Especial – Inovação e Sustentabilidade – parte 1

Especial – Inovação e Sustentabilidade – parte 1


Foto: Rodolo Clix
Pessoas de todo o mundo interligadas em redes sociais. Liderança intelectual no lugar da hierarquia funcional. Conhecimento, criatividade e ousadia representando uma nova moeda. Conflito de idéias como instrumento de criação de novos caminhos. É nesse ambiente, em outros tempos considerado confuso, que organizações inovadoras sustentáveis precisam atuar. O físico Fritjof Capra não poderia ter exemplificado melhor o tamanho desse desafio ao afirmar que o território no qual operam “se aproxima do limite do caos”.>Em meio à aparente (des)ordem, o primeiro passo para construção de uma cultura de inovação voltada para a sustentabilidade consiste, na verdade, em uma pergunta: “para que inovar?”. Esse simples questionamento tem o poder de reorientar a estratégia da companhia em busca de soluções sustentáveis.
Segundo Moysés Symantob, pesquisador e co-fundador do Fórum de Inovação da Fundação Getúlio Vargas (SP), uma organização inovadora sustentável não é a que introduz novidades de qualquer tipo e a qualquer custo. “Ninguém é contra o florescimento e a inserção de novidades no mercado. Mas é necessário que a inovação atenda às múltiplas dimensões da sustentabilidade em bases sistemáticas, que colha os resultados esperados pela empresa, pela sociedade e pelo meio ambiente”, ressalta.
As inovações determinam o que será produzido, com que meios, para quem e como serão distribuídos os resultados do esforço coletivo. De acordo com Symantob, por conta desse potencial de impacto sobre o meio ambiente e a sociedade, as inovações devem estar vinculadas à sustentabilidade. E o campo para desenvolvimento de inovações sustentáveis vai desde a eliminação de substâncias tóxi¬cas, redução de quantidade de matéria-prima e energia por unidade produzida até o aumento da vida útil do produto.
No entanto, na maioria das empresas ainda prevalece a idéia de oferecer algo a mais e, segundo Henrique Rattner, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), não necessariamente mais seguro, mais limpo ou mais eficiente. “A inovação normalmente está associada ao novo. No entanto, essa filosofia não faz muito sentido do ponto de vista da racionalidade do Planeta. Isso porque há produtos que podem perfeitamente servir por muito mais tempo sem prejuízo nenhum, mas o consumidor é estimulado, induzido e muitas vezes até condicionado pela propaganda a adquirir novos produtos”, afirma Rattner.
Meio inovador

Para mudar a lógica descrita por Ratner o ideal é que todos os esforços de inovação se voltem para o desenvolvimento sustentável. Essa condição traz desafios empresariais importantes, como por exemplo, do a necessidade de contar com uma força de trabalho mais consciente, de ter líderes capazes de pensar como cidadãos e de reforçar relações de trabalho mais permanentes.
Valores como compromisso, lealdade, integridade, honestidade e confiança são essenciais para consolidar uma cultura de inovação centrada na sustentabilidade, que envolva não apenas os funcionários, mas também clientes, fornecedores e comunidades, entre outros stakeholders.
“Ao se falar em inovação, espera-se grandes projetos e ações, quando o mais importante são as inovações incrementares, as pequenas inovações. Elas acontecem nos processos das empresas, resultantes de um clima de confiança mútua entre a direção e os públicos de interesse. Para tanto, precisamos, antes de mais nada, de uma inovação na forma de administrar as organizações de modo que a comunicação não seja hierárquica e proporcione o diálogo com os funcionários – executores dos diferentes processos da companhia – e com aqueles que, de alguma maneira, são impactados pelas suas atividades”, afirma Rattner.
Para que se desenvolvam condições favoráveis à inovação, a estrutura organizacional precisa ser mais flexível, assemelhando-se inclusive a sistemas biológicos. Essa proposta inspira-se no pensamento de autores como Arie de Geus (A empresa viva) e Fritjof Capra (Conexões ocultas). Ambos tratam da necessidade de não fragmentar a organização, formando estruturas em que a parte está no todo da mesma forma que o todo pode ser encontrado na parte. “É crescente o debate em torno de organizações flexíveis, estruturadas de forma plana, com modelos mais próximos de células, muito amparadas em sistemas vivos”, explica Symantob.
No estudo “A empresa viva”, que deu origem ao livro de mesmo nome, executivos da Royal Dutch Shell, entre eles o consagrado de Geus, identificaram alguns fatores que caracterizam as empresas mais perenes. Entre as suas prioridades, incluem-se valorizar as pessoas, flexibilizar a direção e o controle, assim como organizar-se para aprender. Além disso, elas possuem características comuns, como sensibilidade ao ambiente externo, consciência de sua identidade e tolerância a novas idéias.
No livro “Organizações Inovadoras Sustentáveis”, Symantob e José Carlos Barbieri – organizadores da obra – lançaram mão do pensamento sistêmico para discutir inovação e sustentabilidade. Para Symantob, a inovação é um modo diferente de olhar e estruturar o futuro da organização partindo do questionamento de como a companhia pode continuar competindo e, ao mesmo tempo, se antecipar a cenários futuros. E é nesse aspecto que há a intersecção com o conceito de sustentabilidade, determinante para a perenidade da empresa.
Ao aceitar o desafio da sustentabilidade, a organização reconhece seus impactos no meio ambiente e na sociedade, adotando um comportamento aberto ao diálogo com as diferentes partes interessadas. A partir desse momento, a habilidade de estabelecer relações de colaboração com elas torna-se determinante para os negócios da companhia.  “Grandes organizações, como o Google, a Microsoft, a Natura e a Braskem começam a trabalhar em uma plataforma chamada open innovation, em que grande parte das inovações está nas bordas organizacionais, vinda de parceiros, fornecedores e centros de pesquisa espalhados pelo mundo, de experiências da internet e de tentativas de fazer simulação de negócios pelo Second Life ou na Web 2.0, por exemplo”, ressalta.
Economia criativa
Na busca de estratégias para tirar proveito do caos criativo nas organizações, a área cultural sobressai-se como uma fonte inesgotável de benchmarking. Com base na experiência desse setor, foi criado, por exemplo, o conceito de economia criativa que reúne as atividades que extraem a sua matéria-prima da cultura e criatividade.
De acordo com a definição da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNCTAD), a economia criativa é uma opção viável de desenvolvimento que convida à inovação, a respostas políticas multidisciplinares e à ação intersetorial.
Segundo Lala Deheinzelin, consultora da Enthusiasmo Cultural e assessora do Programa de Economia Criativa da South-South Cooperation Unit/PNUD/ONU, vive-se hoje uma mudança de época. Esse período se caracteriza pela transição de uma centralidade – que existiu durante décadas, em que todos os recursos eram tangíveis e, portanto, finitos – para um momento em que aquilo que tem mais valor está ligado ao intangível. “A escolha do consumidor vai ser crescentemente determinada pelo tipo de experiência que ele tem, pela sintonia de se identificar com o produto ou serviço, com os valores de sustentabilidade”, ressalta.
Segundo a ONU, a economia criativa responde por 10% do PIB mundial. No relatório “Creative Economy”, a UNCTAD divulga que, entre 2000 e 2005, os produtos e serviços criativos mundiais cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, duas vezes mais do que o setor de manufaturas e quatro vezes mais que o da indústria.
Na opinião de Lala, um ambiente favorável à inovação requer, como condições necessárias, a ação multisetorial, o desenvolvimento de profissionais transdisciplinares, capazes de integrar esforços de diferentes atores; o foco em distribuição e acesso e não apenas em produção, novas tecnologias e modelos de gestão para estabelecer redes de cooperação, assim como novas métricas para mensuração de resultados.
Por trabalhar as quatro dimensões da sustentabilidade (econômica, social, ambiental e simbólica), a economia criativa proporciona um inédito intercâmbio de diferentes tipos de moeda. “O investimento feito em dinhei¬ro, por exemplo, pode ter um retorno social. O investimento em meio ambiente pode gerar um retorno simbólico. Por isso é preciso, desenvolver novas métricas capazes de mensurar as quatro dimensões. Do contrário, a equação não fecha”, exemplifica Lala.
Futuros desejáveis
Outra barreira à inovação, segundo os especialistas ouvidos por Idéia Socioambiental, diz respeito à falta de diretrizes de longo prazo que orientem os esforços voltados para a sustentabilidade. O desafio de antecipar tendências está diretamente relacionado à capacidade inovadora da empresa.
“A organização do futuro será aquela que fará com que seus colaboradores aprendam mais rápido do que os outros. E o saber está cada vez mais dependente da capacidade de perceber, compreender o que está por vir, ou seja, o que ainda é potencial e oculto. Por isso, torna-se fundamental estimular o autoconhecimento e a reflexão dentro da organização”, ressalta Symantob, da FGV.
Foi justamente nesse contexto que ganhou impulso a idéia de criar futuros desejáveis, complementar ao conceito de economia criativa. Segundo Lala, da Enthusiasmo, a metodologia propõe a geração de futuros positivos a fim de orientar escolhas e inspirar inovação. “A diferença desse método é que ele não parte, como nos tradicionais, de uma projeção do presente, que tende a ser muito negativa. Ao contrário, estimula a reflexão sobre em que direção se quer ir, possibilitando, a partir disso, desenhar os caminhos para alcançar o futuro desejável”, explica.
De acordo com Lala, as organizações que pretendem estimular tal prática devem, em primeiro lugar, assumir a atitude de que o futuro ainda não é, mas está por vir e, portanto, pode ser transformado. Além disso, os participantes do processo precisam se perceber como co-autores do futuro.
“Assumir a responsabilidade pelo futuro implica ousadia em questionar: e se fosse tudo diferente? A perspectiva de construir o futuro desejável tem um poder maior de mobilização. As pessoas se animam mais a andar quando vêem algo atraente pela frente do que quando lhes é apresentada uma previsão tenebrosa”, ressalta.

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