Especial – Consumidor com valores – Parte II

Especial – Consumidor com valores – Parte II

Entre gôndolas e embalagens
Olhar para os mercados dos Estados Unidos ou da Europa, onde o consumo responsável já se encontra em estágio mais maduro, é uma boa forma de projetar cenários e estabelecer estratégias no Brasil.
O Forum for the Future, uma organização de desenvolvimento sustentável sem fins lucrativos que trabalha em parceria com mais de 120 negócios líderes e do setor público, realizou recentemente o estudo Sustainability Trends in European Retail (Tendências de Sustentabilidade no Varejo Europeu), visando identificar os desafios relacionados à formulação de estratégias de fomento a produtos e práticas sustentáveis nesse segmento.
Entre as estratégias de sucesso citadas, o estudo destaca as parcerias com a cadeia de suprimentos como uma das chaves para propagar informações claras ao consumidor. Em termos de melhoria nos produtos, as redes estão focando seus esforços em linhas próprias, aprimorando seus itens e procurando compor custos mais acessíveis.
Já há exemplos por aqui. Para educar os consumidores que passam todos os dias por suas lojas, o Carrefour está desenvolvendo o Fórum do Consumo Consciente, que será realizado a partir de três assuntos relacionados ao tema: orçamento doméstico, como consumir e evitar desperdício, e pós-consumo.
Wal-Mart, por exemplo, criou a linha “Sentir Bem”, com produtos que possuem ao menos um diferencial em sustentabilidade e embalagens certificadas.  Além disso, a empresa também se esforça para disseminar informações. Em 2009, promoveu uma ação denominada “Mês da Terra”, na qual identificou produtos com diferenciais sustentáveis, comunicou bem os seus benefícios nos pontos de venda e enfatizou no material informativo das gôndolas por que motivo tais itens seriam mais benéficos ao meio ambiente.  “A ideia é destacar a informação para que o consumidor final possa tomar a decisão correta. E o mais importante, acabar com o generalismo. Nunca dizemos que um produto é sustentável, mas que ele possui um diferencial em sustentabilidade, sendo o mais sustentável dentro de sua categoria”, avalia Yuri Feres, consultor de sustentabilidade do Wal-Mart Brasil.
Com mais de 350 produtos comunicados no “Mês da Terra”, a rede obteve aumento de vendas significativo desses itens. Um dos seus produtos exclusivos, o papel higiênico Neve, feito com fibras recicladas e em rolos maiores, obteve aumento de 35% nas vendas durante a promoção.  Já o Ariel Eco-Max (outro produto disponibilizado com exclusividade à rede) que utiliza menos embalagem e proporciona economia de água na lavagem, registrou um incremento de 70% nas vendas. “Isso mostra que uma comunicação bem feita e agressiva, aliada a um preço acessível, leva o consumidor a  preferir esse tipo de produto”, avalia Feres.

Como estimular a evolução das práticas

Entre os principais entraves para a difusão dos produtos sustentáveis no Brasil, os entrevistados de Ideia Socioambiental apontam o preço como o mais importante.
Na avaliação de Roberta Cardoso, da Fundação Getúlio Vargas, a ampliação da escala dos produtos sustentáveis no mercado ajudará a resolver essa equação custo-preço. “Não se pode ter produtos sustentáveis com preço diferencial. Esses itens devem ter um preço no mínimo igual ou inferior às soluções atuais. Para tanto, não é necessário prejudicar a margem do varejo nem da indústria. Pode-se investir em um combinado de fatores como regulamentação, políticas públicas, e mudanças em torno de alguns critérios de produção”, diz.
Em pesquisa recente da FGV, consumidores avaliam que as tradicionais promoções para produtos novos não se estendem aos sustentáveis. Há, muito, portanto a se fazer em pesquisa, desenvolvimento, precificação, promoção e educação de consumidores.  Para Leonora Novaes, líder do projeto polietileno verde da Braskem, o crescimento do mercado de produtos verdes exige amadurecimento dos que produzem e dos que compram. “As empresas precisam de maturidade para avaliar, dentro de casa, como podem tornar mais sustentáveis o seu negócio. E o próprio consumidor também precisa amadurecer para colaborar, a seu modo, com o desenvolvimento sustentável”, reforça.

A falta de estratégias de comunicação baseadas nos padrões culturais e realidade brasileiros também explica a baixa adesão dos consumidores locais aos produtos sustentáveis. Desde que se começou a divulgar produtos verdes, não houve ainda – na avaliação dos entrevistados– um empenho efetivo na educação dos consumidores. Isso explica—na opinião de Echegaray – por que o “modelo europeu de consumo consciente”, fundamentado em reformulação de embalagens e divulgação semelhante à tradicional, ainda não decolou por aqui.
“Adota-se um modelo que funciona lá fora, que supõe um indivíduo muito mais curioso e familiarizado com a sustentabilidade e que consegue assimilar muito mais rapidamente as informações. Esse modelo precisaria ser revisto no Brasil e nos países emergentes em geral”.
Sem mudança de cultura, o consumo consciente deve demorar a pegar.  “No Brasil, esse é um movimento muito recente que precisa ser melhor comunicado. Não é apenas lançar um novo item com determinado apelo e informar suas vantagens ambientais. Tão importante quanto ter produtos verdes é ter processos igualmente verdes”, avalia Carlos Werner, diretor de Marketing Corporativo da Samsung.

BOX 1: Consumo consciente em números

No mundo
-80% dos consumidores recompensariam as empresas por ações sustentáveis e 72% puniriam
-Quase 75% dos consumidores acreditam que podem influenciar ativamente marcas e companhias e torná-las mais responsáveis.
-Mais de 80% dos consumidores afirmam respeitar companhias que atuam de forma responsável
-89% dos consumidores chineses ouvem o termo sustentabilidade com freqüência enquanto apenas 21% dos americanos dizem ouvir a respeito
-Menos de 30% associam sustentabilidade com altos preços, sacrifício, culpa e passado
-70% associam o termo com balanço, integridade, saúde, comunidade, oportunidade e o futuro
-64% ainda veem a comunicação das companhias nessa área como uma ferramenta de marketing.
No Brasil
-Escassez de água e poluição ambiental são as maiores preocupações de 61% dos brasileiros, atrás apenas de educação (68%), crime e violência (72%)
-Mudanças climáticas e aquecimento global são as maiores preocupações de 49% dos brasileiros
-86% dos brasileiros estão dispostos a recompensar companhias com boas práticas
-80% dizem punir as que agem de forma irresponsável nas questões socioambientais
-64% dos entrevistados no Brasil aceitariam pagar até 10% a mais por um produto feito de modo social e ambientalmente responsável
-27% dos brasileiros reciclam seus resíduos e fazem uso de produtos recicláveis
-Apenas 5% controlam o desperdício de água
-Para 86% dos brasileiros, o aquecimento é um problema sério, no entanto, apenas 27% admitiram não ter feito nada no último ano em termos de redução de emissões.
Fonte: Sustainable Futures 09, Havas Media

BOX 2: A Realidade de 2009: principais tendências
• Consumidores reagem à crise econômica, mas no mundo emergente e no Brasil são os problemas estruturais como crime, educação, pobreza e saúde os que preocupam mais
• A crise elevou duas pressões no plano individual dos consumidores: a crescente dificuldade em ter acesso aos alimentos e a sombra do desemprego
• Em todo o mundo, a brecha entre expectativas e resultados em relação à responsabilidade social corporativa continua se ampliando
• No Brasil, essa brecha atinge um verdadeiro recorde, soando o alarme para o movimento de RSE
• A legitimidade para agir em mais áreas continua forte no mundo, e isso é mais intenso em relação às responsabilidades operacionais
• Entre os mercados emergentes, a demanda por atuação social e cidadã das empresas passa a incluir cobranças ambientais
• As críticas ao desempenho em RSE afetam setores com alto impacto na economia e empregos, líderes em inovação e segmentos até há pouco tempo campeões de reputação
• Aumentam as críticas contra a indústria automobilística e o setor bancário-financeiro. Já as companhias de tecnologia e informática continuam sendo percebidas de maneira favorável
• O ativismo dos consumidores segue em alta principalmente fora do Brasil. No País, ele se traduz em três tipos de consumo responsável: o ético, o de recompensa e o de retaliação;
• Ao todo, um em cada três brasileiros pratica o consumo responsável com base na informação sobre o comportamento socioambiental das empresas.

Fonte: Monitor de Responsabilidade Social 2009, Market Analysis e GlobeScan


Clique aqui e leia mais sobre consumo responsável no dossiê sobre o tema publicado na edição 17.

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