Especial – O outro Brasil que vem aí – parte 1

Especial – O outro Brasil que vem aí – parte 1

Os desafios e oportunidades para a consolidação do mercado de tecnologias sustentáveis no Brasil
“Eu ouço as vozes. Eu vejo as cores. Eu sinto os passos de outro Brasil que vem aí, mais tropical, mais fraternal, mais brasileiro.” O sentimento de Gilberto Freire, expressado no poema que empresta seu título a esta matéria, sintetiza um momento, se não único, ao menos particular na economia brasileira. Com ou sem crise, o mercado para tecnologias sustentáveis no Brasil apresenta oportunidades e resultados reais, atraindo o interesse de investidores estrangeiros. Mais do que uma nova tendência, a sustentabilidade representa uma oportunidade de conduzir a maior economia da América Latina ao grupo de países desenvolvidos.
Segundo Daniel Esty, professor da Universidade Yale e autor de “O verde que vale ouro”, o Brasil é a nação com mais condições de liderar a transição para uma economia sustentável, mostrando ao mundo que esse novo modelo de desenvolvimento e consumo não só é possível como muito mais vantajoso em termos econômicos, ambientais e sociais. “Como um país rico em recursos naturais e com um grande número de executivos que entendem o potencial para a vantagem competitiva baseada na gestão dos aspectos ambientais, o Brasil poderia emergir como a nação que quebra paradigmas e move-se em direção a um futuro de energias limpas e um novo modelo de capitalismo fundado no compromisso com a sustentabilidade”, afirma Esty.
O avanço do mercado para a sustentabilidade no Brasil ocorre em duas frentes. A primeira se dá pela importação de tecnologia, tendo como agentes principais as multinacionais que atuam no País. Ao identificar uma demanda interna, as companhias aqui instaladas adaptam seus portfólios, trazendo produtos e tecnologias sustentáveis desenvolvidas em suas matrizes.
Por outro lado, há soluções inovadoras, criadas com tecnologia 100% nacional, e grande potencial de exportação. No entanto, o principal desafio para consolidação desse modelo de negócio consiste em transformar vantagem comparativa em vantagem competitiva, para que soluções tecnicamente eficientes, desenvolvidas no país, como o etanol, possam ser exportadas para o restante do mundo.
“O acesso a mercados internacionais tem sido restringido em alguns países. Especialmente os Estados Unidos têm colocado barreiras às importações brasileiras. No entanto, o Brasil tem um bom case que justifica a destruição desses obstáculos para um mercado mais livre”, ressalta Esty.
O estudo “Tecnologias sustentáveis no Brasil”, da Roland Berger Strategy Consultants, também aponta alguns pré-requisitos para a consolidação do mercado para a sustentabilidade. Entre eles, destacam-se a ampliação da oferta doméstica e o acesso aos mercados internacionais de equipamentos e tecnologias ambientais; um maior intercâmbio tecnológico entre países e empresas, a harmonização e a simplificação do quadro regulatório.
Segundo estimativa da consultoria, o mercado para produtos sustentáveis movimenta cerca de 1 trilhão de euros em todo o mundo. A projeção é que o setor alcance 2,2 trilhões até 2020. Já o mercado para a sustentabilidade no Brasil está estimado em US$ 17 milhões, com previsão de crescimento de 5 a 7% até 2020. O montante representa 0,8% das receitas globais obtidas nesse segmento.
Energia renovável, resíduos sólidos, eficiência energética, água e saneamento foram identificadas pelo estudo como as áreas que apresentam maiores oportunidades no Brasil. No entanto, a oferta de tecnologia sustentável é considerada insuficiente em quase todas elas.
Um mercado em evolução
Na definição do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, tecnologia sustentável consiste em metodologias, técnicas, sistemas, equipamentos ou processos economicamente viáveis, passíveis de serem produzidos e aplicados de forma a minimizar os impactos negativos e a promover impactos positivos no meio ambiente, na qualidade de vida das pessoas e na sustentabilidade da sociedade.
Tão importante quanto desenvolver a tecnologia em si é, portanto, identificar os sinais do mercado de produtos e serviços sustentáveis. Essa é uma tarefa especialmente complexa, na medida em que se baseia em novos valores e comportamentos de consumo em processo de formação.
No entanto, a sustentabilidade é uma tendência irreversível. Deixar de responder a ela pode significar perda de mercados no futuro. “A grande revolução ainda está por vir. Temos um mundo que está mudando e um consumidor que já mudou. Porém, mais de 95% das empresas parecem míopes miopia. Elas não estão enxergando o que o consumidor quer”, afirma Newton Figueiredo, diretor da Sustentax.
Segundo pesquisa do Ibope, realizada em 2007, 52% dos consumidores brasileiros já estavam dispostos a comprar produtos de fabricantes que não agridem o meio ambiente mesmo que tivessem que pagar a mais por isso. Mas é preciso cautela na interpretação desse dado. Produtos sustentáveis não necessariamente precisam ser mais caros. Em seu livro “O verde que vale ouro”, Esty enfatiza que vender produtos com base exclusivamente em valor ecológico, cobrando por isso um premium price, pode ser um equívoco, punido com a indiferença do consumidor, ou pior, com a sua antipatia.
Por outro lado, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis demanda altos investimentos que precisam ser recuperados pela empresa. Na opinião de Rolf-Dieter Acker, presidente da Basf para a América do Sul, os produtos verdes resultam de um modelo de negócios que incorpora as chamadas externalidades. Por isso é compreensível que sejam mais caros. “Normalmente, quando há produtos a preços muito baixos, quem paga é a sociedade, tendo que gerenciar os danos decorrentes da poluição, por exemplo”, ressalta.
Para Roberta Cardoso, pesquisadora do Centro de Excelência em Varejo da FGV-EAESP, consolidar um novo modelo de produção e consumo baseado na sustentabilidade exigirá o acesso crescente das pessoas a produtos com vantagens ambientais e sociais. “Há uma necessidade de massificação dos produtos sustentáveis. Enquanto representarem um nicho ou diferencial, os impactos em relação à sustentabilidade do planeta, que é o objetivo final disso tudo, vão ser muito reduzidos. Continuamos falando em números e impactos pequenos”, ressalta.
A Philips aposta na educação como forma de estimular o consumo consciente e aumentar a demanda por produtos sustentáveis. “Para que o produto tenha um preço compatível com o mercado ele precisa ser vendido em larga escala, e ter cada vez mais investimento em sua produção. Por isso, lembramos a importância da educação a fim de orientar o consumidor a buscar produtos que tenham qualidade, preço e também atributos relativos à sustentabilidade”, afirma Dáurio Speranzini, vice-presidente de Sustentabilidade da Philips.
Mecanismos de incentivos ou de isenção tributária também poderiam contribuir com a consolidação do mercado para a sustentabilidade no Brasil, estimulando a adoção de novos padrões de produção e tecnologias mais limpas pelas empresas, sem transferir os custos dessa mudança para o consumidor. “Soluções tradicionalmente aplicadas para reaquecer a economia em momentos de crise, a partir da redução de tributos como IPI e ICMS, poderiam ser também utilizadas para produtos sustentáveis, tornando-os mais acessíveis ao consumidor”, defende Roberta.
No segmento de transportes, Mathias Carlbaum, diretor de vendas e marketing da Scania para a América Latina, ressalta a importância de se encontrar soluções que não penalizem a população com tarifas mais caras ou aumento de impostos. “O incentivo às alternativas sustentáveis pode vir dos recursos economizados com a redução de gastos com a saúde pública, considerando-se que agridem menos o meio ambiente”, propõe.
Informação e confiança
A falta de informação também constitui entrave importante para a concretização do mercado para a sustentabilidade. Segundo pesquisa realizada, em 2007, pela Mckinsey, para identificar as barreiras às compras verdes, os consumidores desconhecem a existência desses produtos e, principalmente, os critérios que os tornam diferenciados. Em muitos casos, por absoluta desinformação, e uma boa dose de preconceito, relacionam os atributos socioambientais com baixa qualidade. E em outros, demonstram algum ceticismo quanto ao que o fabricante comunica, temerosos de serem presas fáceis de práticas como greenwashing (maquiagem verde) ou mesmo o excesso de auto-propaganda.
“As empresas já entenderam que a questão da sustentabilidade é um apelo de mercado, mas têm dificuldade em mostrar quanto uma opção é melhor do que a outra. Os consumidores enfrentam dificuldades para comparar os produtos”, afirma Roberta. Posicionar-se no mercado como empresa sustentável apenas por deter uma tecnologia com vantagens ambientais e sociais pode trazer retorno no curto prazo. No entanto, essa postura impõe riscos ante a consciência crescente e o alto nível de exigência dos consumidores. Para oferecer ao mercado uma solução sustentável, a empresa precisa ter passado por um processo de revisão de suas práticas e estratégia a fim de integrar definitivamente a sustentabilidade ao seu negócio.
Com o propósito de tornar mais estratégicos os seus esforços e investimentos em sustentabilidade, muitas empresas têm recorrido a ferramentas de análise do ciclo de vida. Essa metodologia permite conhecer os impactos dos produtos e processos ao longo de toda a cadeia produtiva, indicando quais deles são mais vantajosos em termos econômicos, ambientais e sociais. Desde 1996, a Basf utiliza uma metodologia própria denominada análise de ecoeficiência, cujos resultados orientam a tomada de decisões estratégicas, a realização de pesquisas e ações de mercado pela empresa. Em todo o mundo, o instrumento identificou 350 casos de produtos e processos sustentáveis. No Brasil, são 20.
A Henkel, por sua vez, já utiliza a análise do ciclo de vida há mais de 20 anos, com resultado concreto em melhorias de processos e produtos. Foi com o suporte da ferramenta, por exemplo, que a companhia substituiu, na fabricação da cola Pritt, uma resina sintética pelo poliglucosídio, um açúcar e, portanto, matéria-prima totalmente biodegradável.
Outra tendência recente é a comunicação dos impactos dos produtos, identificados nessas análises, aos consumidores. Hoje até as chamadas pegadas de carbono já são divulgadas nos relatórios. No entanto, a falta de padronização dos mecanismos de mensuração do carbono tem desestimulado algumas empresas a informar as emissões, de forma mais contundente, nas embalagens dos produtos. Henkel e Basf, por exemplo, integram um movimento de empresas alemãs em parceria com a World Wildlife Fund (WWF) para criar um critério padronizado para as emissões de carbono ao longo de todo o ciclo de vida.
O grande diferencial dessa iniciativa é a mensuração das emissões não só no processo de fabricação, mas também no consumo. “No caso de produtos de limpeza, higiene pessoal e cosméticos, segmentos para os quais fornecemos soluções, grande parte do ciclo de vida depende do modo como o consumidor os utiliza, que pode gastar mais ou menos recursos naturais”, ressalta Sérgio Krude, gerente de engenharia e desenvolvimento sustentável da Henkel.

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