Ignácio de Loyola Brandão

Ignácio de Loyola Brandão

Entrevista Ignácio de Loyola Brandão
 
Um homem de meia idade entra no bar e pede um copo d´água para matar a sede. O rapaz que atende atrás do balcão empoeirado responde com um semblante sarcástico que há apenas urina reciclada para consumo. Ficção?
A situação narrada pode parecer exagero, mas a famosa frase “a vida imita a arte” faz todo o sentido quando comparamos a destruição do meio ambiente e suas consequências com o livro “Não verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão.
Perto de completar 30 anos desde sua primeira edição, a obra que ganhou diversos prêmios mundo afora revela cada vez mais uma semelhança assustadora com a realidade. Como o próprio Ignácio afirma, brincando com o futuro, acabou por documentar a realidade presente.
Em entrevista à Ideia Socioambiental, o autor reflete sobre sustentabilidade o e diz acreditar que o homem não é suicida por natureza, mas só tende a mudar quando se sente realmente ameaçado.
 
Ideia Socioambiental – Algumas situações, que o senhor vivencia atualmente ou lê nos jornais, remetem a passagens de ‘Não verás país nenhum’?
Ignácio: Inúmeras. Esse livro registrou o futuro sem querer. Inventava baseado no que ouvia e exagerava. Chega um momento no livro em que as pessoas passam por bolsões de calor, trechos da cidade que eram evitados. Os cientistas confirmaram que esses bolsões realmente existem.
Em outro momento do livro, acaba o combustível e acontece um grande congestionamento impossível de ser desfeito e as pessoas se recusam a sair dos carros, inclusive algumas morrem dentro deles. O que está acontecendo hoje com o grande número de carros nas ruas? Os picos de congestionamento que antigamente aconteciam em determinada hora da manhã ou da tarde se juntaram em um congestionamento permanente.
São Paulo, no livro, é cercada por uma barreira eletrônica para impedir que a miséria penetre. Há 30 anos, as favelas estavam em volta da cidade, hoje já estão dentro. No livro a cidade é dividida em guetos onde moram os funcionários privilegiados, outro onde moram ricos, corruptos… como os condomínios residenciais, que são guetos fechados. Dentro deles é uma vida e fora, outra.
O problema da água, também é cada dia maior, a questão da poluição dos mananciais. No fundo estamos tomando água misturada com bosta e urina. O que se bebe no livro é a urina reciclada. Muitas vezes eu colocava uma dedicatória “espero que tal futuro não aconteça”, mas está acontecendo.
IS- Quando a questão meio ambiente entrou na sua vida? O tema lhe preocupa até hoje ou foi mais forte naquela época?
Ignácio: Não sou ambientalista e nunca fui militante, sou apenas um escritor que olha a realidade a sua volta. E essa realidade me toca, emociona, traumatiza, impressiona. Mas houve um momento em que uma mulher, onde eu morava, envenenou um Ipê, a árvore mais bonita da rua. Quando soubemos, fomos conversar com a senhora e uma frase me tocou. Ela disse: ‘claro que eu matei essa árvore, ela sempre sujou a minha calçada com as suas folhas. Se não fosse essa árvore maldita e essas folhas, nada disso iria acontecer’.
Foi então que percebi que havia alguma coisa errada e era necessário prestar atenção em volta, a partir desse instante um processo se desenrolou na minha cabeça. Quando lia o jornal, recortava todas as notícias sobre poluição, desmatamento. Montei pastas e mais pastas com esses recortes e o livro começou a nascer.
IS- O senhor acredita que ainda temos tempo de reverter essa situação de crise ambiental que deixa marcas cada vez mais severas nas sociedades?
Ignácio: Acredito numa coisa: que o homem não é suicida. Se ele perceber que está realmente sendo ameaçado de morte, vai mudar. Por enquanto, a questão do meio ambiente parece coisa de ecologista que abraça árvore. E sabemos que não é assim, que a coisa é séria. Acredito na possibilidade de mudança, mas o mundo já será outro, com a natureza bastante danificada.
IS – Na sua opinião, como seria possível conscientizar as sociedades da necessidade de economizar recursos? Apenas quando houvesse falta deles, como acontece com a água em regiões da Europa?
 
Ignácio: Todas as escolas deveriam ter cada vez mais cedo aula sobre meio ambiente. Já existem várias fazendo isso, mas essa deveria ser uma matéria obrigatória no currículo. E mais do que isso, uma matéria obrigatória na universidade. Mas como que se educa em um País onde o ensino é zero? Isso me deixa angustiado. E saúde? Se não tiver saúde uma pessoa vai se preocupar com o meio ambiente? Não.
IS- O senhor acredita que devido ao fato de o brasileiro viver em um país com recursos naturais abundantes, se torna mais relapso à questões ambientais?
 
Ignácio: Tenho medo da situação, pois o brasileiro é o rei do desperdício. O número de pessoas que em plena escassez de água lava a calçada com mangueira, por exemplo, é absurdo. Enquanto não se atingir um nível de consciência de que isso tudo é fundamental, a coisa vai complicar.

IS- O senhor acredita que conseguiu influenciar sua geração sobre os males que poderiam ocorrer ao meio ambiente?

Ignácio: Quando terminei o livro pensei: é um livro chocante, de terror, tomara que mexa com a cabeça de alguém. Mas enquanto estava escrevendo queria apenas fazer um romance na linha “olha, para onde estamos caminhando”. Brincando com o futuro, acabei documentando a realidade presente. Só que enganei o leitor dizendo: isso se passa no futuro, é um jogo.

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