Especial – Megacidades sustentáveis – parte 1

Especial – Megacidades sustentáveis – parte 1

Foto: Érico Hiller
Do surgimento da Polis Grega até a era dos automóveis, aparelhos celulares e computadores pessoais dos anos 2000, as cidades persistiram como os principais núcleos de desenvolvimento das nações. No entanto, viver em regiões urbanas tem sido cada vez mais difícil. Congestionamentos, poluição, carência de moradia e saneamento são apenas alguns dos desafios enfrentados nas polis do século 21, que já abrigam metade da população mundial, proporção que poderá chegar a 70% até 2050, segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU). Nova York: Primeira cidade a atingir 10 milhões de habitantes ainda na década de 50
Ao mesmo tempo em que, muitas vezes, constituem um problema para quem mora nelas, as cidades podem indicar soluções para um modelo de desenvolvimento sustentável. É o que defende Marc Weiss, presidente da Global Urban Development. “O destino do planeta depende cada vez mais do futuro das cidades. As principais promessas da vida urbana são a civilidade e a cidadania. Isso inclui o equilíbrio de direitos e responsabilidades, um sentimento de pertencimento, a cortesia diária que torna a vida segura e prazerosa, avanços sociais e econômicos, aspectos representados pela definição de civilização, cuja raiz é a mesma da palavra cidade”, afirma Weiss.
Para ele, a concentração de pessoas faz das grandes regiões urbanas incubadoras de crescimento e inovação, por reunir um amplo conjunto de conhecimentos, habilidades humanas, criatividade e cultura, configurando um potencial que deve ser reconhecido e orientado para o desenvolvimento sustentável. “A vida urbana é importante por vários motivos e um deles é porque oferece o espaço ideal para inovações capazes de nos ajudar a viver de maneira mais sustentável”, ressalta.
Atualmente, um quinto do PIB mundial é gerado nas dez cidades economicamente mais importantes. Para se ter uma idéia, a cidade de Tóquio, que abriga 28% da população do Japão, responde por 40% do PIB do país, segundo estudo da Munique Re.
Historicamente, as cidades tendem a ficar ricas primeiro para depois buscar o equilíbrio do meio ambiente e do bem-estar de seus habitantes. Mas esse modelo de desenvolvimento replicado, sobretudo, no mundo dos países emergentes seria um desastre no contexto de mudanças climáticas.
Apesar de ocuparem apenas 2% da superfície da terra, as regiões urbanas consomem 75% dos recursos do planeta. De acordo com o relatório das Nações Unidas, “O estado das cidades no mundo”, a sustentabilidade requer cidades que funcionem de maneira circular.  Para tanto, as áreas urbanas precisam buscar padrões mínimos de desperdício por meio da redução do uso de combustíveis fósseis, da maximização da reciclagem, reuso de energia, água e materiais.
Combinar competitividade econômica, respeito ao meio ambiente e qualidade de vida é o grande desafio para o desenvolvimento sustentável das cidades. Os caminhos para tanto precisam ainda ser traçados com base em algumas experiências de sucesso que podem e devem ser replicadas. Para Weiss, no entanto, é preciso atentar-se a realidade de cada região. “Os países emergentes têm vantagens, pois conhecem os erros cometidos no passado por países desenvolvidos. Por isso, devem buscar novas formas de desenvolvimento de suas cidades ao invés de continuar replicando os modelos adotados pela Europa e Estados Unidos”, ressalta.
Novos modelos de governança e estruturas descentralizadas
A discussão da sustentabilidade nas cidades passa por assuntos tão diversos quanto governança, planejamento, infra-estrutura, transporte, emprego, tecnologia, cultura, desenvolvimento comunitário, meio ambiente, saúde e segurança. E uma agenda tão ampla pede, obviamente, o engajamento de diversos atores.
No entanto, os sistemas de governança não têm evoluído no mesmo ritmo em que avançam os limites das regiões urbanas e as atividades econômicas. As cidades não só estão maiores, como também mais interdependentes, o que acaba por exigir estruturas descentralizadas. “A cidade sustentável não pode ser gerida por modelos macros, mas sim por meio de estruturas descentralizadas que proporcionem, por exemplo, a gestão regional dos mananciais de água urbanos e a geração de energia localmente, minimizando impactos e conferindo maior autonomia às cidades”, ressalta Maurício Waldman, geógrafo e sociólogo da Universidade de São Paulo (USP).
A necessidade de governos locais mais fortes foi uma das tendências identificadas pelo estudo “Desafios das megacidades”, encomendado pela Siemens à GlobeScan e MRC McLean Hazel. Segundo a pesquisa, que ouviu mais de 500 especialistas dos setores públicos e privados de 25 cidades, a urgência de soluções estratégicas para as regiões urbanas impulsiona maior autonomia dos governos municipais.
Segundo Laura Valente, diretora regional do Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade na América Latina e Caribe, para fortalecer os governos municipais é preciso desenvolver e disseminar metodologias que ajudem a construir capacidades, compartilhar conhecimentos e dar suporte na implementação do desenvolvimento sustentável. “No Iclei, estimulamos a atuação em rede que proporciona a troca de experiências, assim como o aprendizado a partir dos erros e acertos de outras regiões que convivem com os mesmos problemas. Além disso, reforçamos a importância de trabalhar com metodologias de avaliação de desempenho, estabelecendo metas a cumprir no médio e longo prazos”, explica.
Parcerias intersetoriais para uma gestão com respeito à diversidade
O estudo “Desafio das megacidades” também reforçou a necessidade de ampliar as parcerias entre governos e empresas no setor de infra-estrutura. De acordo com o documento, mais de 70% dos funcionários públicos e políticos eleitos vêem as Parcerias Público-Privadas (PPPs) como uma maneira viável de introduzir soluções de infra-estrutura e mais de 60% acreditam que a privatização aumentaria sua eficiência.
Uma das descobertas mais surpreendentes da pesquisa foi o fato de que a principal vantagem percebida na parceria com o setor privado decorre do ganho de eficiência, mais do que o acesso a recursos financeiros. Quando perguntados sobre qual seria a melhor solução para os desafios que enfrentam, metade dos prefeitos entrevistados destacaram o planejamento contra somente 12% que citaram a necessidade de recursos financeiros.
Entre as conclusões, o estudo demonstra que o sucesso das parcerias público-privadas depende de novos modelos de gestão, por meio dos quais a propriedade e a parceria dos serviços possam ser compartilhados.
Outra experiência que tem rendido frutos é a constituição de organizações não-governamentais de caráter intersetorial a fim de discutir coletivamente propostas para as cidades.
O pioneiro “Bogotá Como Vamos” foi criado da união de ONGs e empresários em 1997, durante a campanha para a prefeitura da capital colombiana. O movimento tem como objetivo promover alianças estratégicas para potencializar recursos de diferentes atores no desenvolvimento de políticas públicas.
À medida que constrói conhecimento sobre a cidade, o “Bogotá Como Vamos” estimula uma participação maior dos cidadãos na administração pública.
Nesse sentido, criou o Bogotómetro, por meio do qual a população pode acompanhar os principais indicadores do desenvolvimento da cidade com informações sobre educação, saúde, meio ambiente e finanças públicas, por exemplo.
O principal avanço em termos de democracia participativa se deu com a criação de uma lei que obriga o prefeito a seguir à risca o seu plano de campanha, sob pena de sofrer impeachment. Além de assegurar o cumprimento das promessas dos prefeitos, a lei permitiu que as melhores iniciativas de gestão pública fossem perpetuadas.
Ao longo de mais de 10 anos, a experiência do “Bogotá Como Vamos” multiplicou-se por outras quatro cidades colombianas (Barranquilla, Cali, Cartagena e Medellín), atravessando o país para inspirar movimentos semelhantes nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Teresópolis e Ilha Bela.
A capital paulista foi a primeira a pegar carona com a criação do “Movimento Nossa São Paulo”, em 2007. A iniciativa já reúne 500 organizações, entre empresas, entidades civis, grupos de lideranças comunitárias e cidadãos.  A proposta dos participantes é construir uma força política, social e econômica capaz de comprometer a sociedade e sucessivos governos com um conjunto de metas que ofereçam melhor qualidade de vida para todos os habitantes da cidade.
Assim como em Bogotá, o “Nossa São Paulo” conseguiu mobilizar a Câmara de Vereadores a aprovar uma lei que obriga os prefeitos a divulgar um plano de governo em até 90 dias após assumir o cargo e a prestar contas à população a cada seis meses. Só não foi incluído o mecanismo do impeachment, pois para tanto seria preciso alterar a constituição brasileira.
As atividades do movimento “Nossa São Paulo” estão divididas em quatro eixos. Em um deles, a proposta é selecionar e sistematizar os principais indicadores de qualidade de vida para cada subprefeitura, de modo que sirvam de base para a sociedade civil, partidos políticos e governos. O acompanhamento cidadão, como o nome sugere, visa o monitoramento da administração pública, dos indicadores da cidade e da percepção dos moradores. A educação cidadã promove campanhas de conscientização para estimular o sentimento de pertencimento da população. A última frente do “Nossa São Paulo” é a de mobilização cidadã que incentiva a incorporação de novas lideranças, empresas e organizações sociais ao movimento.
Na mesma linha, outra experiência inovadora de gestão pública que tem se multiplicado no Brasil é o orçamento participativo. Nos anos 80, as cidades de Vila Velha (ES) e Uberlândia (SP) iniciaram discussões populares sobre a aplicação dos recursos públicos. Mas foi em Porto Alegre, em 1989, que a experiência de “Orçamento Participativo” iniciou-se, de fato, vindo a ser, inclusive, reconhecida nacional e internacionalmente.
No período de 1997 a 2000, cerca de 140 municípios brasileiros iniciaram um processo de participação que tinha por objetivo a implementação do Orçamento Participativo. Desse total, 60 realizaram a experiência durante os quatro anos de governo, segundo pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Participação Popular (FNPP), em 2003.
“A experiência do orçamento participativo exige uma capacidade de organização e coloca à prova o próprio poder público à medida que dá voz a diferentes atores. Esse diálogo contribui com a definição de prioridades e gestão dos principais problemas da cidade”, ressalta Henrique Rattner, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

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