Especial – Uma década de sustentabilidade no Brasil – Parte 3

Especial – Uma década de sustentabilidade no Brasil – Parte 3

Debate mais franco e a necessidade de uma vanguarda empresarial
CEBDS e Ethos deram o pontapé inicial. Mas o movimento rumo à sustentabilidade foi construído, passo a passo, com o apoio de outras organizações, movimentos e iniciativas. “Do início do processo até agora, acompanhamos a forma como as discussões em torno desse tema migraram de meios mais restritos para um debate aberto com a sociedade, reforçado pelas recentes evidências dos complexos efeitos do aquecimento global. Tudo isso demonstra um avanço muito importante, ainda que insuficiente”, diz Guilherme Peirão Leal, presidente executivo da Natura.
Em complemento ao raciocínio de Leal, Homero Santos, do Uniethos, usa uma metáfora médica.  “Existem duas abordagens possíveis, uma de emergência, para aliviar a dor ou o risco de morte iminente, e a outra de diagnóstico e investigação, levando em conta o passado do paciente e uma série de outros fatores. O tratamento sintomático da questão, mais utilizado hoje em dia, é perigoso, porque tira-se a água do barco, enquanto o furo continua”, compara.
Se, na prática, as empresas fazem menos do que o necessário – ao se aterem aos efeitos urgentes, e não às causas da doença – muitas vezes utilizam, segundo Santos, o conceito de sustentabilidade de forma rasa, às vezes autopromocional, como mote para o discurso de marketing e comunicação. “Nenhuma empresa é sustentável. O que ela faz é contribuir para a sustentabilidade. Algumas falam mais do que fazem”, observa.
Segundo o especialista, algo que realmente mudou para as empresas foi a antiga crença de que a responsabilidade sobre os produtos terminava na fabricação, financiamento, comercialização ou outro tipo de relação comercial. “A visão tradicional era que o comprador tinha que dar fim ao produto. A responsabilidade da empresa, na visão da sustentabilidade de hoje, se encerra no final do uso do produto, incluindo o seu descarte”
Para Sérgio Abranches, o Brasil vive uma forte e óbvia “crise de sustentabilidade”. “Ao olhar o panorama macro brasileiro, o comportamento corporativo é muito ruim. Há esforços importantes individualmente, mas são necessárias ações estruturais”, acredita.
Um exemplo da crise de sustentabilidade a que se refere o sociólogo é o desmatamento na Amazônia. “Este é um problema seríssimo, provocado por um misto de falta de obediência à Lei tanto por parte de empresas e indivíduos.” Um outro fato grave, em sua opinião,  é a situação dos transportes, tanto nas cidades quanto nas rodovias, cujo modelo favorece emissões de gases de efeito estufa. Há ainda a grave questão do tratamento de efluentes. “Falta regulamentação do governo e mais interesse corporativo”, critica Abranches.
Sair do que classifica como crise, segundo ele, dependerá da formação de uma vanguarda empresarial. “Deve-se mobilizar  um grupo de empresas efetivamente comprometidas com a causa, capaz de estabelecer um novo padrão de comportamento corporativo, forçar uma discussão a respeito de como o Brasil pode ingressar na questão da sustentabilidade global e exceder o padrão de sustentabilidade hoje existente no País”, propõe.
Ao contrário do pensam alguns analistas ouvidos por Idéia Socioambiental, Abranches acha que ainda não existe um expressivo movimento corporativo olhando no longo prazo, sem estar na retaguarda da sociedade e do Estado. O tempo joga contra. “O problema é saber se as empresas vão tomar consciência de que se não agirmos, as conseqüências físicas e de mercado, afetarão diretamente suas atividades. Do ponto de vista de mercado, quanto menos o Brasil fizer, mais será boicotado economicamente, como já acontece com nossa pecuária. Ficamos cada vez mais marcados pela má gestão ambiental”, afirma Abranches, para quem, com os previsíveis impactos do aquecimento global, a crise de abastecimento e o problema energético, o quadro é grave.
Pessoas têm papel importante de pressão e persuasão
Para Abranches, a população pode exercer papel decisivo no avanço do debate sobre a sustentabilidade no mundo empresarial. Na defesa de sua tese, ele cita o exemplo da Europa onde o tema foi impulsionado, na última década, em grande medida por causa das reivindicações populares. “A sociedade européia está à frente das empresas e dos Estados, porque é a pressão deles que está fazendo com que os governos assumam a liderança no debate da sustentabilidade”, diz.
Será o povo brasileiro capaz de assumir o mesmo comportamento engajado? Abranches aposta que sim. “Na Índia, China e Brasil, a sociedade está também à frente dos setores públicos e privados, mas com menos ações práticas e menos pressão social e política. Ainda assim, houve 60 mil manifestações ambientais na China em 2007. No Brasil, prevalece ainda o que eu chamo de indignação estática. Existe muita complacência e individualismo. Todo mundo está indignado, mas ninguém faz nada”, observa.
Com o aumento da exposição pública do tema aquecimento global, a desinformação já não serve mais como desculpa para a imobilidade. A grande maioria dos brasileiros conhece o problema e sabe de sua gravidade. Após algumas pesquisas sobre questões de meio ambiente, Abranches chegou à conclusão de que há, entre as pessoas, um bom nível de consciência e um forte desejo de que o País ingresse com mais força na discussão global sobre as mudanças climáticas. “Quando comparamos a posição da população com a das empresas e com as ações do governo, vemos que ela brasileira tem uma percepção melhor sobre a urgência e o que precisa ser feito do que os outros dois setores”,  comenta. Apesar de bem informada, no entanto, falta-lhe capacidade de ação e pressão, ou, como diz Abranches, “entusiasmo cívico”.

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