Especial – Ensinando a 'ser' a mudança – parte 2

Especial – Ensinando a 'ser' a mudança – parte 2

Nova geração de líderes
Modelos de aprendizagem coletiva à parte, a grande revolução trazida pelo Team Academy diz respeito à quebra de paradigmas. O que diferencia a experiência finlandesa do ELIAS, por exemplo, é o fato de desenvolver novos modelos mentais entre os jovens. Assim, esses futuros líderes são formados de acordo com uma lógica de negócios que já segue os princípios do pensamento sistêmico. “Um dos aspectos mais importantes do programa é que os jovens compreendam as relações de interdependências. Essa visão deve orientar todas as atividades, até as individuais”, destaca Satu.
Desse modo, o desenvolvimento sustentável não representa uma preocupação, mas um conceito intrínseco a todos os processos. “Raramente, utilizamos a palavra sustentabilidade. Isso não quer dizer que o conceito não faça parte da nossa proposta. Muito pelo contrário, está tão integrado às atividades que os alunos, naturalmente, desenvolvem produtos e estratégias voltadas para atender às necessidade econômicas, ambientais e sociais da comunidade”, afirma.
Esse modelo de organização mais flexível, em que todos são responsáveis pelo seu desenvolvimento pessoal e do grupo, requer um novo perfil profissional. “O Team Academy tem um grande potencial para criar novos modelos de negócios e estilos de vida. As ideias de maestria pessoal, responsabilidade e cooperação, disseminadas pelo programa, representam os grandes aspectos para mudar o mundo”, ressalta Ville Keränen, aluno do Team Academy.
Henna Kääriäinen, também aluna do programa, destaca que a metodologia do curso provê aos alunos a capacidade de buscar soluções para desafios complexos, como os que são apresentados pela sustentabilidade.  “O programa ensina como pensar a partir do ponto de vista da comunidade, o que é bom para todos, não apenas para o indivíduo”, ressalta.
A revolução silenciosa do Natural Step
Até o final da década de 80, o cancerologista Karl-Henrik Robert acompanhava à distância as discussões sobre sustentabilidade. Mas percebia que, assim como na comunidade médica, havia uma fragmentação do conhecimento relacionado às questões socioambientais. A especificidade com que o tema vinha sendo tratado dava margem a radicalismos. A comunidade científica de um lado, ativistas de outro, empresas acuadas e pouca mudança efetiva na tomada de decisão.  Esse era o estado da arte na discussão da sustentabilidade.
Foi assim que o médico se deu conta de que o primeiro passo na transição para uma sociedade sustentável seria o estabelecimento de consensos. “O mundo não quer mais gurus. Acho mesmo que deveríamos temê-los. Hoje, para realizar as mudanças necessárias, precisamos de cooperação e da participação de todos, seja ao assumir responsabilidade, seja ao compartilhar o poder. Nesse sentido, precisamos que cada um encontre o guru dentro de si”, argumenta Henrik no livro de sua autoria “The Natural Step”.
As primeiras impressões de Henrik sobre sustentabilidade surgiram a partir das lentes de seu microscópio. A similaridade entre as células humanas e as dos demais seres vivos, a correlação entre a evolução de células cancerígenas e as adversidades resultantes do desenfreado crescimento econômico foram algumas de suas constatações.
A partir do contato com familiares e pacientes, observava também a força que emanava das pessoas na luta pela vida de entes queridos. Questionava-se por que os indivíduos não conseguiam manifestar esses esforços coletivamente na transição para uma sociedade sustentável.
Entre uma e outra reflexão, Henrik teve uma ideia, que em um primeiro momento, mais lhe pareceu um devaneio: elaborar uma declaração de consenso – de qualidade e lógica irrefutáveis – que explicasse a integração entre a biosfera e a sociedade. Esse documento deveria ser enviado a todos os lares e escolas suecas, iniciando um processo de aprendizagem contínuo que contribuiria para a mudança cultural.
A mensagem deveria ser facilmente compreendida e relevante para a tomada de decisão. Em 1988, Henrik escreveu um manifesto cujo ponto de partida era a célula, seu campo de pesquisa. “As células que constituem os seres vivos são incapazes de opiniões. Só se preocupam com as condições fundamentais à vida. Ainda assim, determinam o nosso potencial para a saúde e bem-estar. Portanto, depende de nós inventarmos um sistema que respeite as condições delas.” O médico acreditava que esse argumento consistia em um ponto de partida para a perspectiva sistêmica, que a sociedade precisava desenvolver, e na saída para impasses e conflitos de interesses.
Com o lançamento do manifesto em 1989, Henrik mobilizou os setores públicos e privados, dando origem a um processo de diálogo, cujo primeiro resultado foi a concretização de sua ‘ideia-devaneio’: a distribuição de kits com um livreto e uma fita cassete contendo o manifesto para todos os lares e escolas suecos. Era apenas o primeiro passo de um processo de mudança que impactou significativamente a sociedade sueca e gerou a metodologia do The Natural Step, utilizada internacionalmente nos processos de tomada de decisões.
Contribuições para o planejamento estratégico

The Natural Step se constituiu como uma organização não governamental voltada à educação para uma sociedade sustentável. Com representação em nove países, o TNS oferece consultoria e cursos sobre a metodologia desenvolvida.
A grande contribuição da organização para a sustentabilidade diz respeito à definição de quatro condições sistêmicas à manutenção da vida na Terra, junto a uma metodologia ampla sobre como aplicá-las estrategicamente. (Veja quadro ao lado).
Desde 2004, o TNS oferece um programa de mestrado desenvolvido em parceria com o Blekinge Institute of Technology. Baseado em métodos de aprendizagem experenciais e holísticos, tem como foco o desenvolvimento de estratégias para tomada de decisão e lideranças para a sustentabilidade.
Nas palavras do próprio Hendrik, o objetivo da TNS é apresentar os subsídios para o “planejamento concreto que acontece na segunda-feira de manhã nas organizações”.  Ao invés do tradicional forecasting, que estuda o passado para identificar tendências, o programa trabalha com o backcasting, propondo a definição do futuro desejado e, então, das estratégias de ação para atingi-lo.
Segundo o brasileiro Augusto Cuginotti, engenheiro mecânico que concluiu o mestrado do The Natural Step no ano passado, a clareza e praticidade no processo de tomada de decisão é o grande diferencial da metodologia utilizada no programa.  Além disso, a projeção de futuros por backcasting ganha o respaldo das quatro condições de sustentabilidade. “Funciona como um farol. Com essa referência, é possível olhar à frente e saber onde se deseja chegar, no lugar de apenas reagir aos acontecimentos. Dentro desse escopo, existem várias possibilidades, todas elas sustentáveis, pois foram planejadas de acordo com as quatro condições da sustentabilidade”, explica Cuginotti.
Segundo o engenheiro, outro aspecto que norteia o processo de formação no mestrado de sustentabilidade do The Natural Step é a autonomia. “O programa insiste em oferecer as técnicas e saberes científicos para dar autonomia às pessoas na tomada de decisão. Do contrário, se estabelece uma liderança ditatorial e as pessoas são conduzidas, mas não sabem muito bem para onde vão. O processo de mudança fica dependente do controle de um líder e não se sustenta”, ressalta.
Mecenas da sustentabilidade
O Brasil também têm suas histórias para contar no capítulo da educação para a sustentabilidade. Uma delas surgiu da paixão de dois líderes pela área: Cláudio Pádua, vice-presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE) e Guilherme Leal, co-presidente do Conselho de Administração da Natura.
Ainda que em setores diferentes, ambos têm militado pela revisão de modelos econômicos e culturais. Mas não podiam supor que essa afinidade resultaria em uma parceria que possibilitou a criação do primeiro mestrado profissional em conservação ambiental e desenvolvimento sustentável no Brasil.
Pádua e Leal se conheceram nas reuniões de Conselho do Fundo de Conservação da Mata Atlântica (Funbio). Em uma dessas ocasiões o empresário comentou que gostaria de acompanhar as atividades do IPE. “O Guilherme passou um dia conosco e sempre que falávamos de educação demonstrava interesse. Ao final da visita me perguntou como poderia nos ajudar”, conta Pádua.
O presidente do IPE preferiu não responder de imediato e disse que encaminharia uma proposta ao executivo da Natura. O tempo solicitado não foi pela falta de uma ideia, mas sim para apresentar aquele que seria o projeto de sua vida. Em 1984, Pádua fez o doutorado na Universidade da Flórida, a primeira instituição de ensino a implementar os conhecimentos na área de conservação biológica. Retornou ao Brasil em 1992, em meio a efervescência dos debates sobre sustentabilidade por conta da realização da Conferência de Meio Ambiente das Nações Unidas no País.
Desde então, nutre o desejo de criar uma escola de especialização em sustentabilidade. Tentou viabilizar essa ideia durante o tempo que atuou na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz  (Esalq) e na Universidade de Brasília (UNB), mas esbarrou em dificuldades burocráticas.
Com a criação do IPE, impôs-se a tarefa de fomentar a especialização de profissionais em desenvolvimento sustentável. Hoje, a instituição conta com um corpo de 12 doutores e 20 mestres nas mais diversas abordagens do tema, além de oferecer cursos livres em empreendedorismo e sustentabilidade.
Percebendo uma possibilidade real de concretizar seu sonho com a manifestação de apoio de Leal, Pádua tratou de buscar auxílio para formular sua estratégia. “Por meio da Ashoka cheguei a consultoria Mckinsey e obtive o apoio dos diretores da empresa. Os consultores passaram dois meses conosco elaborando um plano de negócio”, afirma.
Terminado esse processo, Pádua tinha a proposta para Leal e a resposta do empresário foi positiva. A Natura financiaria a construção das instalações da sede do curso de mestrado em conservação ambiental e sustentabilidade, certificada pela Leadership in Energy and Environmental Design (LEED).
O programa foi o primeiro mestrado profissional em sustentabilidade a obter o reconhecimento da Capes e teve início em 2008. Aproposta combina os princípios da conservação biológica e a experiência do IPE na área educacional, assim como de empresas, entre elas a própria Natura, na condução de estratégias de negócios baseadas no triple bottom line.
Para Pádua a aproximação entre companhias e instituições de ensino pode ser muito rica para desenvolvimento de propostas educacionais na área de sustentabilidade. “Muitas empresas já nos procuram para apresentar seus dilemas e desenvolver soluçõesem conjunto. Há experiências de qualidade, mas é preciso coragem para inovar as estruturas de ensino e propostas educacionais”, ressalta.
O programa tem a duração mínima de 18 meses e máxima de 24 meses. As atividades são desenvolvidas todos os dias da semana, totalizando 40 horas. No primeiro ano, o curso exige dedicação exclusiva dos alunos que deverão morar no Campus da Universidade,localizada na cidade de Nazaré Paulista, interior de São Paulo.


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