Especial – Consumidor com valores – Parte I

Especial – Consumidor com valores – Parte I

Com a evolução do conceito da sustentabilidade, consumidores brasileiros começam a considerar desempenho socioambiental de marcas e empresas na hora de comprar produtos.
Apesar do notável aumento do interesse pelo consumo responsável no País, o brasileiro ainda está longe de converter intenção em prática efetiva quando o assunto é recompensar ou punir empresas conforme seu desempenho socioambiental. Mesmo figurando, por exemplo, entre os consumidores mais preocupados com as mudanças climáticas, menos de dois em cada dez brasileiros premiaram uma empresa socioambientalmente correta. Na Europa, foram três em dez. E na América do Norte e Oceania, a proporção chegou a seis.
Ao analisar, ao longo de 10 anos, o comportamento dos consumidores de vários países, inclusive do Brasil, o estudoMonitor de Responsabilidade Social 2009, realizado pela Market Analysis em parceria com o Instituto GlobeScan, conseguiu apurar um número digno de reflexão: 59,3% dos consumidores nacionais são indiferentes ao tema. Isso significa que, na prática, no último ano, eles nem recompensaram nem puniram nenhuma marca por causa de boa ou má conduta ambiental. Entre os ativistas, ainda tímidos por aqui, destacam-se três tipos: o consumidor ético (7%) que pune e premia, o de recompensa (15%) que só premia e o de retaliação, que só pune (8%).
A constatação de que há tanta gente indiferente pode até explicar ou justificar eventuais atrasos, por parte de empresas nacionais, na definição de estratégias de divulgação e educação baseadas em consumo consciente. Mas deixar para depois é uma atitude que traz consigo um risco. Segundo o estudo da Market Analysis, há em todo o mundo uma brecha crescente entre as expectativas dos consumidores e os resultados de sustentabilidade entregues pelas companhias. No Brasil, ela explodiu nos últimos nove anos, saltando de 44 pontos (2001) para 87 pontos (2009) “O consumidor está enviando uma mensagem muito clara: as empresas devem fazer bem mais e o que estão fazendo está longe de ser satisfatório”, afirma Fabián Echegaray, cientista político e diretor da Market Analysis “Entre os mercados emergentes, a demanda por atuação cidadã das empresas passou a incluir cobranças como minimizar o impacto ambiental da produção, garantir segurança e saúde nos produtos e controlar a sustentabilidade na cadeia de valor”, completa.
Segundo o estudo, mais críticos e atentos às questões socioambientais, os consumidores se mostram também mais preparados para avaliar e valorizar a sustentabilidade como atributo de uma marca ou empresa. Mau negócio para as que só a utilizam no discurso. Bom, para aquelas que vem apostando para valer, como diferencial, na inserção do tema em sua cultura, estratégia e produtos. A seu modo um tanto incoerente, o consumidor brasileiro está muito mais sensível a esse tema hoje do que estava há alguns anos. Isso é consequência de um movimento global caracterizado pelo fato de o debate da sustentabilidade não se restringir mais apenas no nível de algumas empresas ambientalmente responsáveis nem apenas de indivíduos com espírito de militante ecológico. Está na agenda da sociedade por que se afina com os valores deste tempo de reinvenção de modelos mentais de produção e consumo, aquecimento global e esgotamento de recursos naturais”, avalia Ricardo Voltolini, publisher de Ideia Socioambiental e diretor da consultoria Ideia Sustentável.

Educar para um novo jeito de consumir
Há quem afirme que a sustentabilidade, assim como foi no passado a qualidade total, será, em um futuro próximo, pré-requisito para qualquer empresa ou produto, e não mais um diferencial competitivo. As que hoje souberem se valer, de forma competente, dos benefícios diferenciais do tema vão ganhar pontos importantes na percepção do consumidor. É consenso também entre especialistas que esse desafio passa necessariamente por comunicar bem, criar uma nova consciência de consumo responsável e educar consumidores para novos padrões de compra.
“A comunicação de atributos socioambientais precisa ser educativa para induzir à formação de novos hábitos. O consumidor deve ser convencido, racional e emocionalmente, de que produtos verdes valem mais porque geram benefícios para o planeta e para ele próprio, sob a forma de economia de recursos, saúde e qualidade de vida. Ninguém consome só por altruísmo. É necessário apelar, e bem, para os benefícios individuais concretos”, analisa Voltolini. Em sua opinião, as empresas têm se mostrado muito reativas em relação à oferta e comunicação de produtos sustentáveis. “Como ações deste tipo requerem investimento, pesquisa, e redefinição de focos, a maioria das companhias parece adiar decisões, esperando certamente por uma atitude mais pró-ativa do consumidor. Quem se antecipar, se beneficiará da posição de pioneirismo. Quem deixar para depois, poderá ser atropelado pelos fatos”, diz.
Entre os fatos possíveis, são esperadas pressões por parte da sociedade, dos mercados e, como já observado em muitos países, dos governos. Para Fernando Mascaro, membro do quadro de conselheiros do Instituto de Design para Desenvolvimento Sustentável, consultor em design sustentável e pesquisador do Laboratório InterDesign, os consumidores têm atitudes mais pró-ativas e cobram mais das empresas nos países que sofreram diretamente com a escassez das duas grandes guerras. “No Brasil, um país emergente, temos a obrigação de nos adiantarmos e mudar o cenário de consumo antes de se impor um movimento de cobrança. Sair na frente é mais saudável e tem um custo menor do que mudar por força de uma legislação. As empresas que exportam seus produtos precisam estar atentas a esse quadro, readequando conceitos”, avalia.
Voltolini lembra que, na França, já é obrigatório, por exemplo, comunicar de maneira objetiva e correta os benefícios verdes de produtos. Além de educativa, uma lei como esta assegura ao consumidor uma posição de defesa contra empresas que mentem ou contam apenas um pedaço da verdade ambiental, praticando o chamado greenwashing. “Se uma companhia coloca o símbolo de “reciclado” no rótulo ela é obrigada a dizer se essa condição se refere a uma parte ou ao produto como um todo. O mesmo ocorre com o termo verde. Exige-se comprovação técnica. Comunicação rigorosa ajuda a criar um ciclo virtuoso de consumo consciente, estabelecendo direitos e deveres das partes”, ressalta.
Estratégias de identificação de responsabilidade socioambiental, como selos e certificados, também podem ser de extrema importância para apoiar a tomada de decisão de consumidores. No entanto, avalia Echegaray, a falta de investimento na educação do consumidor aumenta as possibilidades de ruído na comunicação entre as duas pontas. “A comunicação de atributos socioambientais é um esforço legítimo. Mas na medida em que não existe indicação para o consumidor do que isso representa de fato e por que razão é relevante, lançar mão de selos e certificados acaba se transformando em instrumento para mostrar superioridade à concorrência, não para ganhar mercado”, revela.
Para Echegaray, a atual abordagem das empresas parece indicar que o consumidor típico têm dificuldade de decodificar os diferentes selos e sinais dos produtos. “Sabemos que isso não é uma realidade devido ao grau de educação do consumidor médio. Os locais de venda deveriam trazer muito mais informações“, avalia
Para Elizabeth Laville, consultora da francesa Utopies e autora de A Empresa Verde, a comunicação deve estar no centro das estratégias de sustentabilidade. “Desenvolvimento sustentável é uma revolução cultural que supõe repensar a visão de mundo e os valores que fundamentam o capitalismo moderno. Tal mudança nos espíritos e práticas não acontecerá sem que falemos disso: as empresas que se engajam nessa via experimentam uma necessidade normal de tomar a palavra para explicar o que é desenvolvimento sustentável, qual a sua compreensão do que ele implica para sua atividade e os seus primeiros passos nessa direção”, escreveu.
Na mão da história, algumas empresas têm investido em educar  consumidores, adotando estratégias para comunicar e induzir a compra consciente de produtos mais verdes ou com apelo socioambiental.  Nos produtos da Adidas, por exemplo, tags e etiquetas identificam aspectos como “Natural”, “Reciclado” e “Reground”, esse último diz respeito a produtos confeccionados com materiais que se decompõem mais depressa. Os conceitos da linha Grün da coleção Originals também são apresentados para o público nas capitais onde estão situados os pontos de venda. E o site da coleção revela detalhes sobre os materiais, processos e ideias.
Já os produtos ecológicos da Philips vêm com uma identificação que relaciona aspectos como eficiência energética, embalagem, substâncias perigosas, peso, reciclagem e descarte, assim como confiabilidade durante o período de vida útil. Esse selo verde da empresa identifica os produtos com desempenho socioambiental significativamente superior em relação a concorrentes e predecessores.
Em alguns produtos da Natura, os rótulos contêm uma tabela ambiental apresentando dados técnicos sobre formulações e embalagens, como, por exemplo, o percentual de ingredientes de origem vegetal, renovável e a certificação de matérias-primas.
Na HP, o selo Eco Highlights indica que os produtos economizam energia, possuindo em sua composição materiais inovadores. No Brasil, a companhia realizou uma campanha denominada “Escolha Consciente HP” , visando promover os aspectos ambientais de seus produtos. “Tínhamos dúvida em relação à receptividade do público. Mas fomos positivamente surpreendidos. Neste ano, obtivemos resultados excelentes de venda, o que acaba motivando mais investimentos na área”, avalia Kami Saidi, diretor de sustentabilidade ambiental da HP.
Volkswagen, por sua vez, realiza sistematicamente pesquisas qualitativas para avaliar a aceitação dos consumidores a novas propostas de produtos – inclusive com os futuros compradores de seus carros. “Recentemente, fizemos uma pesquisa nas escolas com crianças entre 10 e 12 anos. Uma das questões era como elas imaginavam o carro do futuro. Grande parte delas respondeu que seria um veículo ecologicamente correto”, destaca o executivo.
Para Echegaray, a mídia exerce um papel decisivo no processo de agendamento do tema da sustentabilidade. E também no de sua valorização. Mas deve evitar as abordagens alarmistas na medida em que mensagens associando o tema a algo ruim espantam mais do que aproximam os consumidores. “A imprensa tem sido importante por botar uma lupa nas questões da sustentabilidade. Muitas vezes, no entanto, a ênfase tem vindo acompanhada de uma mensagem catastrofista, que paralisa as pessoas ao invés de mobilizá-las”, considera o diretor da Market Analysis.
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