No tempo em que o êxito empresarial se media apenas pelo bom resultado econômico-finaceiro, um balanço anual era instrumento mais do que suficiente para prestar contas aos acionistas, ao mercado e a algumas partes interessadas. Hoje, com a crescente importância dos resultados sociais e ambientais na avaliação do sucesso de uma corporação, informar todos os stakeholders sobre a (RSE) responsabilidade social empresarial passou a ser uma prática extremamente valorizada.
Passar para o papel os resultados da RSE tem sido, no entanto, um desafio maior do que lidar com os números do balanço financeiro. Além de exigir novos indicadores e um tempo específico para levantar e sistematizar dados que não estão mais circunscritos –como antes– aos departamentos contábeis, a atividade impõe vários desafios, como, por exemplo, o uso de linguagem menos técnica, a busca cotidiana pela coerência entre a prática e o discurso e a transformação de dados qualitativos em quantitativos. Por essa razão, os relatórios de sustentabilidade, como passaram a ser chamados os documentos anuais de prestação de contas da RSE, são encarados, muitas vezes, por quem ainda não aderiu à sua publicação, como burocráticos ou peças de marketing das corporações.
A despeito disso, um número crescente de empresas acredita que eles sejam, de fato, uma ferramenta essencial para a transparência. E que cada dia mais organizações recorrerão à sua publicação como instrumento eficaz de comunicação dos seus compromissos para com a sociedade. Essa é a opinião de Paulo Nassar, professor da ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) e presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial). “Dentro de uma visão de responsabilidade histórica, temos visto as empresas trabalharem fortemente processos em que elas mostram a consistência de suas ações presentes”, defende. Segundo Nassar, a base para um relatório excelente é a cultura empresarial, isto é, o conjunto de crenças e práticas. Nesse sentido –crê– o relatório constitui um espaço para projetar identidade e valores, podendo gerar uma imagem e, por fim, fortalecer a reputação.
Para Nassar, o relatório só contribuirá para uma boa reputação se apontar todos os impactos, positivos e negativos, da empresa na sociedade. Apesar de utópico, já que faz parte da cultura corporativa evitar ao máximo os fatos que possam refletir negativamente em sua imagem ou desempenho, este procedimento seria o mais adequado. O segredo para elaborar um bom balanço, segundo o professor, é manter a veracidade e coerência do discurso com a prática. “O relatório consiste em um instrumento de legitimação das ações, por isso tem que ser verdadeiro. Se não for assim, transforma-se em uma comunicação cínica que não tem sustentabilidade”, alerta. Na avaliação de Nassar, hoje as grandes empresas precisam se legitimar constantemente, pois não basta mais a elas serem judicialmente corretas ou comercialmente competentes. Quem reconhece seu trabalho é, portanto, a sociedade e os seus públicos de interesse. Logo, as informações devem ter como destinatários esses públicos estratégicos.
Diretora de responsabilidade social da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Sonia Favaretto, concorda com Nassar, inclusive na defesa de que, ao contrário de países como a França, a publicação não deve ser obrigatória. “É um compromisso com a sociedade, e não uma obrigação. Uma hora, as empresas que ainda não levam isso a sério vão perceber que é uma tendência, um caminho sem volta e um ciclo virtuoso”, afirma.
Precisão e objetividade
A relativa desconfiança em relação aos relatórios de sustentabilidade, porém, deve-se também, segundo Vitor Feitosa, gerente geral de desenvolvimento sustentável da Samarco, ao fato de que no documento “cabe o que se quiser colocar.” Para ele, sem regras claras ou cultura no tema, muitas vezes apenas com um modelo teórico para seguir, as empresas transformam os balanços em uma reunião de informações vazias e incompletas, que formam um enorme livro técnico desinteressante e incompreensível para leigos. “Se você põe coisa demais, torna o texto pouco receptivo para quem o lê. Por isso, o relatório deve ser conciso”, acrescenta.
No esforço de tornar o documento mais compreensível para um público maio, empresas que são referência na elaboração de relatórios de sustentabilidade pregam que é essencial escrever o documento em uma linguagem acessível e sintética. “Da forma como são feitos hoje, os relatórios são instrumentos de comunicação voltados para especialistas. Nada impede que uma empresa evite o ‘economês’. Se quiser massificar os relatórios, e este é um desafio importante, terá que tomar a decisão de mudar sua linguagem”, explica Nassar.
Entre as soluções encontradas por empresas que avançaram nessa discussão, está, por exemplo, resumir o balanço original ou ainda abrir um espaço para receber o retorno dos leitores. A CPFL, por exemplo, publica o documento original e, posteriormente, entrega a todos os funcionários uma síntese das informações, de forma simples e concreta, em forma de jornal. Uma tendência cada dia mais comum é a publicação de um resumo, de duas páginas, em jornais e revistas, visando atingir um público maior. “Hoje é muito difícil as pessoas lerem o relatório. Então, faz-se necessário organizar as informações, em linguagem e formato mais atrativos”, diz Augusto Rodrigues, diretor de comunicação empresarial e relações institucionais da CPFL. Os próprios stakeholders, segundo Rodrigues, muitas vezes não estão familiarizados com as tecnicalidades dos balanços. “Muitos de nossos acionistas são viúvas herdeiras, que não entendem do assunto, mas precisam daquelas informações para acompanhar seus negócios”, diz.
Para Rosângela Santos, gestora de responsabilidade social da Embraco, as empresas devem estar atentas para não transformar os balanços em “registros de gestão”. Seria o caso de muitos documentos existentes, que ela classifica como “passadistas”, que apenas descrevem as ações sociais e ambientais do ano anterior, sem fazer projeções para o futuro. Outro equívoco, em sua opinião, é não prestar contas sobre erros da gestão. “A empresa deve dizer o que fez, mas também expor algumas de suas feridas”, defende.
Coleta de dados sistemática e auditoria independente
Para os especialistas ouvidos por IdéiaSocial, outra questão importante é a coleta de dados e a estruturação do relatório de sustentabilidade: essa prática deve ser permanente na empresa e não uma ação feita às pressas, em algumas semanas no final do ano. É essencial, portanto, que os funcionários sejam orientados para coletar as informações relevantes para o documento. A elaboração do relatório precisa ser descentralizada, abrindo espaço para a participação de diversas áreas da empresa. Além de aumentar o interesse interno pelo documento, um procedimento como esse ajuda a transformá-lo em um retrato mais bem acabado da organização. Essa é a estratégia da Embraco. “É importante que pessoas de toda a empresa sejam ouvidas no relatório. Se esse cuidado não for tomado, o texto vai ficar com a visão de um setor específico”, alerta Elaine Arantes, coordenadora de responsabilidade social da empresa.
Vívian Posterli, diretora administrativa do Grupo Skill, garante que antes de começar a fazer o relatório da empresa, toma o cuidado de se inspirar nos considerados melhores entre as corporações de grande porte. Mas também acompanha os documentos das de médio porte, nos quais encontra deslizes como a falta de foco e objetivo, que procura não repetir no seu balanço. “Está faltando buscar o que existe de inovador, porque as empresas se copiam muito. Precisam se questionar o que é o balanço e por que estão fazendo”, analisa Vivian que, no início, enfrentou o problema — comum a outras empresas — de não saber como transformar os dados coletados em um documento consistente e fiel à atuação da empresa.
São dois os desafios imediatos para as empresas. Além de elaborar relatórios cada vez mais claros e concisos, elas deverão recorrer a auditorias externas dos dados presentes no balanço. “Temos que trazer evidências de que o que a gente escreve é verdade”, atesta Carmen Lopes, coordenadora do relatório e consultora de relações corporativas da Samarco. “Se a incoerência não for enfrentada, invalida qualquer relatório que seja inconsistente”, aponta Nassar, da Aberje.
Segundo o consultor Roberto Gonzalez, muitas empresas já fazem esse processo de verificação independente. Apesar disso, explica que, como não há obrigação legal de produzir o balanço – tampouco de realizar a auditoria –, não existe um padrão. Cada corporação desenvolve sua própria metodologia. “Mais cedo ou mais tarde vai haver uma auto-regulação”, prevê.
O certo e o errado no relatório de sustentabilidade
Certo
– Missão, visão, valores e princípios da empresa
– Análise do código de ética
– Avaliação da postura dos comitês de ética, sustentabilidade e divulgação.
– Quadro com ações relacionadas à sustentabilidade
– Atuação em saúde e segurança
– Estudo da imagem da empresa junto aos seus profissionais, familiares e à comunidade local
– Necessidades sociais internas e externas
– Pesquisa de percepção sobre a RSE junto aos fornecedores, clientes, governo, funcionários, terceiro setor e comunidade ao redor
– Relação com os fornecedores e clientes
– Relação das iniciativas de RSE com a atividade da empresa
– Conteúdo alinhado à prática
– Linguagem acessível e adequada
Errado
– A empresa não deve divulgar como virtude algo que não passa de sua obrigação
– Não menosprezar o conteúdo da mensagem do presidente
– Indicadores negativos não precisam ser omitidos
– Não deixar de informar detalhadamente os investimentos em ações sociais e ambientais
– Se a empresa receber incentivos fiscais, isso não deve ser suprimido
– Evitar a incoerência entre imagem e texto
– Eliminar inconsistências de conteúdo
– Focar o efeito sustentável em relação aos negócios
– Explicar as mudanças de dados do novo relatório em comparação aos últimos
Fonte: Os Desafios na Elaboração do Relatório de Sustentabilidade,
curso minsitrado por Roberto Gonzalez na Aberje
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