Especial – Quem produz “verde” no Brasil? – Parte II

Especial – Quem produz “verde” no Brasil? – Parte II

Eco-design, design sustentável ou simplesmente design

O desenvolvimento de um produto sustentável eficiente só se concretiza com o envolvimento de profissionais que tenham o conceito da sustentabilidade como parte da sua formação e atuação profissional. O designer não foge à regra. É um dos agentes mais importantes nesse processo de mudança.
Membro do quadro de conselheiros do Instituto de Design para Desenvolvimento Sustentável e pesquisador do Laboratório InterDesign, Fernando Mascaro distingue três frentes de atuação: o design da necessidade, resultado da criatividade de quem não tem acesso a um bem ou produto e precisa (ou quer) tê-lo; o eco-design, que diz respeito a produtos concebidos e projetados para a produção manufaturada ou semi-industrial; e o design sustentável, conceito relativo à concepção de milhões de exemplares destinados à indústria e ao alto consumo.  O design, segundo Mascaro, só pode ser considerado sustentável quando prevê, desde o início do projeto, aspectos como matéria-prima e redução de materiais na concepção, entre outros critérios que tornem o produto ambientalmente amigável em todas as etapas da cadeia produtiva.
“Hoje no Brasil está mais forte o eco-design, voltado para  geração de renda em Ongs. São artigos de pouca escala, diferente do design sustentável, que tem como fundamento atender a uma indústria de grande porte”, avalia o especialista.
O design do produto em si tem sido um dos maiores dilemas para os profissionais da área – o que revela a necessidade de transição do design autoral, da produção de peças específicas, para um processo criativo baseado no grupo e em produtos de grande escala.
De acordo com Mascaro, essa é uma questão muito importante para a área. Mas, para que se concretize, o profissional deve ser multidisciplinar e conhecer melhor os materiais e processos. “As empresas colocam milhares de exemplares de um produto no mercado por ano, e muitas vezes, o design não está preparado para projetar dessa forma porque os profissionais desconhecem a cadeia produtiva”, avalia.
Na opinião do especialista, questões de consumo, de matéria-prima, água, eletricidade, resíduos e produção, não devem ser deixadas apenas para a engenharia. Na medida do possível, precisam ser valorizadas e resolvidas no início do projeto. “A produção pode aperfeiçoar ainda mais um produto, mas é obrigação do designer saber disso antes – assim ele estará praticando o design sustentável. Senão ele pode até continuar fazendo um bom desenho, com um bom resultado estético, mas não levará em conta a sustentabilidade”, ressalta.
No esforço de considerar a cadeia produtiva desde o início, a fabricante de vidros Saint-Gobain aposta na garrafa Ecova, cuja fabricação utiliza menos matéria-prima por conter 10% de vidro reciclado – o que gera redução de 3% no consumo de energia e 5% nas emissões de CO2 durante a fabricação. As embalagens devem chegar ao Brasil a partir de 2010, com foco inicial na produção vinícola e futuramente na de cervejas e destilados. A empresa estima que 30% da sua produção nacional será composta por garrafas dessa linha.
Nos produtos de informática, o peso tem sido reduzido sem necessariamente interferir na qualidade e funcionalidade dos produtos. Um exemplo são as impressoras da linha Injet da HP, que, há alguns anos, pesavam de 5 a 7 quilos, e hoje em dia não passam de 3 a 5 quilos, dependendo do modelo. “De forma geral, quando se fala em desenvolvimento, deve-se repensar todos os aspectos, até o próprio conceito”, destaca Kami Saidi, diretor de sustentabilidade ambiental da HP.
Segundo Carlos Werner, diretor de marketing corporativo da Samsung, esse é um movimento geral do mercado de informática. “Todos os produtos estão ficando mais leves, rápidos e econômicos. Com um produto mais leve, por exemplo, utiliza-se menos material”, avalia.
Para Mascaro, o atual momento da produção mundial impõe um desafio conceitual: ou o design é sustentável ou não é mais design. “Não faz mais sentido para a realidade de hoje pensar design sem levar em conta o conceito da sustentabilidade. Refiro-me ao desenho industrial, não ao design como objeto de decoração. As escolas acabam formando mais escultores do que profissionais preparados para entender todo o processo. Tanto os designers como as empresas deveriam se antecipar à demanda do consumidor, assumindo o papel de agentes da transformação”, avalia.
A quantidade de embalagem também tem se mostrado um aspecto cada vez mais importante para uma sociedade sustentável. Não por acaso, acompanhando a evolução dos padrões culturais ao longo das décadas, as embalagens “tamanho família” de certos produtos vêm sendo substituídas por modelos menores.
No início, o desenvolvimento de uma embalagem sustentável exige mais esforço de pesquisa e investimento por parte da empresa. “Há o custo econômico que envolve a intenção de tornar aspectos de um produto menos impactantes”, avalia Saidi, da HP. Quando a companhia buscou desenvolver a proteção e a embalagem das impressoras usando os seus próprios resíduos, não encontrou fornecedores que a pudessem auxiliar nessa empreitada por um custo razoável para concorrer com o isopor – fácil e barato de se conseguir, mas ambientalmente mais prejudicial, por ser de difícil reciclagem. “Arcamos com o custo extra até que tivéssemos uma escala que permitisse a viabilidade econômica. Depois de dois a três anos, alcançamos o equilíbrio de custo”, ressalta o diretor.
Na avaliação de Mascaro, o designer contemporâneo deve conciliar a atratividade das embalagens com total respeito ao planeta. “Precisamos projetar para haver o menor consumo possível de matérias-primas, focar em embalagens com menos combinações de materiais, mais simples, porém, sem perder sua essência. Elas devem seduzir o consumidor, além de serem fáceis de desmontar e ocupar o menor volume possível no transporte, estocagem e descarte.”
Reduzir material, eliminar substâncias tóxicas, reciclar e reutilizar

Um dos principais aspectos da nova geração de produtos sustentáveis consiste na difícil e fundamental substituição de substâncias nocivas ao meio ambiente por outras mais amigáveis. E também pelo reaproveitamento de materiais feitos a partir de recursos finitos na composição de novos itens.
Na Henkel, a clássica cola em bastão Pritt possui, atualmente, cerca de 90% dos materiais adesivos compostos de produtos renováveis. Há tempos, sua fórmula trocou elementos à base de petróleo por  amido natural. Antes feita à base de resina sintética, hoje é produzida com poliglucosídio, um derivado de açúcar, que torna o produto biodegradável.
O PE Verde da Braskem também amplia o leque de opções para substituição de substâncias não-biodegradáveis.Destinado à indústria automobilística, de embalagens alimentícias, cosméticos e artigos de higiene pessoal, o material apresenta o mesmo aspecto e propriedades dos plásticos tradicionais, além de capturar CO2 da atmosfera – uma tonelada de resina verde capta 2,5 t de gás carbônico.  “Não estamos mais preocupados apenas com o que acontece dentro das nossas fronteiras. Também buscamos formas para que a cadeia do plástico seja mais sustentável, desenvolvendo, por exemplo, produtos que auxiliam os clientes a reduzir o consumo de matéria-prima e de emissões de CO2”, ressalta Leonora, da Braskem.
Para o consumidor final, as opções do mercado brasileiro abrangem os mais diversos segmentos. A coleção AdidasOriginals, por exemplo, possui roupas, calçados e acessórios elaborados com materiais recicláveis, orgânicos e biodegradáveis e a coleção Grün (palavra que significa “verde” em alemão) trabalha com fibras naturais como hemp, juta, bambu, fibra de milho e algodão misturados à soja e sementes de girassol.
Os produtos da linha demandam poucos tingimentos e reutilizam materiais como garrafas PET e borracha de pneus. “Existem cores específicas obtidas a partir do algodão orgânico, o bambu e materiais reciclados”, destaca o gerente de comunicação da Adidas, Paulo Ziliotto. Por meio do projeto Better Place, a empresa planeja tornar sustentável toda a sua produção no longo prazo.
No segmento automotivo, as questões materiais relacionam-se ao consumo de energia e à busca de combustíveis mais limpos. A General Motors do Brasil, já possui toda a linha de produtos no País com a tecnologia flex fuel, por meio da qual os veículos podem utilizar os combustíveis gasolina ou etanol, usando qualquer proporção na mistura dos dois. A picape S10, por exemplo, é a única no seu segmento que dispõe dessa tecnologia. Anualmente, a GM dedica investimentos na ordem de US$ 500 milhões ao desenvolvimento de novas soluções.
Iveco, por sua vez, apresentou recentemente ao mercado o Daily elétrico, primeiro veículo do tipo na categoria de carga da América Latina e que também conta com baterias 100% recicláveis ao final da vida útil. A empresa possui outras linhas de pesquisas, como em combustível renovável, feito a partir de biomassa, soja, dendê, pinhão-manso e girassol, entre outras fontes. Foi uma das primeiras a adaptar seus veículos para o B5 (mistura de até 5% de biodiesel e 95% de diesel).
Melhores soluções exigem pesquisa e desenvolvimento aplicados
A combinação design e tecnologia de ponta costuma seduzir até mesmo  o mais contido dos consumidores. O setor de eletroeletrônicos sabe bem o poder dessa dupla. Aos poucos, felizmente, as questões socioambientais começam a representar atributos de produtos nesse segmento.
Destacam-se soluções como celulares que funcionam a partir de energia solar e emitem sinais quando a bateria já está carregada – evitando o desperdício de energia dos carregadores. Esses, por sua vez, também têm reduzido substâncias nocivas e utilizado materiais como plástico biodegradável.
Aparelhos como o Samsung Solar – alimentados pela energia do sol – tendem a ganhar espaço e importância com diferenciais significativos para o consumidor final. Além disso, o esforço para reduzir materiais agressivos ao meio ambiente (como chumbo e cromo) também faz parte dos planos da empresa. “Nossos produtos já estão praticamente livres dessas substâncias. E mesmo as que ainda não conseguimos banir, são controladas de forma muito minuciosa”, ressalta Verner, da Sansumg.
Exemplos não faltam. Os monitores da Linha T – SyncMaster são fabricados com matéria-prima 100% reciclável, o monitorECOFit dispensa pintura em spray e compostos orgânicos voláteis em sua estrutura e os da Série 6 não utilizam cola nem parafusos em sua montagem. No quesito de redução de energia, a nova geração de televisores de LCD conta com a tecnologia LED, que gera até 40% de economia. A linha foi muito bem recebida pelos consumidores. Mas, segundo Verner, não há como definir se um cliente paga a mais por um produto desse tipo porque ele é ecologicamente correto ou porque é mais sofisticado. Em seu processo de apuração, Ideia Socioambiental descobriu, desde logo, que inexistem pesquisas no Brasil para avaliar o peso dos atributos socioambientais na decisão de compra dos consumidores nacionais. “Não estamos lançando produtos, cujo único apelo seja o fato de serem ecologicamente corretos. Do nosso ponto de vista, todos os produtos devem ter essa característica”, avalia Verner
Já a Motorola, lançou no Brasil, recentemente, o MOTOTM W233 Eco,  primeiro aparelho do mundo feito parcialmente de garrafas plásticas – produto tem 25% da sua estrutura externa feita a partir desse material reciclado. Através de uma parceria com a Carbonfund.org™, a empresa visa compensar todo carbono emitido na fabricação, distribuição e uso do celular com investimentos em projetos de preservação, reflorestamento e energia renovável. A companhia também investe há cerca de dez anos no programa ECOMOTO, que engloba, entre outras atividades, a reciclagem de baterias e celulares de qualquer marca, que podem ser depositados em urnas presentes nos serviços autorizados da companhia.

No segmento de informática, a HP avalia todas as etapas da cadeia produtiva, gerenciando o ciclo de vida de seus produtos por meio de um programa mundial denominado HP Eco Solutions. A sua linha de impressoras de alto volume (grande porte) gera 40% de economia em energia. Já os produtos de  impressão e imagem são, normalmente, de 70% a 85% recicláveis ou recuperáveis, enquanto desktopsnotebooks (até 90% recicláveis ou recuperáveis em peso) economizam 25% de energia em relação aos índices de 2005.
Para Saidi, diretor de sustentabilidade ambiental da empresa, as dinâmicas de substituição de materiais que tornam os produtos mais leves e recicláveis também são variadas. “Precisa-se ter viabilidade técnica, abundância do material substituto e também tempo para executar essa mudança. Não é apenas o fato de substituir, e sim conceber outra forma de fazer o mesmo processo, o que exige pesquisa e desenvolvimento”.
Ainda no segmento de informática, a Apple tem desenvolvido notebooks com corpos monobloco feitos de alumínio altamente reciclável e telas de LED retroiluminadas, mais econômicas em termos de energia e livres de mercúrio e arsênico. Os produtos iMacMac mini usam componentes internos e cabos sem PVC nem brominato em sua composição, adotando embalagens que empregam baixo volume de materiais, a maior parte recicláveis.
Ao longo dos últimos anos, a Sony Ericsson desenvolveu o conceito GreenHeart, do qual fazem parte os aparelhos C901 GreenHeart™Naite, baseados em estruturas de bioplástico, teclados de plástico reciclado,  carregadores econômicos e manuais disponíveis na internet em formato HTML.
Os aparelhos também possuem uma aplicação educacional em forma de jogo chamada “Ecomate” para estimular a os consumidores a considerarem aspectos socioambientais em suas atitudes cotidianas.

No setor automobilístico, o Polo BlueMotion, da Volkswagen, lançado em março deste ano,  proporciona ao usuário um consumo de combustível e um índice de emissões 15% menores do que o modelo convencional. Para tanto, o  veículo teve alterações mecânicas e eletrônicas, com uma nova relação de marchas e a reprogramação do gerenciamento da injeção eletrônica.
O fato de contar com novos diferenciais aerodinâmicos resulta em redução de atrito e consequente diminuição de consumo. A sílica presente na composição do jogo de pneus e a direção com assistência eletro-hidráulica exigem menos esforço do motor, o que reduz o consumo de combustível e as emissões de CO2. “A empresa realiza sistematicamente pesquisas qualitativas para avaliar a aceitação dos consumidores a novas propostas de produtos, que neste caso também inclui produtos sustentáveis, como o Polo BlueMotion.  Essas pesquisas levantam claramente as expectativas e desejos dos clientes”, destaca Fabrício Biondo, gerente executivo de Planejamento de Marketing da Volkswagen do Brasil.

Leia aqui a íntegra do levantamento sobre produtos verdes realizado por Ideia Sustentável.
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