Ferramenta – O desafio de avaliar

Ferramenta – O desafio de avaliar

O pesquisador Flávio Comim explica como mensurar resultados de projetos sociais em empresas
Depois de elaborar e colocar projetos sociais em prática, é comum as empresas se acomodarem na crença de que já estão cumprindo o seu papel de socialmente responsáveis. Enganam-se. Com as iniciativas em ação, começa a etapa mais difícil: verificar se, de fato, estão promovendo transformações significativas e perenes nas comunidades beneficiadas. “Quando os projetos não são avaliados, o investimento social realizado assemelha-se a um tiro no escuro, muitas vezes representando apenas gasto de publicidade disfarçado. A avaliação é importante para a legitimidade do gasto social e para a ‘accountability’ das empresas perante a sociedade”, explica o economista brasileiro Flávio Comim, pesquisador da St. Edmund’s College, Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
O especialista defende que uma gestão mais eficiente dos projetos exige analisar informações qualitativas e quantitativas. Apenas desta forma, será possível obter dados mais precisos sobre as iniciativas e compará-los com diferentes ações sociais. “Em uma avaliação de impacto, sabe-se exatamente quais são os resultados do investimento. Sem ela, fica difícil conhecer a real natureza do gasto social empresarial. Por isso, desconfie de empresas que não mensuram os seus projetos”, alerta.
A experiência de Comim decorre não apenas de longo estudo sobre a avaliação de projetos, mas do know-how adquirido na implementação de método que ele próprio criou, com base no Índice de Qualidade da Educação (IQE), que mensura impactos da educação nas crianças. A metodologia foi testada com sucesso no TIM Música nas Escolas, da operadora de telefonia celular TIM, projeto que busca o desenvolvimento humano por meio da música. O estudo do empreendimento em paralelo à pesquisa extensa nas áreas de música, neurociência, pedagogia e desenvolvimento infantil mostrou que esses elementos impactavam a qualidade da educação, possibilitando o desenvolvimento cognitivo temporal e espacial e uma melhor socialização das crianças na escola e em casa. “As principais características da metodologia do IQE são a objetividade das variáveis, a multidimensionalidade do indicador, a ênfase em elementos de autonomia e uma visão humanista da educação”, explica Comim.
Para o pesquisador, todo projeto pode ser avaliado. Basta seguir alguns passos. Na primeira etapa, escolhe-se uma abordagem –mais comuns são a econômica, a subjetiva e a de desenvolvimento humano – a partir da qual as iniciativas serão julgadas. “As abordagens econômica e subjetiva possuem falhas metodológicas e já deixaram de ser usadas no mundo inteiro há décadas. No entanto, continuam a ser aplicadas no Brasil ainda hoje, por alguma razão inexplicável. O melhor caminho, na minha visão, é o do desenvolvimento humano”, pondera. Comim argumenta que ele não é o único a defender como o mais recomendável tal método de avaliação.
“O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento o recomenda, com base na obra de pensadores renomados como Amartya Sen, Sudhir Anand, Sir Richard Jolly, Frances Stewart. De fato, essa perspectiva é largamente difundida no mundo inteiro.” A diferença desta abordagem para as outras é que a econômica se foca no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) para medir impactos positivos ou negativos, e a subjetiva contabiliza critérios como “felicidade”, ambas demasiadamente amplas e imprecisas. “O desenvolvimento humano vê na expansão das liberdades individuais o verdadeiro significado de desenvolvimento. Nessa visão, o importante é o que as pessoas podem ser ou fazer e suas razões para tal”, explica.
O segundo passo – ensina – é estruturar a avaliação a partir do estudo de todos os possíveis impactos do projeto social “em função do melhor conhecimento científico disponível”. Em seguida, a terceira e a quarta partes consistem em formular e aplicar uma pesquisa, por meio de questionários, entre os gestores e demais participantes da iniciativa. O objetivo é entender melhor o funcionamento do projeto, seus obstáculos, seus pontos fortes e uma perspectiva dos resultados. O projeto TIM Música nas Escolas, que seguiu todas as etapas, contou com mais de 40 artigos científicos usados na montagem da base da avaliação, e uma ampla equipe para aplicar o questionário em oito cidades brasileiras. O documento enfatizou aspectos cognitivos do aprendizado das crianças, ou seja, relacionou questões de tempo e de espaço, além de medir o nível de entrosamento dos participantes.
A quinta etapa diz respeito a compilar os resultados em estatísticas e, enfim, o último passo está relacionado à “análise estatística da evidência empírica”, ou seja, a interpretação dos resultados com base em fatos e experiências do projeto. Na iniciativa da TIM, foram contrastados nesta fase, sob os mesmos critérios,  os grupos que participaram e os que não fizeram parte do projeto.. Assim, foi possível calcular o desempenho e evolução das crianças envolvidas e a taxa social de retorno do empreendimento. “Para uma boa análise, deve-se embasar o estudo do impacto conforme os diferentes públicos dentro de uma perspectiva de desenvolvimento humano”, complementa. A abordagem permitiu, segundo ele, maior precisão no tratamento das opiniões individuais dos participantes e melhores soluções para problemas no programa. “No caso, mostrou que o projeto tem um desempenho diferenciado.”
(Carmen Guerreiro)
A avaliação de projetos passo-a-passo
1. Escolher uma abordagem para julgar o projeto
– Econômica: baseada na variação do PIB (Produto Interno Bruto) de acordo com o resultado positivo ou negativo
– Subjetiva: baseada em aspectos que englobam critérios emocionais, como felicidade, satisfação, motivação, etc.
– Desenvolvimento humano: baseada na ampliação das capacidades humanas, ou seja, o que o participante poder ser ou fazer depois de passar pelo processo em questão
2. Montar uma estrutura com todos os possíveis impactos da iniciativa em questão
– Nesta fase, é necessário listar todas as metas do projeto e suas conseqüências desejadas. É importante basear-se em pesquisas prévias e material de estudo sobre a área em questão para conhecer melhor os possíveis resultados das ações. Em um projeto educacional, por exemplo, cabe entender os processos pedagógicos e a forma como os estudantes assimilam o conteúdo.
3. Elaborar um questionário para gestores e demais participantes do projeto, com o objetivo de compreender melhor o seu funcionamento
– Propor perguntas relacionadas diretamente aos resultados buscados pelos organizadores. Desse modo, as respostas fornecerão um maior nível de detalhamento do projeto na prática. Se uma das metas é o entrosamento dos participantes, por exemplo, é possível realizar diversas perguntas específicas sobre o mesmo assunto para medir o nível de envolvimento do público-alvo.
4. Aplicação do questionário
– É importante aplicar o questionário em diversas localidades e realidades, de preferência com todos os participantes da iniciativa.
5. Transformar as respostas em estatísticas
6. Analisar os resultados com base na experiência prática do projeto
– Ao analisar as respostas, é essencial não apenas comparar os resultados entre si, mas a um público semelhante que não tenha sido envolvido na iniciativa. Desta forma, é possível medir o desenvolvimento dos participantes.

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