O fenômeno mundial do envelhecimento da população deve provocar profundas mudanças na economia e nas relações sociais nas próximas décadas. Não por outra razão, tem sido objeto cada vez mais freqüente do debate de especialistas internacionais,
Em 1980, o total de pessoas até 24 anos correspondia a cerca de 60% dos 118 milhões de brasileiros. Os que tinham mais de 60 anos somavam 6%, a décima parte dos jovens. Duas décadas depois e uma população maior em 53 milhões de habitantes, o Censo do IBGE (2000) indicava haver 50% de brasileiros menores de 24 anos e 8,1% com mais de 60, demonstrando uma ligeira, mas importante, redução na proporção entre jovens e idosos. Em suas projeções, os geógrafos do IBGE prevêem uma consolidação dessa tendência nos próximos 15 e 25 anos.
Em 2020, dos 220 milhões de brasileiros estimados, 40% terão menos de 24 anos e quase 13%, mais de 60 anos. Em 2040, 32% dos 251 milhões de habitantes previstos estarão entre os mais jovens, enquanto a população idosa deverá chegar a 20%. Ninguém tem dúvidas de que o novo perfil da pirâmide etária vai mexer profundamente com a estrutura socioeconômica do País. “É um fenômeno mundial que vem reorganizado toda a sociedade, algumas com maiores outras com menores problemas” diz Laura Mello Machado, psicóloga, especialista em envelhecimento e representante da Associação Internacional de Gerontologia junto à ONU. A grande preocupação dos especialistas é principalmente de ordem econômica, pois os mais velhos dificilmente terão lugar no mercado de trabalho, com o agravante, no caso específico do Brasil, de estarem á sombra de um sistema previdenciário falimentar. O Brasil é hoje o sexto país no mundo em taxa de envelhecimento, registrando aumento de 3,2% ao ano.
Nos outros países, a realidade não é menos preocupante. Os Estados Unidos que, em 2000, contavam com 13% de pessoas com mais de 65 anos, devem ultrapassar a faixa de 20% em 2040. No Japão, em cuja cultura se preserva o respeito ao idoso, a expectativa é que a população mais velha bata os 30% daqui a 25 anos. Estudo feito pelo Fórum Econômico Mundial, em parceria com a consultoria Watson Wyatt Worldwide, mostrou que, na Itália, para ficar em um exemplo europeu, a quantidade de idosos superará a de trabalhadores ativos já em 2030. Para enfrentar o problema, que considera “grave”, o relatório sugere a expansão da mão-de-obra de três grupos: das mulheres, dos jovens e dos próprios idosos. Com esta estratégia, espera-se reduzir o número de aposentados e aumentar o de contribuintes para a previdência daquele país.
No relatório Perspectivas da População Mundial da ONU, os dados apresentados também indicam a necessidade de cuidados quanto à nova conformação etária da sociedade. O estudo mostra que, em meados do século 21, além de mais cheio de gente e mais velho, o mundo estará mais pobre. Metade do crescimento populacional ocorrerá em apenas cinco países: Índia, China, Paquistão, Nigéria, Bangladesh e Indonésia. Em termos mundiais, a taxa de pessoas com mais de 60 anos deverá saltar de 20% para 33% da população do Planeta.
Previsões como esta sugerem que, em 2050, o mundo poderá observar uma importante inversão na pirâmide etária. Na óptica dos especialistas no tema, o envelhecimento da população não seria em si um problema tão grave se, culturalmente, as sociedades não estivessem tão focadas nos jovens. Mais da metade dos idosos residirá nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, que, para atender às suas demandas, necessitarão de profundas alterações em suas estruturas socioeconômicas e também de investimentos que nem sempre o poder público poderá fazer.
Se governos, empresas e organizações de terceiro setor não olharem essa nova realidade e começarem a construir soluções preventivas, o mais rápido possível, a elevação dos gastos sociais e a possível desaceleração econômica decorrentes do envelhecimento populacional poderão resultar em graves conseqüências para a qualidade de vida de pessoas de todas as idades. “O jovem acabará ‘punido’ monetariamente para manter um sistema previdenciário com gente demais e sustentado por gente de menos, entre outros fatores”, explica Laura.
Para a ONU, o envelhecimento populacional é uma espécie de “bomba-relógio” com previsível efeito mais drástico nos setores de saúde, econômico e social. Preocupada com os reflexos deste quadro, criou uma comissão própria para discutir o tema em profundidade. A primeira assembléia aconteceu em 1982 com a presença maciça de representantes de seus países-membros. Houve uma série de movimentos de reflexão e de planejamento. Mas o assunto acabou perdendo prioridade na pauta das Nações Unidades em virtude da emergência de causas consideradas como o avanço da Aids.
Em 2002, o envelhecimento voltou a ganhar destaque em uma assembléia mundial, em Madri. Nessa reunião, os países-membros elaboraram uma estratégia para lidar com o tema, destacando, entre outros pontos, o desenvolvimento de um sistema de sustentação dos programas de aposentadoria, políticas anti-violência contra os idosos e a capacitação de profissionais de áreas diversas para se relacionarem com este grupo etário. Um novo encontro deverá acontecer ainda em 2006 com o propósito de fazer um balanço das primeiras conquistas.
Ter mais filhos não é a solução
Um primeiro raciocínio simplista poderia indicar a alternativa dos programas de incentivo á natalidade como uma espécie de solução compensatória para o aumento da população mais velha. Em vez de melhorar, uma medida como essa pode gerar um tipo adicional de caos, caso a população mundial alcance os nove bilhões de habitantes previstos para 2050: o da sustentabilidade. Se com os atuais seis bilhões de pessoas, são utilizados 20% a mais de recursos naturais do que o planeta pode repor, segundo relatório recente do WWF, incentivar o aumento da natalidade tornaria a vida na Terra praticamente inviável.
O caminho mais seguro para lidar com o problema é – na visão de especialistas – aquele que leva as sociedades a se tornarem mais eficientes na adequação a uma nova realidade. São três as causas do crescente envelhecimento da população. A primeira tem a ver com os notáveis avanços na economia e na saúde. Por causa deles, aumentou a expectativa de vida em praticamente todo o mundo. A segunda refere-se às conquistas culturais, educacionais e profissionais da mulher. Ao trabalhar e estudar mais, ela passou a ter menos filhos, contribuindo para uma natural redução das taxas de natalidade. A terceira causa diz respeito à recente crise mundial de emprego, que também repercutiu na diminuição do número de filhos por família, especialmente nas camadas sociais de mais baixa renda.
Uma das principais alterações econômicas que o envelhecimento da população poderá acarretar em curto prazo é o esgotamento do sistema previdenciário. Um estudo internacional intitulado O futuro da aposentadoria, publicado recentemente pelo banco HSBC, mostrou que o sistema convencional tem os seus os dias contados. Para 86% da população nos dez países pesquisados, incluindo o Brasil, o avanço da idade não está mais vinculado à independência ou segurança financeira. Há uma tendência de as pessoas se aposentarem cada vez mais tarde: 75% dos entrevistados vêem na continuidade do trabalho uma alternativa realista para o idoso no mundo contemporâneo. Evidentemente, o trabalho na terceira idade seria distinto do realizado por profissionais de outras faixas etárias. Para quem já labutou por mais de 35 anos e, por direito, mereceria um justo período de descanso, o trabalho precisa ser fonte de prazer e deve ser intercalado com repouso, lazer e aprendizado. Não pode representar apenas um meio de sustento e de dedicação exaustiva. A aposentadoria tardia é considerada por praticamente metade do universo entrevistado como a melhor opção para evitar o colapso dos sistemas previdenciários. As outras alternativas oferecidas são o aumento da carga tributária e a redução dos benefícios.
Especialista tem visão positiva
Para Laura, o fato de a sociedade estar cada vez mais velha tem de ser visto como ganho e não como prejuízo. “A longevidade é uma conquista da humanidade, que aconteceu devido à melhoria das condições de saúde e da tecnologia. É um fenômeno mundial, irreversível, e deve vir acompanhado de uma profunda alteração no investimento social dos países”, ressalta.
Essa mudança de paradigma quanto ao investimento social é uma das grandes preocupações da especialista. “A descoberta do idoso pelas empresas ainda é muito tímida”, afirma. Uma pesquisa realizada no ano passado pela ADVB –Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil revelou que apenas 8% das ações de responsabilidade social são voltadas para os idosos e que, do público beneficiado pelas mesmas, eles representam apenas 12%.
“As pessoas ainda não têm consciência de que o idoso precisa ser visto como uma fonte contributiva e não como um fardo. No Brasil, há dificuldades culturais de se planejar o futuro. O que importa é sempre o hoje”, afirma. Para a consultora, esse tipo de mentalidade leva ao grande número de ações sociais voltadas para a criança.
As transformações culturais citadas por Laura são lentas e exigem um tempo específico de maturação. Um tempo que talvez só possa ser contado em duas ou três gerações. Se por um lado, observa-se já conquistas importantes como o recém-criado Estatuto do Idoso, cursos universitários dirigidos, o interesse crescente de empresas por este público e prêmios especiais para essa faixa etária, ainda há muito por se fazer. Diante deste quadro, cabem duas perguntas: Quem chegará na frente? A nova consciência ou o grande contingente de idosos?
Como o Brasil lida com o envelhecimento
A primeira lei específica para o idoso no País data de 1996. E, desde a sua promulgação, foi considerada uma das melhores da América Latina, apesar de funcionar pouco na prática. Em 2003, surgiu o Estatuto do Idoso. Este documento, cuja implantação ainda merece uma análise de resultados, tem sido considerado um passo importante para o amplo debate social sobre o tema, uma espécie de “pontapé inicial” na busca de uma necessária e urgente mudança cultural (ver quadro). Nos programas sociais, o idoso aos poucos vem se tornando mais presente, principalmente aquele que não precisa ser assistido na medida em que não está doente ou incapacitado, apenas carente de motivação e de recuperação de auto-estima. Até então, os poucos programas sociais voltados para a terceira idade estavam relacionados com asilos, assistência médica ou temas correlatos, como distribuir alimento e abrigo, para prorrogar a sobrevivência do corpo. O idoso saudável, com família e que não vivia em pobreza extrema, pouco era lembrado. Este é um quadro que tende a mudar. Começa-se a se pensar em sua qualidade de vida independentemente da classe social e do estado de saúde.
A existência de uma legislação moderna e, mesmo a maior visibilidade pública do tema, não diminuem a preocupação da especialista da Associação Internacional de Gerontologia quanto ao futuro do idoso no Brasil. Para a psicóloga, os meios de comunicação têm se empenhado em mostrar a mudança social representada pelo aumento dos idosos e também em valorizar este público. Mesmo assim –acredita Laura — ainda é muito difícil para quem não é especialista compreender a profundidade das alterações causadas pelo envelhecimento da população.
“O idoso pode e deve voltar ao mercado de trabalho. Essa idéia do velhinho aposentado, descansando em uma cadeira de balanço, faz parte de um imaginário que havia no País, mas que está acabando. São poucas as pessoas que podem sonhar com a aposentadoria, ainda mais com as novas regras da previdência”, analisa. “Antes, os indivíduos nasciam, cresciam, estudavam, entravam no mundo corporativo, tinham uma carreira profissional linear, um único casamento, estabilidade familiar e de emprego e se aposentavam. Não se preocupavam em lidar com a questão financeira, mas com o problema da ruptura, pois não dividiram o seu tempo com outras atividades e não aprenderam a ser produtivos fora da organização em que atuavam”, diz.
Analisando as pesquisas internacionais, a consultora acredita que o reingresso do idoso no mercado de trabalho ou em algum outro tipo de atividade representa uma tendência promissora. A questão é saber o quanto isso será possível em uma realidade cada vez mais informatizada? Será que num mundo marcado por uma grave crise de emprego, no qual exige-se dos profissionais atualização permanente e intimidade com a tecnologia haverá lugar para o idoso?
Esta é uma questão bastante complexa. As alternativas sugeridas por especialistas no tema indicam principalmente dois caminhos: o empreendedorismo e o voluntariado, neste segundo caso considerando que o idoso já disponha de condições financeiras mínimas. “O cenário econômico para o idoso de hoje, embora ele se ressinta, reclame e tenha perdas salariais, é muito melhor do que será nos próximos 10 ou 20 anos, quando a população de maiores de 65 anos chegar a 32 milhões de idosos”, preocupa-se Laura. “O idoso dessa época é o profissional de quarenta anos hoje, que vive a crise atual do emprego, não está acostumado a empreender e não consegue economizar para o futuro, pois luta pela sobrevivência do momento. Do ponto de vista econômico, ele vai ter muito mais problemas do que aquele que tem idade avançada hoje. Ainda não há políticas públicas sérias nesse sentido. Precisamos nos antecipar ao cenário de daqui a 20 anos. Mas penso que não exista vontade política para enfrentar o problema. Se nào o olharmos hoje, como tema social relevante, a bomba vai estourar e não saberemos a dimensão de suas conseqüências”, conta.
A despeito da falta de vontade política mencionada pela especialista, começam a pipocar pelo País algumas iniciativas ainda tímidas para melhorar a empregabilidade do idoso. O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, tem o programa Terceira Idade, voltado para a contratação de pessoas com mais de 55 anos. A rede Pizza Hut é outro exemplo. Por meio do seu Programa Atividade, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, contrata pessoas com mais de 60 anos em suas lojas.
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