Especial – As empresas contra o aquecimento global (parte 2)

Especial – As empresas contra o aquecimento global (parte 2)

CONTROLE DE EMISSÕES DE CARBONO
Há muito tempo já se sabe –mas o relatório do IPCC conferiu maior carga  dramática – que os gases de efeito estufa, lançados pelo homem, destroem a camada de ozônio e aumentam a temperatura média da Terra. Com base nessa constatação, o segundo passo para uma empresa preocupada com as mudanças climáticas é estabelecer metas cada vez mais ousadas de redução nas emissões de gás carbônico. Investir em pesquisas, desenvolver tecnologias menos poluentes e formar parcerias para neutralização de carbono estão entre as estratégias necessárias.
Para Marina Grossi, do CEBDS, uma companhia que se pretenda sustentável deve inserir o componente clima na gestão dos seus negócios, fazendo um mapeamento dos impactos de sua atividade de produção no meio ambiente. Com esse inventário em mãos, a medida seguinte é fixar as cotas de emissão. “Muitas das nossas empresas associadas estabeleceram metas voluntárias, que evoluem com o passar do tempo. Essas metas são louváveis, porque excedem o básico e, por isso, deixam de ser apenas um número político”, acredita. Na opinião da especialista, o momento não poderia ser mais favorável para as metas voluntárias progressivas, porque, com o quadro do clima agravado, a urgência em torno do tema tende a aumentar, e talvez o País (que não possui metas obrigatórias) estabeleça cotas rigorosas, retirando o mérito e determinando o ritmo da iniciativa corporativa.
Em parceria com o World Resources Institute (WRI), a Fundação Getúlio Vargas e o WBCSD, o CEBDS está trazendo para o Brasil um software para auxiliar as empresas a contabilizarem a quantidade de emissões e a avaliarem as oportunidades e riscos envolvidos em suas operações. Com a ferramenta, será possível sistematizar onde e quanto os negócios impactam o meio ambiente. “É importante fazer esse cálculo, para, a partir de um diagnóstico mais claro, estabelecer os próximos passos”, explica Marina.
Enquanto o software não chega,  as grande companhias brasileiras estão fazendo a sua parte no controle de emissões de gases nocivos á camada de ozônio. A indústria química Rhodia é um bom exemplo. De acordo com José Borges Matias, vice-presidente Industrial e Relações Governamentais para a América Latina , a companhia criou, na década de 1990,  uma tecnologia para o “abatimento de gases de efeito estufa”, que vem sendo aplicada com sucesso até hoje. “Desenvolvemos também outros projetos de tratamento de emissões de óxido de nitrogênio”, acrescenta.
Também preocupada com a diminuição na emissão de gás carbônico, a Fiat tem concentrado sua atenção na engenharia de carros menos poluentes e mais adaptáveis a diversos combustíveis, como é o caso do veículo tetrafuel, que pode ser movido por gasolina pura, álcool, álcool puro ou gás natural veicular (GNV). Além disso, a montadora desenvolve, em parceria com a Itaipu Binacional, o projeto do Palio Elétrico, que não lançará nenhum tipo de gás na atmosfera. Mesmo em relação aos automóveis regulares –garante o presidente Belini — “a Fiat registra índices muito além do que determina a legislação no que se refere às emissões para veículos à gasolina”. Entre outras medidas ambientalmente responsáveis, a maior fabricante de carros do país investe também na garantia de que, no fim de sua vida útil, os produtos poderão ser reciclados.
Se fabricantes de carros, como a Fiat, admitem o impacto de seus produtos e trabalham na pesquisa de tecnologias para reduzir a emissão de carbono, o que dizer das empresas cujo produto básico decorre de matriz energética extremamente danosa para a camada de ozônio? Companhias de extração e produção de derivados de petróleo, como a Petrobrás, por exemplo, já entenderam que tem responsabilidade em relação à saúde do planeta.  Prova disso é que não se consideram mais petrolíferas, e sim energéticas. O que significa que estão abrindo seus horizontes para estudar alternativas ao combustível fóssil. “Nossos produtos são fatores de geração de efeito estufa”, afirma Luís César Stano, gerente de desempenho em segurança, meio ambiente e saúde da Petrobras,. Por essa razão, a companhia sabe que precisa empreender grande esforço na redução dos seus impactos. “Isso já está na rotina de gestão do negócio, é de conhecimento público. Em uma etapa inicial, estamos fazendo um inventário das emissões, para estabelecer um perfil e criar medidas mais eficazes para a redução”, explica.
Nesse movimento interno de gestão corporativa das suas emissões, a Petrobrás criou um subcomitê para tratar especificamente das questões relacionadas às mudanças climáticas.  Este grupo conta com o suporte do Sigea (Sistema de Gestão de Emissões Atmosféricas), que reúne dados e comentários resultantes do monitoramento de 700 profissionais diretamente envolvidos na produção. “Procuramos identificar oportunidades econômicas e ambientalmente sustentáveis de mitigar os gases de efeito estufa”, ressalta Stano. Um exemplo dessa preocupação é o estudo do potencial de absorção de gases por determinadas árvores. Além de pesquisas próprias, a Petrobrás investiga, junto com outras oito companhias petrolíferas,  formas de fazer com que as substâncias emitidas interfiram o menos possível nas mudanças climáticas.
Mas não são apenas as indústrias com produtos altamente poluentes que se preocupam em diminuir seus impactos ambientais. A Sadia, por exemplo, instalou mais de 600 biodigestores para produzir metano a partir das fezes dos seus rebanhos de  suínos e comercializá-lo, no exterior, como crédito de carbono – nesse mercado em ascensão, quem emite menos carbono do que as metas obrigatórias previstas pode vender cotas em crédito de carbono, e quem ultrapassa o limite pode comprar.
MUDANÇA DE MATRIZ ENERGÉTICA
A nova ordem mundial de redução nas emissões de gases poluentes resgatou um velho debate sobre a produção de fontes de energia alternativas ao petróleo, hoje predominante em quase todo o mundo. Para muitas empresas, adequar processo e produtos a uma nova matriz energética representará, no longo prazo, um desafio importante para a sua própria perenidade.  É o caso da Petrobrás. Agora auto-denominada energética, a maior companhia brasileira não perdeu tempo. E já começou a investir, por exemplo, na construção de três fábricas de biodiesel, um combustível originário de comodities agrícolas em cuja produção o Brasil ocupa posto de referência tecnológica mundial.
Segundo Stano, como o petróleo ainda vai demorar muito para cair em desuso, o melhor a fazer hoje é trabalhar na diminuição das emissões e melhorar a qualidade dos produtos. “Não existe possibilidade de substituir os combustíveis fósseis a curto e médio prazo. As estatísticas mostram que eles ainda suprem a maior parte da demanda de energia. A fatia dos produtos de energia renovável vai aumentar, mas, pelo menos por algumas décadas, os fósseis ainda serão os mais utilizados”, prevê.
Para Raquel, da FGV, a migração das energias não-renováveis consiste em estratégia central no combate ao aquecimento global. Isso explica o crescente interesse em pesquisa pelo hidrogênio –que ainda carece de maior investimento tecnológico para tronar-se uma alternativa segura—0 e as energias solar e eólica.  O IPCC considera essa temática nuclear. “Temos que mudar a matriz energética predominante. Vários setores industriais dependem de combustíveis fósseis. Se puderem substituir essas fontes, já vão contribuir muito para baixar a temperatura média”, observa Raquel.
Da parte de quem consome a energia, a questão não é tão simples. Marco Paulo Cabral, da Cosipa, explica que a usina tem processos que dificilmente poderão prescindir do combustível fóssil. Para ele, em curto prazo, a única forma de usar essa energia com menor impacto é investir na sua eficiência. E exemplifica: “O grande ponto é a melhoria dos rendimentos e da reutilização dos resíduos. Na medida em que um carro a gasolina fizer 14 quilômetros por hora em vez de 11, já impactará menos”.
DESMATAMENTO
O Brasil ocupa hoje a quarta posição entre os maiores emissores de gases de efeito estufa graças sobretudo ao desmatamento, responsável por 62% dos lançamentos do País na atmosfera.  Segundo o WWF (World Wide Fund for Nature), esse dado reforça o descaso  com que a população encara os ecossistemas nativos, considerados a maior riqueza do País: ao contrário do que se costuma acreditar, os principais viões do desmatamento não são as indústrias madeireiras (legais), mas sim a pecuária e a agricultura. “A ação forestal e o avanço da fronteira agrícola deslocam a soja e o gado, retirando o espaço das florestas”, explica Karen Suassuna, representante da organização no Brasil.
As notícias, porém, permitem otimismo nesse campo. De acordo com a ambientalista, apesar da máxima urgência, o desmatamento pode ser enfrentado no curto prazo. O País –segundo ela — tem os recursos e a capacidade para reverter o quadro. “O que pode ser feito para solucionar o problema é fazer um aproveitamento melhor das áreas já degradadas, porque hoje muitas são abandonadas para novas serem abertas. Deve haver um esforço no sentido de um ordenamento territorial, ou seja, saber onde se pode ou não plantar. O que não pode é continuar do jeito que está”, ressalta Karen.
Outra alternativa é a implantação de áreas de conservação, como o governo já tem feito. Números do WWF mostram que, no último ano, foram instalados 24 milhões de hectares de preservação. Isso significa, na prática, que não levará muito tempo para o Brasil deixar a quarta posição do ranking mundial. Mas Karen adverte: solucionada a questão do desmatamento, o Brasil deve ficar atento para que suas empresas não ampliem o volume de emissão de gases de efeito estufa. “Essa uma possibilidade, já que a curva de crescimento industrial do País tem aumentado”, informa.
O futuro a nós pertence
De lado os necessários alertas e a preocupação que um tema como esse sempre gera, os entrevistados de IdéiaSocial se mostraram muito otimistas. Em grande medida, os executivos e especialistas ouvidos pela revista estão convencidos de que existe hoje uma mobilização global dos três setores da sociedade no mesmo sentido – ainda que haja dificuldades e uma longa caminhada pela frente. O combate ao aquecimento global pode, afinal – e felizmente –, ser um dos raros consensos da humanidade. Ou, pelo menos, da maior parte dela. “A mudança pode ser ainda maior do que aparenta. Há alguns anos, diria que ela seria improvável. Mas hoje, a questão ambiental se tornou um tema de interesse de mercado. As empresas estão, de fato, investindo para reverter o quadro”, analisa Demajorovic. “É um processo longo, mas observo um discurso diferente e maior maturidade nas ações. Trata-se de um discurso do poder público, das empresas e da sociedade”, completa.
Um bom exemplo de aliança intersetorial é o recente Pacto de Ação em Defesa do Clima, lançado pelo CEBDS no último mês de abril. O objetivo é, basicamente, realizar ações que contribuam para a redução de emissões atmosféricas, no Brasil e no mundo (veja quadro na página XX). A iniciativa reuniu, inicialmente, as ONGs WWF e Greenpeace – reconhecidas publicamente por não estabelecerem vínculos corporativos e governamentais – e as empresas Votorantim, Alcoa e Petrobras.
Segundo Deforuny, da Unesco, parcerias como essa  seguem á risca a filosofia das entidades ligadas às Nações Unidas, que pregam o estabelecimento de consensos para a construção de um mundo mais sustentável e menos desigual. “É como um tecido que vai sendo construído ponto por ponto, com base no diálogo como ferramenta para a solução. Ou pensamos a questão do desenvolvimento sustentável de uma maneira responsável desde agora ou viveremos uma tragédia que cairá sobre nossas cabeças, como uma guerra. Não temos muita opção”, profetiza.
A pegada ecológica, nossa marca no Planeta
Guarde bem o nome pegada ecológica e saiba o que quer dizer pois certamente ele poderá lhe ser muito útil no novo figurino ambientalmente correto  desses tempos de luta contra o aquecimento global.
A pegada ecológica é um instrumento coordenado pela ONG Redefinig Progress (Redefinindo Progresso) que mede, a rigor, o quanto de natureza é necessário para manter o estilo de vida de uma pessoa, ou seja, que volume estimado de terra e água um indivíduo ou uma população necessitam para produzir os bens e serviços que consomem e absorver os resíduos que geram. Criado em 1996, pelos professores canadenses William Rees e Mathis Wackernagel, com base em dados da ONU, o conceito nada mais é do que um indicador do impacto causado no Planeta pelas escolhas das pessoas.
Para definir a extensão da pegada ecológica, primeiro estabeleceu-se a biocapacidade do Planeta, isto é, a sua área produtiva — a da Terra, por exemplo, é de 22%, considerando que 4% dos oceanos e 18% dos solos são produtivos. Nos países, ela se define a partir do cruzamento de dados populacionais, do consumo médio por habitante e do volume disponível de bens e serviços. Ao conjugar essas informações, a pegada ecológica serve para dar números concretos à parcela de responsabilidade de cada indivíduo na sustentabilidade do planeta.
Para saber a sua, em dados exatos, basta entrar no site www.myfootprint.org. Lá você poderá preencher, em Português, um questionário com 22 perguntas que incluem desde  o tipo de alimentação consumida (carne, ovos, peixes e laticínios e se é pré-preparada, embalada ou importada), a quantidade de lixo gerada e eventualmente reciclada, o número de pessoas que vive na sua casa, a área e o tipo de construção (e se há eletricidade) até o quanto se anda (em quilômetros por semana, sozinho ou acompanhado) de carro, transporte coletivo, bicicleta e avião e o volume de combustível gasto (em litros para  cada 100 quilômetros).
Ao final, o software do site informa o consulente sobre o resultado de sua pegada ecológica individual, a média de seu país e o “número de Terras” necessário para compensar o seu modo de vida considerando que todos os habitantes escolhessem o mesmo padrão. Os resultados vão surpreender especialmente os que vivem em centros urbanos. Alem de apresentar os dados, o sistema convida ainda o interessado a estabelecer um plano de ação para reduzir sua pegada ecológica nos três itens: Alimentação, Mobilidade e Transportes e Habitação.
O questionário—vale dizer — informa sobre o impacto de um indivíduo. O método não pode ser aplicado ainda para uma empresa — que, no momento, terá de se contentar com o cada dia mais habitual levantamento de emissão de CO2 e as projeções de neutralização de carbono via plantação de mudas de árvores.  Para calcular o impacto total da humanidade, deve-se somar as pegadas ecológicas de toda a população da terra. Quanto maior for a população, menor será a quantidade de “natureza” disponível por habitante, daí a preocupação de muitos especialistas com o crescimento populacional. Não há muita saída: se a população –como tudo indica — crescer nos próximos dez anos, a pegada ecológica precisará evidentemente diminuir sob o risco de se promover um desequilíbrio importante dos recursos naturais do Planeta.
Apenas  para se ter uma idéia, em termos numéricos, a pegada ecológica do Brasil é de 2,4 hectares por habitante, quase o dobro da chinesa (1,5) e um terço da norte-americana (9,7). Entre os anos de 1961 e 2003, apesar de a população mundial sequer ter dobrado, a pegada global multiplicou-se por quatro, chegando a 14,1 bilhões de hectares globais, 2,2 hectares por pessoa. Isso significa quase meio hectare acima da biocapacidade do Planeta.
Na prática, quer dizer que a população mundial está usando os recursos da terra numa velocidade 26% maior que a capacidade de reposição.  Se não houver uma mudança de hábitos hoje, a capacidade biológica da Terra ficará irremediavelmente prejudicada. E a sobrevivência da humanidade, sob risco. Para os que ainda acham esse tipo de argumento uma conversa de eco-chatos exagerados e apocalípticos de plantão, nunca é demais lembrar que, até pouco menos de um ano, o aquecimento global também parecia uma catástrofe futurista.
Os últimos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) revelaram, no entanto, que o problema está mais próximo do que parece e que a sua solução depende de uma mudança de comportamento e atitude de governos, empresas e pessoas. Preencha o questionário da Redefinig Progress, saiba o tamanho de sua pegada ecológica e assuma compromissos individuais para diminuí-la. O Planeta agradece comovido.

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