em escala global. As fabricantes têm até metas para reduzir as emissões dos seus automóveis, mas além de serem pouco expressivas variam de acordo com a lei de cada região. Nos países onde os veículos são produzidos a regulamentação costuma ser menos rígida.
Dessa forma, o maior impacto da indústria automobilística não está relacionado às práticas industriais ou às instalações das fábricas, mas à tecnologia dos carros e à forma como são utilizados. Cerca de 80% do impacto climático da indústria automobilística deve-se ao uso dos automóveis.
Sustentabilidade 2.0
Companhias como a General Electric iniciaram uma nova fase, a sustentabilidade 2.0, em que os compromissos  já não se limitam mais às boas práticas, mas consideram adaptar seus produtos e serviços. Esse é o terceiro estágio, marcado por uma visão de oportunidade. As empresas estão comprometidas com investimentos em pesquisa, desenvolvimento e  marketing. Para desenvolvimento da linha Ecoimagination da GE, por exemplo, houve grande investimento na área de pesquisa e desenvolvimento. A empresa se comprometeu a dobrar o investimento para essa área, assim como suas vendas.
A Philips, por sua vez, pretende que 30% do seu faturamento seja representado por produtos verdes nos próximos cinco anos.
Essas empresas assumiram uma postura pró-ativa. Desenvolveram as tecnologias mais limpas e, por isso, estão cinco a dez anos à frente do resto das companhias. Mesmo que essas medidas não tenham forte influência no montante de vendas, ainda assim funcionam como boa propaganda para as marcas que acreditam nisso.
No caso da General Electric, por exemplo, desde que lançou a Ecoimagination o seu valor de marca subiu 30%. A Toyota, por sua vez, viu seu valor da marca crescer 47%, desde o lançamento do Prius. Isso tudo não quer dizer que a valorização esteja apenas ligada à sustentabilidade, porém, ela constitui parte importante da equação.
Consumo consciente
As empresas, em sua maioria, pensam que os consumidores estão prontos para receber novos produtos, simplesmente porque representam um mercado específico. O problema é que, às vezes, o consumidor não está pronto, especialmente para produtos muito novos. Nesses casos, a corporação precisa ter uma atitude cooperativa, mesmo porque, se por outro lado for esperar pelas condições favoráveis do mercado, pode perder uma oportunidade e se prejudicar.
Em relação a mercados sustentáveis não é diferente. No setor automotivo, por exemplo, enquanto a Honda esperava o mercado estar pronto para optar por tecnologias mais limpas, a Toyota lançou o Prius, que em pouco tempo se tornou sucesso de vendas. Em abril de 2008, a empresa vendeu mais de um milhão deste carro no mundo. O resultado fez com que seus competidores chegassem à conclusão de que era hora de buscar tecnologias mais limpas, pois já existia um mercado para elas.
Os consumidores têm um papel importante na promoção de mercados sustentáveis, à medida que demonstram às empresas que estão dispostos a optar por produtos mais responsáveis.
Propaganda responsável
Existem bons exemplos no setor de utilidades, como água, eletricidade e gás. As empresas de gás e de eletricidade da França já estão trabalhando nesse sentido, mais por exigência legal do que por escolha própria.  Já as fornecedoras de água têm tomado a atitude de trabalhar sua propaganda e marketing com mensagens voltadas para a economia, mesmo não sendo obrigadas a fazê-lo.
Basicamente essa é uma forma de medir a responsabilidade da empresa. Em uma economia de mercado aberto, a postura responsável faz com que a companhia adquira boa reputação e, consequentemente, mais consumidores. No final das contas, terão mais clientes, que economizarão o produto e também ganharão mais dinheiro, pois serão vistas como empresas responsáveis.
Sustentabilidade de resultados
Se a empresa passa pelos três estágios – filantropia corporativa, sustentabilidade 1.0 e sustentabilidade 2.0 – independentemente de quanto tempo permaneça em cada um deles, existe alguma tendência de evolução no processo de inserção do conceito no centro da estratégia do negócio.
No entanto, minha visão é que a sustentabilidade não pode ser reduzida a uma pequena estratégia que fica ao lado da principal. Analisando as empresas, todas afirmam que a sustentabilidade está integrada aos negócios. Mas, na maioria das vezes, isso não é verdade. Quando prestamos atenção, vemos que a estratégia está mais voltada para adquirir novas companhias e vender outras. A sustentabilidade nunca está integrada nesses assuntos. A implementação plena do conceito requer que esteja inserido em todas as áreas da companhia e isso só é possível se houver integração com a estratégia principal.
Mercados sustentáveis
As tendências para negócios verdes são positivas. Espero que a crise atual ao menos crie uma economia mais sustentável. Basicamente, as razões para essa crise existir giram em torno do pensamento do lucro a todo custo, criando uma situação de destruição dos recursos naturais. Tomara que essa crise não seja totalmente inútil e leve a todos o entendimento de que podemos ter uma economia produtiva, sem destruir os recursos naturais  nem prejudicar as relações humanas.
RSC no Brasil
O Brasil como um todo está em uma situação parecida com a da França em termos de responsabilidade social corporativa. Algumas empresas encontram-se em estágio avançado, mas elas ainda não são regra. Minha impressão é que existem experiências interessantes. No entanto, elas estão mais focadas na postura 1.0.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?