Estudo NEXT – RH: Quantos bottom lines serão necessários para produzir a transformação que desejamos?

Estudo NEXT – RH: Quantos bottom lines serão necessários para produzir a transformação que desejamos?

Por Marcelo Cardoso

“A atual agenda da sustentabilidade é como um band-aid em uma fratura exposta.”
Nilton Bonder

Já se vão 52 anos desde que Primavera Silenciosa, de Rachel Carlson, despertava a humanidade para os riscos ambientais; e o tema, lenta mas consistentemente, passou a integrar a agenda de governos, empresas, academia e sociedade civil. E já se vão mais de 20 anos desde que John Elkington cunhou o termo triple bottom line.

Por que ainda estamos longe de ter instaladas as condições que vão permitir a transformação dos sistemas?

Como um entusiasta e estudioso da Teoria Integral, em minha visão carecemos de incorporar e procurar integrar múltiplas perspectivas, reconhecendo a complexidade, os dilemas, ambiguidades e paradoxos dos desafios que estamos vivendo, e reconhecendo que só uma massa crítica de pessoas sustentando um novo nível de consciência será capaz de produzir as soluções para as questões da humanidade. Esses são aspectos praticamente negligenciados pela atual agenda da sustentabilidade e não se refletem no conceito de triple bottom line.

O conceito de perspectivas e a limitação do triple bottom line

Uma das ideias centrais da Teoria Integral é a de que a realidade emerge em múltiplas perspectivas ou dimensões simultaneamente, resgatando o conceito platônico da manifestação das formas por meio da beleza, da bondade e da verdade – ou arte, moral e ciência – ou, ainda, como define Ken Wilber, as perspectivas individual e coletiva, com seus aspectos subjetivos e objetivos no que ele chama de quadrantes.

A limitação do triple bottom line e, portanto, da agenda dominante da sustentabilidade é que ela se restringe unicamente ao domínio da ciência e da verdade – ou da dimensão objetiva e mensurável da realidade. É como se estivéssemos fazendo musculação com um só braço.

Existe uma ênfase exagerada por todos os atores em buscar evidências científicas, como, por exemplo, a disputa em torno do aquecimento global e uma total negação em reconhecer que nossa cultura e estilo de vida produziram condições insustentáveis no longo prazo.

Mais ainda, uma boa parte das soluções que, reconheço, são importantes, como a valoração das externalidades nos resultados das empresas, são parte do modelo mental dominante e podem ser usadas até pelas empresas mais sérias como prerrogativa para continuar causando impacto negativo em suas atividades.

Quando tomamos as demais perspectivas em conta, emergem temas como:

– Quais são os valores que determinam a cultura que estamos vivendo? Como a importância e vitalidade das comunidades está sendo considerada? Questões do domínio da subjetividade coletiva – ou da moral e da bondade.

– Qual capacidade cognitiva uma pessoa precisa ter para lidar com os desafios da sustentabilidade? Como desenvolver a maturidade emocional necessária? Como criar os contextos que permitam às pessoas incorporar novos valores em suas vidas? Questões do domínio individual subjetivo – ou da beleza e arte.

Sem essas dimensões, nossa visão fica restrita e limitada e, portanto, as soluções não serão abrangentes o suficiente.

 

O conceito de aprendizagem vertical e as limitações das ações de educação para a sustentabilidade

Basicamente, todos os esforços de educação que vêm sendo feitos consideram a sustentabilidade como mais uma competência ou matéria entre todas as outras necessárias para desenvolver a habilidade das pessoas. Essa é uma abordagem que chamamos de aprendizagem horizontal. Apesar de importante, ela não é suficiente para que as lideranças encontrem as soluções efetivas nos vários sistemas em que atuam.

Já a aprendizagem vertical procura endereçar como transformar o pensamento, os sentimentos e a visão de mundo das pessoas, ampliando a consciência sobre os impactos de suas decisões.

Segundo Barrett Brown, pesquisador e consultor ligado à abordagem Integral, em sua pesquisa com lideranças em iniciativas em sustentabilidade, os líderes mais efetivos foram aqueles que sustentaram e compreenderam uma maior complexidade, com maior maturidade emocional e uma moral pelo menos planetária.

Integrando perspectivas e aprendizagem vertical em um modelo para desenvolver as pessoas para a sustentabilidade

Nesta visão, o que direciona a transformação dos sistemas é a evolução da consciência individual, exercida em times diversos e complementares; assim, uma abordagem de aprendizagem e educação deveria considerar:

Pensamento Complexo: Nós fomos treinados desde os primeiros anos da escola a desenvolver um pensamento linear; só recentemente, com a aprendizagem organizacional de Peter Senge, foi introduzido o pensamento sistêmico. É fundamental para a construção das soluções estruturais dos desafios socioambientais que as pessoas desenvolvam uma cognição para a complexidade.

A maioria das pessoas compreende o pensamento linear e o sistêmico. Porém, para o pensamento complexo é necessário um “saldo mental”, conforme David Snowden, “uma propriedade da dinâmica de sistemas complexos é que os padrões podem se formar de dentro dos sistemas e rapidamente ser escalados se encontram reforço”.

A incerteza é permanente e a solução sempre emerge do presente, também de acordo com a mudança de consciência de quem faz parte dos sistemas. Definitivamente, somos coautores das soluções que, neste caso, são sempre inéditas, ou seja, ainda não foram implementadas.

Maturidade Emocional: O nosso sistema de educação e organização está impregnado pela ideia mecanicista de linearidade e, portanto, de que todas as coisas são passíveis de planejamento e controle. A intensidade e a incerteza dos eventos dos últimos 20 anos têm demonstrado a impossibilidade de continuarmos gerindo a partir dessa premissa.

Um dos desafios é ensinar as pessoas a conviver com o desconforto emocional da incerteza e abrir mão do controle. Isso requer autoconhecimento e maturidade para que as pessoas não projetem sua imaturidade e necessidade de segurança e controle em si mesmos, na forma de stress e na relação com os outros.

Ética Planetária: Hannah Arendt, filósofa judia alemã que se radicou nos Estados Unidos durante a 2ª Guerra, após cobrir para a revista New Yorker o julgamento de Eichman (responsável pelo campo de concentração de Auschivitz), em Israel, e concluir que ele era uma pessoa “normal”, dizia que o ser humano só pensa quando compreende a consequência da dimensão dos seus atos.

Esse é um dos nossos maiores problemas: a grande maioria das lideranças nas organizações compreende muito parcialmente a extensão das consequências de suas ações nos seus clientes, colaboradores, sociedade e no meio ambiente. Essa anestesia moral explica, mas não justifica, boa parte dos absurdos cometidos pelas organizações em função lucro e do market share.

Fica claro o nosso desafio e talvez essa seja a maior beleza e privilégio de estarmos vivos neste momento da história. Somos a primeira espécie neste planeta a ter consciência sobre o próximo passo evolutivo, o que significa um convite a sermos coautores desta transformação.

A força universal de evolução presente há bilhões de anos é inevitável. Cada um de nós, individual e coletivamente, como espécie, tem a maravilhosa oportunidade de ser veículo da expressão da evolução.

A educação para a sustentabilidade, na realidade, deve ser a jornada para a evolução da vida. Começando com a sua.

Marcelo Cardoso é diretor executivo de Estratégia, Inovação, Pessoas e Sustentabilidade do Grupo Fleury e presidente do Instituto Integral Brasil.

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