Especial – Ensinando a 'ser' a mudança – parte 1

Especial – Ensinando a 'ser' a mudança – parte 1

Há um consenso cada vez maior em relação à urgência de transformar radicalmente modelos econômicos e mentais para a promoção de uma sociedade socialmente justa e sustentável. Mas como promover essa transformação? Experiências inovadoras de aprendizagem em todo o mundo indicam que, na busca de respostas a essa pergunta, os indivíduos e organizações precisam deixar de ‘fazer’ para ‘ser’ a própria mudança.
A ideia, em si, não é nova. Consagrou-se em frases que viraram bordão socioambiental como a de Mahatma Gandhi (“Seja a mudança que você quer ver no mundo”) e Margaret Mead (Nunca duvide de que um pequeno grupo de cidadãos conscientes e engajados consiga mudar o mundo”). Hoje, no entanto, essas reflexões deixaram de ter caráter meramente inspiracional para ocupar o centro de diretrizes de educação para a sustentabilidade e planejamento estratégico.
Para Maria Cristina D’Arce, coordenadora da Society for Organizational Learning (SOL), o grande problema da maior parte dos tomadores de decisão é o fato de não se sentirem parte da realidade com a qual lidam. “Contratam especialistas, consultores e promovem grandes esforços para mudar a cultura de uma organização, sem incluir-se nesse processo. Na verdade, a grande sacada seria que eles próprios mudassem para transformar todo o resto”, afirma.
Criada em 1997, a SOL deu continuidade aos trabalhos iniciados por Peter Senge no Center for Organizational Learning, instituição ligada ao Massachussetts Institute of Technology (MIT). Ao longo dos anos, formou-se em torno dela uma grande comunidade com representantes de mais de 30 países que congrega hoje as pesquisas e experiências mais inovadoras nas áreas de aprendizagem organizacional, pensamento sistêmico e sustentabilidade.
O grande fator de sucesso dos conceitos e metodologias disseminados pela SOL consiste, justamente, na capacidade de desenvolver a habilidade de estabelecer diferentes conexões na tomada de decisão.
Para atingir esse objetivo, iniciativas como o ELIAS (Emerging Leaders Innovate Across Sectors), o Team AcademyThe Natural Step, romperam definitivamente as barreiras das estruturas tradicionais de ensino, baseadas em currículos fragmentados. Além disso, os novos programas colocam o indivíduo no centro dessa transformação cultural.
Segundo Cristina, a qualidade interior do indivíduo que intervém na realidade é determinante no resultado final de qualquer ação. “Os projetos de educação devem trabalhar os modelos mentais porque a mudança depende muito das faculdades internas do indivíduo e do modo como ele olha o mundo. Essa transformação interior, no fundo, é o que realmente vai fazer diferença nos diálogos. Enquanto os líderes verem a sustentabilidade apenas como mais um business, a discussão não avançará”, ressalta.

ELIAS e as quatro competências para a sustentabilidade
Como professor do MIT e consultor, Otto Scharmer trabalhou por mais de 10 anos em processos inovadores de grandes companhias. Percebeu que muitas das inovações não alcançavam as dimensões necessárias para promover mudanças sociais. Desde então, têm se dedicado a compreender as condições que resultam em grandes descobertas capazes de transformar realidades.
Junto com outros pesquisadores da SOL, entrevistou lideranças de todo o mundo e, a partir das informações colhidas, sistematizou um processo de aprendizagem com significado que ficou conhecido como Teoria U (leia mais sobre o tema na edição 13 de Ideia Socioambiental).
O modelo, que tem a autoconsciência como fonte suprema para processos de inovação e mudança social, norteia a formação de lideranças no ELIAS. O programa, iniciado em 2006, procura formar uma rede de lideranças atuando coletivamente na promoção de sistemas de mercados sustentáveis globalmente, capazes de construir capital humano, ambiental, social e econômico-financeiro.
Para tanto, foca-se no desenvolvimento de quatro competências específicas. A primeira, segundo Scharmer, é a capacidade de ouvir e dialogar. “A sustentabilidade envolve uma constelação de stakeholders com posições e formas de pensar diferentes. Se o líder não tiver a capacidade de ouvir essas opiniões não conseguirá conduzir nenhum projeto, cujo objetivo seja a sustentabilidade”, destaca Scharmer.
A segunda competência é a empatia e refere-se à capacidade de interpretar o mundo a partir da visão do outro, enxergando o sistema por diferentes ângulos. “O verdadeiro líder é capaz de desenvolver uma conexão emocional com diferentes atores, especialmente com aqueles que estão à margem do sistema e não possuem recursos suficientes para organizar seu próprio grupo de pressão”, afirma o fundador do ELIAS. Os líderes –crê– também devem ser capazes de envolver as pessoas em um processo de diálogo. Essa condição pressupõe o estabelecimento de uma conversa que ajude as pessoas a refletir sobre elas mesmas.
Já a terceira competência é o que Scharmer chama de open-will (vontade aberta). O desenvolvimento dessa capacidade requer o conhecimento e vivência nas realidades que se pretende transformar, um movimento de ir aos lugares e observar suas dinâmicas para atingir uma fonte de conhecimento mais profunda. “Nesse processo, é preciso abrir mão de julgamentos habituais, emergindo com um senso maior de quem somos ou quem podemos ser”, destaca. A quarta e última competência consiste em prototipar, transformando as descobertas da aprendizagem em resultados práticos. “É preciso transformar ideias em ações rapidamente, unindo as três inteligências: manual, intelectual e emocional”, completa Scharmer.

Agentes de mudança
A primeira turma do ELIAS contou com 26 profissionais de 16 países. Com duração de 18 meses, o programa propõe jornadas de aprendizagem, nas quais os participantes são convidados a refletir sobre determinada questão, tomando contato com a realidade. Assim, as respostas são obtidas a partir de experiências e descobertas conjuntas.
Os líderes que participam do ELIAS são escolhidos a dedo. Além da característica intersetorial, o programa busca lideranças que já tenham envolvimento com a sustentabilidade nas diferentes organizações em que atuam. O nível de consciência e preocupação em relação aos aspectos socioambientais também constitui um critério, assim como a capacidade de incorporar essas questões no dia-a-dia.
O autoconhecimento norteia todas as atividades do ELIAS. Na construção dele, o programa lança mão de métodos pouco convencionais e certamente estranhos para os padrões do MIT. Além de apresentações em grupo e das jornadas de aprendizagem já citadas, inclui atividades como “o dia do silêncio” e mentalização.
O empresário Marcelo Takaoka, presidente da Takaoka Empreendimentos e do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, conta que a sua primeira reação foi de surpresa em relação à proposta. “O ELIAS é uma experiência de vida. No primeiro dia de atividades, imaginei que, por se tratar de um programa do MIT, um instituto de tecnologia, iria me deparar com um fluxograma de decisões e outras ferramentas tradicionais de gestão. De repente, os mentores propuseram: ‘observem, observem e observem. Internalizem suas observações e esperem as conclusões brotarem aleatoriamente”, relata.
Depois o empresário veio a compreender que, no fundo, o método consistia em uma ferramenta importante para resolver problemas complexos. Segundo Takaoka, o grande diferencial do ELIAS é justamente a interiorização para a tomada de decisão, provocada pela Teoria U. “Não existe tecnologia para processar tantas informações no tempo e as interações que precisamos. Para descrever um quadro, por exemplo, um computador fará uma análise técnica, separando cor por cor, o que não dará a noção do todo. A capacidade de processamento da mente humana é maior do que qualquer metodologia linear”, reforça.
A despeito de eventual estranhamento ou ceticismo diante das práticas pouco convencionais do ELIAS, Janine Saponara, diretora da Agência de Comunicação Lead e uma das participantes do programa, pondera: “A proposta não entra em um nível de autoajuda, mas permite o autoconhecimento em profundidade. Não dá para ser um líder, da forma com que a atualidade está exigindo, em um nível superficial. É preciso se conhecer profundamente.”
Transcender as barreiras que dividem governos, sociedade civil e empresas, construindo soluções coletivamente é o principal desafio enfrentado pelos líderes formados no programa. Para isso, eles contam com o suporte dos próprios colegas, conectados em uma rede internacional, e parcerias que se configuram no ambiente do curso. “Cabe aos participantes co-criar novas realidades e alcançar outros estágios de desenvolvimento à medida que completam os protótipos desenhados, o que representa fonte de inspiração para outros líderes”, ressalta Scharmer.

Team Academy e a experiência de aprender fazendo
“Você gostaria de viajar ao redor do mundo e, ao mesmo tempo, aprender um pouco sobre marketing?”. Foi a partir desse convite, publicado em um anúncio de jornal, que a experiência do Team Academy teve início na Finlândia na década de 90.
Em 1993, Johannes Partanen, até então um palestrante de marketing, foi convidado para lecionar na Escola Politécnica de Jyväskylä, estabelecida no mesmo ano, como parte de um plano que trouxe profundas mudanças no sistema de ensino finlandês.
Entusiasmado com a proposta de um modelo educacional orientado pela prática, Partanen realizou sessões de aprendizagem junto com 24 estudantes que responderam ao seu anúncio. Consolidou-se assim uma nova metodologia de ensino, voltada à busca de soluções para problemas reais, que se tornou a base para as atividades realizadas no Team Academy.
Para elaborar esse modelo, o finlandês inspirou-se em ideias como a de Peter Senge que, no livro “A quinta disciplina”, já falava da necessidade de um rompimento radical com estruturas de ensino tradicionais, baseadas em currículos fragmentados. Segundo o autor, essa seria a única forma de desenvolver as novas competências exigidas de um profissional do século 21.
A proposta do Team Academy parte do modelo de organização caótica baseada em estruturas sem centro. Mas essa característica muito peculiar não significa abrir mão de bases teóricas sólidas.  Além da “Quinta disciplina”, Satu Vainio, coach do Team Academy, cita a teoria de criação de conhecimento (Nonaka-Takeuchi), trabalho em times (Katzenbach-Smiths), de co-criação (Richard Normans) e economia da experiência (Pine-Gilmore) como as linhas de pensamento que sustentam o programa. “Nosso modelo, pode ser usado em qualquer corporação para ajudar as pessoas a se organizarem para aprender – por elas mesmas e coletivamente – com o intuito de alcançar melhores resultados e uma organização mais sustentável”, afirma.
No Team Academy, os princípios de liberdade e responsabilidade não se chocam, o que pode ser percebido na rotina da instituição. As salas de aulas e as carteiras dão lugar a cômodos com janelas amplas e sofás confortáveis. Não existem professores, mas simcoaches que orientam os alunos conforme as suas necessidades.
Já na primeira semana de estudos, os alunos realizam visitas nos empreendimentos locais para identificação de demandas. Com essas informações, elaboram um team project no qual trabalham ao longo de todo o programa a fim de desenvolver modelos de negócios adaptados a realidade local.“O que procuramos fazer não é dar as respostas corretas às pessoas, mas sim ajudá-las a estipular objetivos e estratégias de ação em um ambiente favorável à diversidade de ideias”, ressalta Satu.
O programa corresponde a um bacharelado de administração, tem duração de três anos e as turmas reúnem de 15 a 30 estudantes por módulo. Desde a sua criação, já formou 300 pessoas, na sua maioria da região central da Finlândia.
Team Academy também oferece programas de especialização em negócios para executivos e empreendedores, sob formatos como o de MBA, por exemplo. Também tem recebido cada vez mais estudantes estrangeiros. O programa de times internacionais dispõe das mesmas ferramentas de aprendizado, mas contempla atividades na Finlândia e em outros países.

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