Especial – Cidadãos anônimos, voluntários do Milênio (parte 2)

Especial – Cidadãos anônimos, voluntários do Milênio (parte 2)

Educação básica de qualidade para todos
O estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, pela Organização das Nações Unidas (ONU), é uma iniciativa estratégica para o desenvolvimento humano e econômico dos países envolvidos e deve fazer parte da agenda de toda sociedade, independentemente da natureza das instituições mais diretamente envolvidas.
O segundo objetivo – atingir a universalização do ensino fundamental – educação básica de qualidade para todos – prevê garantir que até 2015 todas as crianças terminem um ciclo completo de ensino básico, ou seja, pelo menos o ensino fundamental completo. Trata-se, sem dúvida, de um grande desafio mundial. Atualmente, mais de 100 milhões de crianças em idade escolar estão fora das salas de aula, sendo que a maioria reside na África e no sul e oeste da Ásia, regiões onde a pobreza tem forte predominância em boa parte da população.
No Brasil, esse quadro apresenta uma situação um pouco melhor, porém nada que mereça grande destaque. Para se ter uma idéia, em 2002, 93,8% das crianças de 7 a 14 anos freqüentavam a escola, o que demonstra uma aproximação muito grande da meta e que, se combatidas a evasão e a repetência, será possível terminarem um ciclo completo de ensino. Em relação à questão da evasão escolar, um dos principais problemas educacionais no País, novos programas de apoio à criança e à família devem continuar, permitindo que estudem sem a necessidade de outras atividades que impliquem geração de renda.
Com a redução próxima de zero dos índices de evasão, outro grande e importante desafio da sociedade brasileira é a busca constante pela melhoria da qualidade do ensino. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apontou que 59% dos alunos da 4ª série não possuem as habilidades elementares de leitura. Em relação à Matemática, 52,3% demonstram grande deficiência. Para os alunos da 8ª série a situação não difere muito, principalmente em Matemática.
A qualidade do ensino é uma temática complexa e demanda diversas ações e investimentos no desenvolvimento profissional dos professores, avaliação periódica das escolas e dos alunos, recursos didáticos, bibliotecas públicas, atividades culturais, escolarização dos pais e comunidade em geral.
Sabemos que não é tarefa exclusiva dos governos – federal, estadual e municipal – resolverem questões relacionadas à educação. Assim, cabe à iniciativa privada dar sua imprescindível contribuição para a universalização do ensino fundamental. Esse papel não seria somente como apoiadora, mas também como executora de algumas possíveis atividades complementares, desde que alinhadas a uma política pública que defina prioridades, metas e parâmetros de qualidade. Se essas questões forem cuidadosamente trabalhadas por todos os públicos envolvidos é bem provável que a situação do ensino em 2015 esteja bem melhor do que a atual para boa parte da população mundial em idade escolar.
*Denise Aguiar Alvarez Valente é pedagoga, diretora da Fundação Bradesco e membro do Conselho de Administração do Banco Bradesco
Os desafios na tarefa de reduzir a mortalidade infantil no Brasil

Zilda Arns (*)
A mortalidade infantil é um dos indicadores que definem o grau de desenvolvimento de um país. Um dos Objetivos do Milênio é reduzir em 30% a mortalidade infantil nos próximos 15 anos. No Brasil, os esforços para honrar este compromisso fizeram com que o país tivesse a maior queda de mortalidade infantil nos últimos 10 anos: de 58 para 28 por mil (IBGE, 2002). Atribuo esta queda principalmente a dois fatores: à descentralização e municipalização do Sistema Único de Saúde (SUS) e ao trabalho dos voluntários da Pastoral da Criança.
No entanto, no Brasil e em todo o mundo aumentam os casos de mortes neonatais – de bebês até quatro semanas de vida. A meta de redução da mortalidade infantil não pode ser alcançada se estes índices não forem reduzidos. Mais da metade das mortes de menores de um ano ocorre nos primeiros 28 dias – isto poderia ser evitado por uma boa assistência ao pré–natal e ao parto, acesso da mãe à informação, solidariedade e controle social dos serviços públicos. Nos locais de difícil acesso, a Casa da Gestante, integrada ao SUS, e o Hospital Amigo da Criança, são estratégias necessárias: não só humanizam os serviços, como reduzem a mortalidade infantil e materna.
No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, as afecções perinatais são responsáveis por 60% das mortes de crianças a partir de 22 semanas completas de gestação até sete dias depois do nascimento. As pneumonias, segunda causa de mortes, são prevenidas pela amamentação exclusiva no peito até os seis meses de idade e, posteriormente, acrescentando-se outros alimentos de forma adequada. Para curá-la, é necessário o uso de antibióticos. A desidratação, provocada pelas infecções intestinais, é a terceira causa de morte, e pode se evitada com o uso do soro caseiro, preparado com água, sal e açúcar.
A solução para diminuir drasticamente a mortalidade infantil é concentrar esforços intersetoriais nas seguintes estratégias: 1) Formação de redes de solidariedade nos bolsões de pobreza e miséria, voltadas à educação das famílias para a saúde, a nutrição, a educação e ao fortalecimento do tecido social na comunidade; 2) Acesso organizado e busca de gestantes para os exames de pré-natal e parto de qualidade e humanizado; 3) Garantia de acesso a antibióticos para tratamento das doenças, especialmente das pneumonias; e 4) Saneamento ambiental, principalmente nas comunidades pobres.
Pesquisas comprovam que a mortalidade infantil é inversamente proporcional à escolaridade da mãe e diretamente proporcional à pobreza e à disponibilidade de água potável de boa qualidade. Cerca de 99% das mortes neonatais acontecem nos países pobres, principalmente do centro-sul da Ásia e na África subsaariana. A Pastoral da Criança ensina as mães e famílias pobres a cuidar melhor de seus filhos, formando redes de solidariedade humana nas comunidades mais pobres. Tem como agentes 265.604 mil voluntários que se dedicam com fé e amor à causa, contribuindo para diminuir em mais da metade as taxas de desnutrição e mortalidade infantil – nas comunidades acompanhadas pela Pastoral da Criança a mortalidade infantil é de 15 mortes para cada mil crianças nascidas vivas (dados de 2005).
Hoje, presente em 4.051 municípios, a Pastoral da Criança acompanha 1.879.559 crianças menores de seis anos. Três atividades realizadas mensalmente multiplicam o saber e a solidariedade entre as famílias: a Visita Domiciliar, o Dia do Peso, mais conhecido como Dia da Celebração da Vida, e o Dia de Reflexão e Avaliação.
As soluções mais simples para evitar a morte de crianças podem ser encontradas na família e na comunidade. A partir da formulação e controle de políticas públicas de saúde nos Conselhos se consolidam programas essenciais. A soma de esforços intersetoriais entre governos, sociedades e famílias é a forma mais eficaz para alcançar os melhores resultados. A Pastoral da Criança procura atuar principalmente fortalecendo a educação das famílias e comunidades e atuando no controle social.
Dra. Zilda Arns Neumann, 71 anos, é médica pediatra e sanitarista; fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança; representante da CNBB no Conselho Nacional de Saúde; membro do Conselho de Segurança Alimentar e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Em busca de um modelo de desenvolvimento mais justo

Fernando Almeida (*)
As mais freqüentes e intensas reações da natureza, como o furacão Katrina e a seca na Amazônia, bem como exemplos importantes de recentes formas de rompimento do tecido social, como os ocorridos na França e na Austrália, são respostas a um modelo de desenvolvimento equivocado, indicando claramente que devemos seguir um novo caminho.
Os últimos indicadores divulgados por instituições de renome comprovam essa nova necessidade. O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que, em 2005, a economia mundial cresceu 4,3%, mas o número de desempregados atingiu patamar recorde de 191,8 milhões de pessoas. De acordo com a Nasa, o ano passado foi o mais quente da História, reforçando a preocupante tendência de aquecimento do Planeta: os cinco anos que registraram as temperaturas mais elevadas estão contidos na última década.
Tais constatações deixam clara a urgência na redefinição do modelo de desenvolvimento. Realizado por 1360 especialistas de 95 países, o programa Millennium Ecosystem Assessment, do qual participei como membro do board, já alertara no início do ano passado: 60% dos serviços dos ecossistemas do planeta – tais como água doce, pesca, regulação do solo e do clima – registram alto grau de degradação ou são usados de forma insustentável. Em resumo, o modelo tradicional de desenvolvimento, mesmo que registre crescimento econômico, tem agravado as questões sociais (hoje quatro bilhões de pessoas estão fora do mercado) e degradado de forma crescente os recursos naturais.
O item 8 dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – “estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento” – foi aprovado em 2000 e ratificado dois anos mais tarde como forma de reverter este quadro inaceitável. Contudo, dificilmente os primeiros resultados de redução das desigualdades sociais entre povos e nações serão alcançados no primeiro prazo previsto, até 2015.
Seja internamente em cada país, seja no âmbito internacional, o estabelecimento de parcerias apenas surtirá o resultado almejado a partir de um amplo e articulado entendimento entre os três principais atores: governos, empresas e sociedade civil organizada, como está previsto na definição de parcerias tipo 2. Torna-se necessário remover o clima histórico de desconfiança mútua. O setor público precisa adotar políticas objetivas e transparentes. As empresas têm disciplina e capacidade de investimento, mas devem aprender a transformar riscos em oportunidades e conquistar, junto à sociedade, a licença para operar, inovar e crescer. As ONGs, por sua vez, desfrutam de credibilidade, mas não dispõem de recursos para implementar seus projetos.
Essa desarticulação entre os três setores tem resultado em sinergias raras e localizadas. E explica por que ações de responsabilidade social corporativa, existentes aos milhares, não geram um reflexo maior na sociedade como um todo. Mudar esse quadro exige um mínimo de maturidade e liderança para pavimentar um comportamento viável entre governos, empresas e a sociedade civil, em benefício de um mundo sustentável e promissor. É preciso estabelecer normas justas de competitividade entre as nações, eliminando, por exemplo, as barreiras tarifárias que tanto têm inibido os empreendimentos de países pobres e emergentes.
As parcerias aprovadas pelos países-membros da ONU devem ser compreendidas como um dos pilares do conceito de desenvolvimento sustentável. A sua efetiva aplicação será fundamental para superar preconceitos e desconfianças, como também favorecerá o surgimento de lideranças nacionais e internacionais capazes de aglutinar e conduzir esse processo de mudança urgente e necessária.
Acreditamos que o capitalismo possa ser socialmente inclusivo e ambientalmente responsável.
*Fernando Almeida é presidente-executivo do CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

Hora de quebrar paradigmas que dificultam pensar o desenvolvimento sustentável

Mario Mantovani (*)
Acreditamos ser possível cumprir a sétima meta do milênio de “garantir a sustentabilidade ambiental”. Mas, para isso, é necessário quebrar alguns paradigmas que dificultam a incorporação dos princípios vinculados ao desenvolvimento sustentável.
O primeiro obstáculo está no âmbito do conhecimento. As sabedorias tradicionais, que incluem um grau elevado de boa convivência com os recursos naturais, precisam ser apreendidas pela população como um todo. Ainda na linha do conhecimento, é necessário que a questão ambiental seja incorporada no ambiente escolar de maneira transdisciplinar e concreta, para que o cidadão perceba desde cedo seus direitos e deveres em relação aos recursos naturais.
Olhando em um outro nível do sistema educacional, temos os cientistas. A pesquisa tem também muito a contribuir para a sustentabilidade. Nossas mentes pensantes podem encontrar novas formas de uso dos serviços ambientais, mais disciplinadas e conscientes.
Somando estes vários aspectos, temos o ponto central de que os problemas (e também as soluções) ambientais não sejam apenas preocupação de uma esfera da sociedade, formada pelo governo e por entidades ambientalistas. São questões de todos.
A sustentabilidade ambiental depende da ação de cada um. Por isso não queremos pessoas que simplesmente nos agradeçam pelo nosso trabalho. Buscamos cidadãos que queiram empunhar as ferramentas conosco.
Observamos que as novas gerações têm cada vez menos a cultura da degradação, muito comum há alguns anos. As sementes que começaram a ser plantadas na década de 80 estão germinando.
A água, um dos recursos naturais mais cotidianamente usados por todos os seres humanos, é um instrumento interessante de mobilização. Há hoje cerca de 300 grupos que voluntariamente monitoram a qualidade da água na Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Conseguimos que essas pessoas revissem sua relação com o rio ou córrego vizinho, sentissem que suas ações refletem nas características do líquido e, principalmente, notassem que a água não nasce na caixa d´água do bairro, mas está inserida em um intrincado complexo ambiental.
Num segundo momento, fazemos com que estes grupos troquem informações entre si, dividam suas conquistas e descobertas, transformem-se em núcleos de gestão ambiental e, a partir da água, entendam a importância da conservação da biodiversidade como um todo. A experiência no Tietê nos permitiu desenvolver um modelo que já foi replicado em outras bacias e pode servir de norte para projetos semelhantes em outras partes do Brasil e do mundo.
*Mario Mantovani é diretor de mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica

Saúde materna melhorou, mas Meta do Milênio ainda está longe

Beatriz Galli e Leila Hessini (*)
Enquanto a saúde materna melhorou em alguns países, o mundo ainda está muito distante de alcançar a meta de redução da mortalidade materna em 75 % até 2015. Na Conferência das Metas de Desenvolvimento do Milênio em Nova York em 2005, os líderes mundiais deram um passo na direção certa quando reconheceram que “o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva até 2015” é necessário para melhorar a saúde materna. A meta número 5 só poderá ser atingida quando a maioria das mulheres tiver acesso a intervenções centrais, incluindo a atenção pré-natal, atendentes capacitados no parto, serviços legais e seguros para o aborto e serviços de pós-parto.
O governo brasileiro vem realizando esforços para cumprir os compromissos de proteger a saúde das mulheres e os direitos humanos relacionados à mortalidade materna. Um exemplo disso foi o lançamento das normas nacionais sobre atenção ao abortamento e a revisão e adequação dos padrões da assistência para vítimas de violência sexual. O Brasil desenvolveu uma política nacional para a mortalidade materna denominada Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal, como parte de sua Política Nacional em Direitos Sexuais e Reprodutivos.
O Pacto é uma diretriz central para governos estaduais e municipais desenvolverem suas políticas de saúde com objetivo de reduzir as mortes maternas. Além disso, um instrumento de pesquisa sobre direitos humanos da Organização Mundial de Saúde está sendo usado pelo Ministério da Saúde para avaliar o grau de cumprimento das obrigações internacionais do governo em matéria de direitos humanos relacionados à saúde materna e neonatal. O objetivo da pesquisa é coletar indicadores em saúde, avaliar o grau de implementação da legislação e das políticas de saúde, e identificar as principais lacunas e as barreiras existentes para o devido acesso das mulheres e dos recém-nascidos à assistência à saúde materna e neonatal com equidade e qualidade.
Ainda não sabemos se o Brasil irá alcançar a meta de desenvolvimento do milênio para reduzir as mortes maternas em 75% em 2015. De acordo com o Pacto Nacional, o governo comprometeu-se em reduzir a mortalidade materna em 15% até 2007. Discussões parlamentares sobre a importância de reformar a legislação vigente para legalizar ou descriminalizar o aborto estão em andamento no país. Se a reforma legal tiver êxito, as mortes maternas relacionadas ao aborto certamente irão diminuir. Uma análise do Banco Mundial concluiu que 90% da mortalidade materna por aborto pode ser reduzida simplesmente através da assistência ao aborto com qualidade e de forma segura.
*Beatriz Galli e Leila Hessini são professoras da PUC-SP

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