Gestão de valores – Homem vs. Natureza?

Gestão de valores – Homem vs. Natureza?

Uma tarde numa praia deserta. Um pôr-do-sol visto de uma montanha majestosa. Uma caminhada numa floresta virgem. Quem não sente uma identificação com a formosura dos elementos da natureza? A dicotomia do morador dos grandes centros urbanos é que o fim de semana termina e as férias o arremessam de volta ao seu posto de trabalho, de onde contempla uma paisagem que só existe longe do barulho dos centros urbanos. Muitos permanecem apenas no nível desse sonho tão bem representado pela letra da música de Elis Regina – “Eu quero uma casa no campo, onde eu possa ficar do tamanho da paz.” Pelo menos contam os dias até a próxima oportunidade de voltar ao contato com os elementos naturais.
A natureza é vista de forma romântica, como uma utopia que contrasta com a “distopia” das manchas urbanas e seu materialismo frenético. A busca do bom selvagem de Rousseau, que vive harmoniosamente com a natureza e livre de egoísmo, inspira o fundamentalista ambiental até hoje.
Por outro lado, a visão antropocêntrica – e infelizmente vigente –, é que o homem, sendo a peça principal da criação, tem o direito de explorar ad infinitum os recursos naturais. Porém, não podemos negar que as outras espécies têm seu lugar. Há mais micróbios em um centímetro cúbico de terra do que houve de seres humanos em toda a História.
Só recentemente começamos a questionar essas duas posições extremas para encontrar um ponto de equilíbrio. Empresários, políticos, cientistas e cidadãos comuns tentam fazer uma ponte entre a preservação da beleza inerente ao nosso planeta azul e o uso racional dos seus recursos.
A dificuldade, porém, é que a dialética para os dois extremos das nossas obrigações em relação à natureza está equivocada. O homem não está contra a natureza, tampouco sempre esteve em maus termos com ela e apenas agora se conscientiza para salvá-la. Nossos corpos são feitos dos mesmos elementos – é o ar, a água que são o alimento que nos fornecem cada molécula. As cidades são a natureza transformada – as pedras que se tornam cimento, as árvores que se convertem em vigas, as antigas florestas que acabaram em petróleo e mais tarde em plástico. Portanto, a natureza não é algo que começa onde as cidades terminam.
Vale a pena, neste momento, refletir sobre as implicações da física moderna e quântica na nossa visão do mundo. Há mais de 80 anos, abandonamos a divisão entre o observador (tipicamente um ser humano) e o observado (em geral a matéria inanimada). Os dois formam um todo. Um influencia o outro. Evidentemente, isso não se refere apenas à matéria, mas o que fazemos com ela na construção de uma sociedade.
Enquanto continuarmos a enxergar a natureza como algo separado de nós, um sujeito passivo – tal como um paciente inconsciente numa mesa de operação –, não vamos entender a profundidade da inter-relação e da interdependência entre nós e o planeta (um casamento de longa data). A dança entre o observador e o observado implica que os problemas externos na natureza e na sociedade são manifestações da contaminação e da confusão que reinam dentro de nós. São inseparáveis.
A frase famosa de Einstein é relevante aqui. Jamais podemos mudar algo com a mesma mentalidade que o criou. Como concluem os autores diversos da publicação Pessoas e Ecossistemas, publicada pelo World Resources Institute, o Banco Mundial e as Nações Unidas: “Nosso conhecimento de ecossistemas tem aumentado dramaticamente, mas ele simplesmente não tem acompanhado os passos da nossa habilidade em alterá-los”. Nossa capacidade para alterar ecossistemas é proporcional à nossa capacidade de alterar a própria consciência.
O verdadeiro trabalho vai muito além da discussão do custo-benefício de um programa ambiental. Vai muito além também da discussão das necessidades dos outros seres vivos ou do debate sobre o que significa afinal das contas, desenvolvimento sustentável.
No ano 2008, o mundo chega a uma marca histórica. Pela primeira vez, mais da metade da população humana, 3,3 bilhões de pessoas, estarão vivendo em áreas urbanas – muitas delas sonhando com a natureza e esquecendo que fazem parte dela. Um tiro na natureza é no próprio pé.
A propósito, quantos dias faltam até voltar para aquela praia?
Ken O’Donnell é autor de diversos livros, consultor, coordenador para América do Sul da Organização Brahma Kumaris e presidente do conselho do Instituto Vivendo Valores.

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