Especial – Educação e Inovação para a Sustentabilidade (parte 2)

Especial – Educação e Inovação para a Sustentabilidade (parte 2)

Educação e Inovação para a Sustentabilidade
Teoria U nos negócios

Apesar de se escorar em métodos à primeira vista distantes da realidade de negócios, como, por exemplo a mentalização, a teoria U está longe de ser apenas filosófica. Na publicação “Adressing the blind spot of our time”, cujo resumo consta nesta edição de Idéia Socioambiental (O ponto cego da liderança: acessando o poder de presenciar, pág. XX), Otto Scharmer relata experiências de implementação daJonh Jansen – diretor de fuoroprodutos, pesquisa e desenvolvimento para a América Latina da Dupon
Teoria U em empresas ao redor do mundo.
A partir do aprendizado do U, corporações importantes estão buscando, por exemplo, formas de tornar a produção de alimentos mais sustentável. Carrefour, General Mills, Nutreco, Organic Valley Cooperative, Rabobank, Costco, US Food service, Sysco, Unilever e a brasileira Sadia compõem o Sustainable Food Lab.
O grupo conta ainda com o apoio da International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial, e de organizações não-governamentais como o World Wildlife Fund (WWF) e The Nature Conservancy para estimular inovações na cadeia produtiva de alimentos, o aumento da demanda por produtos sustentáveis, mudanças nos padrões de consumo e políticos.
A Shell também se utilizou de alguns elementos da teoria U em uma de suas unidades na Holanda. Lá, a planta industrial vinha enfrentando problemas em seu processo produtivo atribuídos a implementação de um novo software SAP. Depois de uma série de entrevistas com os funcionários, percebeu-se que a origem dos problemas era, na verdade, o descontentamento com o clima organizacional. Ao invés de buscar novas metas especificamente de negócios, a corporação optou por criar um ambiente favorável ao aprendizado e à inovação. A mudança na cultura organizacional acabou sendo o elemento-chave para a melhoria dos indicadores de desempenho.
Desafio do século
Parece haver um consenso entre os especialistas de que a construção de negócios sustentáveis passa necessariamente pela estruturação de uma sociedade sustentável. E esta requer, sobretudo, que os indivíduos sejam educados para se reconhecerem como parte do todo e orientarem suas ações com base nos impactos para as gerações atuais e futuras. “Formar seres humanos integrais constitui condição para que haja um mundo melhor amanhã. O sentido de educarmos é a construção de um mundo melhor. Para isso, a educação tem que nos preparar para que continuemos evoluindo como seres humanos. Isso automaticamente resolve a questão da sustentabilidade”, afirma Oscar Motomura, presidente do centro de referência em gestão Amana Key.
A despeito de ser uma idéia bem aceita em diversos círculos empresariais –ninguém em sã consciência se oporia ao que ela sugere — as estruturas internas das empresas, departamentalizadas por natureza, assim como os sistemas de educação formais, têm dificuldades em proporcionar uma experiência de construção coletiva do saber, essencial para a inovação social e sustentabilidade. “O sistema educacional está ultrapassado. O aprendizado deve extrapolar o ambiente da sala de aula e estimular a multidisciplinaridade e o auto-aprendizado, pois a necessidade de continuar aprendendo é essencial para alcançarmos uma sociedade sustentável e justa”, afirma Jane, de Harvard.
Para Young, a internet pôs fim ao monopólio de produção do saber. Com ferramentas como, por exemplo o wikipedia, iniciou-se um processo de coletivização que vem tirando as instituições de ensino da posição de detentoras preferenciais do conhecimento. “A democratização do acesso e produção do conhecimento propõem uma revisão do papel da universidade que, a meu ver, ficou datado. É necessário redefinir a sua intervenção e articulação com os saberes de forma que haja uma contribuição maior para a sociedade”, afirma.
Jane sugere que o sistema formal de ensino assimile novas práticas, explorando redes sociais como o Youtube, o MySpace e as organizações estudantis. “Tudo está mudando muito rápido. Precisamos de novos tipos de aprendizado, redes sociais e modelos de liderança, pois não será mais possível achar que as pessoas no topo das companhias ou governos terão todas as respostas de que precisamos”, observa.
A experiência brasileira

Outro consenso entre os especialistas é que a educação para a sustentabilidade deve começar cedo, em casa e na escola. Desde 2000, os ministérios da educação (MEC) e meio ambiente (MMA) compartilham da missão de colocar em prática a política nacional de educação ambiental, instituída pela lei 9795/99.
Essa política visa a construção de valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltados para a conservação do meio ambiente. Ao MEC cabe desenvolver ações educativas sobre as questões ambientais no sistema formal de ensino, enquanto o MMA faz o mesmo junto a organizações não-governamentais e empresas.
Segundo Raquel Trajber, coordenadora de educação ambiental do MEC, a política implantada nas escolas compreende quatro dimensões. A primeira se refere à educação difusa, que abrange campanhas e a Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente. A segunda e terceira consistem na capacitação presencial e à distância dos professores, por meio do uso de tecnologias da informação para tornar o processo de aprendizagem mais interativo. Na quarta dimensão, são construídos espaços estruturantes de educação ambiental, a exemplo do que ocorre com o Com-Vida – Comissão de meio ambiente e qualidade de vida, responsável pela discussão da Agenda 21 nas escolas.
As conferências acontecem anualmente, podendo ser realizadas nas escolas e depois nos estados onde reunir as propostas que serão apresentadas no evento nacional. Nelas, o governo distribui o material com as sugestões de atividades que incluem desde projetos de pesquisa até a educomunicação com, por exemplo, a gravação de programas de rádio e vídeo.
A terceira edição da Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, prevista para abril de 2009, tratará das mudanças ambientais globais. Os alunos serão estimulados a refletir sobre o tema a partir da realidade da escola e da comunidade de que fazem parte. Na temática tecnologias limpas, por exemplo, o material elaborado pelo MEC propõe questionamentos sobre os meios de transporte utilizados para chegar à escola, se os automóveis e ônibus usam catalisadores ou se a prefeitura local tem plano diretor e código de obras que se preocupe com o aproveitamento da energia do sol ou do vento.
“A função social da escola deve ser repensada, de modo que deixe de ser apenas uma reprodutora de saberes para construir conhecimentos de forma vivencial. A escola precisa ser uma instância de democracia participativa, constituindo um processo de educação permanente para formar cidadãos capazes de agir global e localmente na construção de sociedades sustentáveis”, esclarece Raquel.
As empresas também estão aderindo ao movimento de educação para a sustentabilidade. Ao seu modo, individualmente, ou por meio de instituições educacionais que representam seus interesses. O Sesi, por exemplo, tem sido convocado a preparar os profissionais da indústria para a implementação de uma gestão baseada no triple bottom line. Os técnicos são capacitados para adotar ferramentas, como indicadores e os relatórios de sustentabilidade.
Na educação básica, a temática vem sendo trabalhada de forma multidisciplinar na rede Sesi de Minas Gerais. Desde 2005, a organização desenvolve o conceito de escolas ecosustentáveis, estimulando a vivência da sustentabilidade por meio de atividades diversas propostas a alunos e professores. No Rio de Janeiro, há uma parceria com o Canal Futura, que produz vídeos temáticos, para capacitação de professores em sustentabilidade.
O Sesi faz planos de expandir essas ações gradativamente para outros estados e inserir oficialmente a sustentabilidade, a partir de 2009, na grade curricular de toda sua rede de ensino. “A sustentabilidade deve ser um tema presente em todas as disciplinas. Os profissionais precisam ser incitados a desenvolver produtos e serviços, considerando os pilares econômico, ambiental e social. A inovação vem como apoio à sustentabilidade, mas ela deve proporcionar esse equilíbrio, senão acaba”, afirma Alex Mansur, gerente de responsabilidade social do Sesi.
Educação nas empresas

O mesmo esforço de educação para um modelo mais sustentável de negócios começa a tomar forma também nas empresas. Para atender às exigências de governos cada vez mais fiscalizadores, protocolos mais restritivos de mercado, clientes mais interessados em produtos e serviços verdes e uma sociedade mais atenta ao tema da sustentabilidade, um número crescente de companhias tem procurado capacitar funcionários e parceiros de negócio.
Uma das tendências observadas nessas corporações é a substituição do enfoque da sustentabilidade como risco (proteção de ativos) para outro de oportunidade, normalmente capitaneada por líderes crentes e apaixonados pelo tema. Nelas, o desafio de conciliar os resultados econômico-financeiros com os ambientais e sociais tem influenciado não apenas mudanças importantes em processos na cadeia produtiva, mas também a formação e seleção de funcionários, a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos. “A preocupação em educar as partes interessadas é uma das quatro características comuns às empresas modelares em sustentabilidade. As outras são a existência de um líder afinado com o conceito, a inserção nas estratégias de negócios e o enfoque da oportunidade/inovação”, explica Ricardo Voltolini, diretor da consultoria Idéia Sustentável, publisher e articulista de Idéia Socioambiental.
Segundo o especialista, que realiza estudo sobre o tema, as empresas sustentáveis são essencialmente educadoras. E se propõem a transformar a educação em um processo continuado, reorientador de cultura, dirigido primeiro a funcionários, fornecedores e parceiros da cadeia produtiva; e depois, aos demais stakeholders, sempre com “a finalidade de mobilizar mentes e corações, criar nova consciência e formar massa crítica”. “Essas companhias educam para valores, objetivando legitimar coletivamente suas crenças socioambientais, educam para tornar claras suas políticas, metas e indicadores de sustentabilidade e educam para desenvolver líderes capazes de dialogar, antecipar cenários, inovar, engajar parceiros em operações sustentáveis e elaborar sistemas mais eficientes de gestão de conhecimento”, conta.
Na análise de Voltolini, começa a ocorrer agora com as empresas sustentáveis o mesmo que se observou na década de 1980, com a gestão da qualidade total, quando as corporações prepararam seus funcionários para “Higher education and the challenge of sustainability” (Educação superior e o desafio da sustentabilidade, ainda sem tradução para o português), pensar diferente, adotar novos conceitos, padrões e procedimentos e identificar vantagens da nova prática diretamente ligadas ao negócio.
A DuPont é um bom exemplo disso. Nessa corporação, as preocupações ambientais estão inseridas nos processos produtivos há mais de 10 anos. De 1990 até outubro de 2006, a empresa reduziu em 72% as emissões de gases causadores do efeito estufa (CO2 ou equivalente) nas suas instalações em todo o mundo. Mas foi só há cerca de oito anos que a empresa percebeu a sustentabilidade como um nicho de mercado para novos negócios.

Desde então, as metas visam não só a melhoria da eficiência de suas operações, mas principalmente a criação de soluções sustentáveis para o mercado. Até 2015, a companhia pretende dobrar o investimento em programas de pesquisa e desenvolvimento que resultem em benefícios ambientais quantificáveis para os clientes, consumidores finais e de toda a cadeia de valor. Com isso, espera aumentar a receita anual em pelo menos US$ 2 bilhões com produtos capazes de proporcionar maior eficiência energética ou reduzir a emissão de gases geradores do efeito estufa.Segundo John Jansen, diretor de fluoroprodutos, pesquisa e desenvolvimento para América Latina da DuPont investir em sustentabilidade é fundamental, mas nenhuma inovação relevante acontece sem o envolvimento das pessoas. “É importante que a organização tenha pessoas capacitadas, por isso temos
Luiz Fernando Cassineli  -diretor de inovação da Brasken
investido na seleção de talentos, por meio de programas específicos.
Também procuramos divulgar claramente a direção que a empresa deseja seguir para que todos os funcionários estejam envolvidos com os compromissos assumidos. Além disso, premiamos as melhores experiências de inovação e sustentabilidade”, explica. O Prêmio Excelência em Crescimento Sustentável reconhece iniciativas que tenham contribuído com a implementação de metas sustentáveis, assim como a criação de valor tanto para a sociedade como para os acionistas da empresa.
Na Braskem, a performance ambiental dos funcionários determina a até mesmo a participação nos lucros. Além do atendimento às metas estabelecidas, as equipes são avaliadas pelo desempenho em relação a indicadores de sustentabilidade, que levam em consideração aspectos como consumo de energia e emissões de carbono.
A empresa também realiza um Programa de Desenvolvimento de Empresários (PDE) cujo objetivo é formar líderes educadores segundo os preceitos de sustentabilidade empresarial. Além de uma disciplina específica sobre o tema, integram o programa módulos voltados à relação da empresa com diferentes públicos visando capacitar gestores conscientes de seu papel na sociedade.
“Hoje, é inconcebível que um profissional não consiga enxergar a importância da sustentabilidade de um projeto. Já não se admite mais um negócio que não considere seus impactos em termos econômicos, ambientais e sociais. A empresa deve ter essa competência instalada”, afirma Luiz Fernando Cassinelli, diretor de inovação da Braskem.

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