Especial – As empresas contra o aquecimento global (parte 1)

Especial – As empresas contra o aquecimento global (parte 1)

Depois do quadro alarmante pintado pelos relatórios do IPCC, empresas entendem que seu papel é mais do que nunca emergencial e decisivo para o futuro do planeta.


Como uma espécie de carta evangélica do novo século, o quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)  prenunciou ao mundo o infortúnio e a redenção. Primeiro, o diagnóstico sombrio: a temperatura mundial está, sim, aumentando, por culpa do Homem e  isso vai intensificar a escassez de recursos naturais, como a água, eliminar algumas espécies animais e vegetais, acirrar as desigualdades sociais e afetar profundamente a economia. Depois, em sua terceira parte, o prognóstico otimista: se o homem é o problema ele é também a solução.
Com medidas adequadas, como barrar o desmatamento, adotar nova matriz energética, a partir de fontes renováveis, em substituição ao petróleo e combustíveis fósseis e implantar tecnologias para redução do consumo de energia e emissão de poluentes, é possível desarmar a bomba-relógio do aquecimento global antes que ela exploda no colo de uma humanidade cética e teimosa.
A conta desse conjunto de medidas –ao contrário do quiseram apregoar os catastrofistas de plantão — não é tão alta que a economia mundial não possa suportar. Os cientistas responsáveis pelo relatório afirmam que seria necessário investir o equivalente a 3% do PIB (Produto Interno Bruto) de 2030, a uma média de 0,12% por ano, para manter a temperatura dentro da margem de dois graus centígrados. Considerando o forte papel econômico das empresas na atualidade, não é difícil supor que elas jogam um papel decisivo na solução do problema das mudanças climáticas. Mas não são as únicas responsáveis. Segundo o IPCC, o desaquecimento do planeta pressupõe também a participação integrada dos governos, com políticas firmes e regulamentações claras, e da sociedade civil, com mudanças fundamentais de estilo de vida.
No Brasil, o governo ainda não dispõe de um plano de ação para enfrentar o problema. Os brasileiros, apesar de muito sensíveis ao tema, também não mostram disposição de fazer mudanças para valer. Recente pesquisa do Ibope sobre percepção ambiental, aponta que 91% dos brasileiros têm conhecimento sobre o aquecimento global, e 86% estão preocupados – ou muito preocupados – com o fenômeno. O discurso engajado, porém, não se reflete  em uma necessária revisão de hábitos. Entre os que usam o carro diariamente, 38% não estão dispostos a deixar o automóvel na garagem, ainda que 19% concordem em buscar outras alternativas com mais freqüência, e 29% aceitem não utilizar o veículo. As empresas, por sua vez, começam a tomar medidas, alterar estratégias de negócio e a focar suas práticas em valores socioambientais.
Uma questão emergencial

Desde a divulgação do primeiro documento do quarto relatório do IPCC, no final do ano passado,  as mudanças climáticas ganharam um certo senso de urgência. E enfrentá-las passou a ser tarefa imperativa da humanidade. Se até um ano atrás o aquecimento global  era objeto da conversa de ambientalistas iniciados no assunto, hoje está na pauta das empresas, dos governos do G8 e dos grandes fóruns econômicos, como, por exemplo, o de Davos. Segundo Raquel Biderman, coordenadora do programa de sustentabilidade global da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), isso se deve ao fato de algumas figuras públicas, líderes políticos e executivos, terem se tornado porta-vozes do tema, casos do premiê britânico Tony Blair, do ex-vice presidente Al Gore (vencedor do Oscar de melhor documentário com Uma Verdade Inconveniente) e do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.
Em sua opinião, os relatórios do IPCC e Stern (que calculou os custos da inação para as empresas) mudaram o status do tema e o colocaram sob os holofotes de todo o mundo. “Ter se transformado em uma importante questão econômica fez com que o aquecimento global entrasse na pauta da grande mídia e tomasse a proporção que tomou”, defende.
Na avaliação do economista Jacques Demajorovic, especialista em gestão ambiental, o IPCC não trouxe dados novos. Sua principal contribuição foi sistematizar informações recolhidas nos últimos 30 anos e chamar a atenção dos veículos de comunicação. “O que causou o impacto do relatório foi o momento. Há dez anos, o mesmo documento não teria a mesma repercussão”, afirma.
Para justificar seu ponto de vista, Demajorovic traça um paralelo da situação atual com o setor químico brasileiro, que, segundo ele, foi reativo às questões de preservação ambiental até a década de 1980, tentando, inclusive, burlar a legislação. “De repente, esse setor descobriu que não colava mais pensar o meio ambiente e a competitividade como fatores distintos. Com o grande avanço das leis, as empresas passaram a entender que ficar naquela posição reativa incidia em seus custos e ocasionava restrições. Hoje, perceberam que a indiferença ao aquecimento global é uma atitude que não conta com a aprovação da sociedade”, explica. Ele ressalta, ainda, que tal mudança de comportamento não deve ser encarada pelas empresas como um risco, mas uma oportunidade para os seus negócios.
O futuro é agora
Além dos benefícios de mercado e da necessidade de dar respostas a uma sociedade cada dia mais exigente, o que empurra as empresas para a ação imediata é um sentido de emergência inerente ao tema. Essa é a opinião de Marina Grossi, secretária executiva do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) representante brasileiro do WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável). “A mudança do clima não é mais um problema em potencial. Quando começamos essa discussão, poucas pessoas estavam envolvidas, e mesmo assim por um princípio de precaução. Hoje temos mais certeza, ninguém precisa abrir um livro para saber o que está acontecendo”, afirma.
Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil, pensa exatamente o mesmo. Enfrentar o aquecimento global –acredita — não pode ficar para amanhã, nem deve ser tarefa de um segmento específico da sociedade. Exige ações firmes e presentes, uma combinação de medidas em pequena e grande escala. “É interessante que existam, por exemplo, leis prevendo recompensa ambiental, mas as próprias empresas precisam se organizar para desligar a luz, usar papel reciclado, economizar a água”, afirma. Outra mudança importante para Defourny é inserir o custo ambiental na gestão dos negócios. Nenhuma dessas medidas, no entanto, terá eficácia se aplicada isoladamente. “Não existe uma solução única. São múltiplos os cenários para mitigar os problemas que estamos enfrentando. Temos um só planeta, que estamos consumindo em uma velocidade apavorante”, observa o dirigente da Unesco.
Educação para a consciência e consciência para a mudança.

Os entrevistados de IdéiaSocial concordam que a mudança de comportamento entre governos, empresas e indivíduos representa um dos principais desafios no combate ao aquecimento global. Por esse motivo, a educação exerce papel-chave no processo. Para Defourny, não só os governos, mas também as empresas, devem conjugar investimentos em ações ambientais e educacionais, com o objetivo de sensibilizar e conscientizar funcionários, famílias, comunidades e principalmente os seus líderes.
No caso dos países mais pobres, que, segundo o IPCC, sentirão mais os efeitos das mudanças climáticas, a educação constitui elemento decisivo. “Ela ajuda as pessoas a formarem idéias e juízos sobre o tema, por isso consiste em um ótimo meio para levar a mensagem ambiental. Além disso, pode servir para resgatar a população da pobreza”, acredita André Fourie, diretor executivo do NBI (Iniciativa Nacional Empresarial), braço do WBC na África do Sul. Para ele, as questões ambientais estão intimamente associadas às sociais, de tal modo que, se uma empresa deseja contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade de vida da comunidade onde está inserida, não pode pensá-las separadamente, muito menos desconsiderar, como instrumento, as ações educacionais.
Em defesa de sua idéia, Fourie  usa o exemplo das favelas de seu país. Lá, sem acesso à eletricidade, os moradores queimam óleo para a iluminação, gerando um forte impacto negativo para o meio ambiente. Segundo ele, menos equipados e sem a mesma infra-estrutura das economias desenvolvidas, os países emergentes precisarão redobrar sua atenção para o aquecimento global. Assim como um terremoto causa menos danos em uma metrópole dos Estados Unidos do que em uma cidade na Indonésia, as mudanças climáticas tendem a afetar mais –crê Fourie —  àqueles que não têm recursos como água, dinheiro, educação e comida. “As empresas sul-africanas têm reservado reservam 60% do investimento para o social e 40% para o ambiental. Porém, cada vez mais, esses dois caminhos se conectam. Por isso é possível encontrar maneiras eficientes de ajudar aos pobres sendo ambientalmente sustentável”, ressalta.
ECONOMIA E REUTILIZAÇÃO DE RECURSOS
O primeiro passo para uma empresa que quer enfrentar o aquecimento global está na auto-avaliação de seus impactos destrutivos nos ecossistemas. Utilizar cada vez menos recursos naturais é o ponto de partida para uma atitude sustentável. A Fiat sempre acreditou nessa tese. Não por outro motivo, foi a primeira indústria automobilística no Brasil receber, em 1997, a certificação ISO 14001, de gestão e qualidade ambiental. Três anos antes, a companhia construiu em sua fábrica de Betim, Minas Gerais, uma Ilha Ecológica, onde se concentra a maior parte dos seus esforços ambientais. Nela, concentrou investimentos em tecnologia de ponta para separar os resíduos industriais sólidos são separados, reciclá-los e transformá-los em novas matérias-primas. “São cem empregados dedicados a um volume de 400 toneladas por dia de material processado”, explica o presidente, Cledorvino Belini.
Os resultados não deixam margem à dúvida sobre a qualidade do processo de ecoeficiência: em 1996, um carro produzido pela montadora gerava 400 quilos de resíduos; hoje são 210 quilos. Com o aval da Ilha Ecológica, a fábrica consegue reciclar 93% de todo o material descartado. Técnicos da empresa desenvolveram uma forma de transformar as quatro toneladas de isopor que chegavam na indústria diariamente em matéria-prima para a produção de peças plásticas. O isopor é triturado e condensado, convertendo-se em poliestieno. Também são reciclados papel, plástico e papelão. “Todo resíduo sólido gerado na fábrica tem um destino ambientalmente correto”, orgulha-se Belini.
O mesmo ocorre com a água utilizada no processo industrial, cujo consumo foi reduzido pela metade em dez anos.. Hoje, a fábrica possui nove estações de tratamento, que são responsáveis por reutilizar 92% da água. A meta é atingir 95%. Desde a instalação dos mecanismos de tratamento, há seis anos, a Fiat poupou 9 bilhões de litros de água. Com tamanho esforço para tornar-se uma fábrica auto-sustentável, seria razoável estimar um aumento nos gastos com energia, mas o presidente garante que empenha pouco mais da metade da energia usada anteriormente.
Para Demajorovic,  a preocupação da indústria automobilística com a sustentabilidade é essencial no combate às mudanças climáticas. Além de minimizar os impactos de sua produção ao meio ambiente, as montadoras têm o dever de fabricar produtos menos poluentes. “Esse segmento industrial pode contribuir muito investindo na fabricação de automóveis com tecnologias mais eficientes para o mercado”, entusiasma-se Demajorovic, lembrando que a emissão de CO2, decorrente da queima de combustíveis como o petróleo, é um dos fatores responsáveis pelo aquecimento global.
Felizmente, medidas de ecoeficiência, como as implantadas pela Fiat, representam uma regra e não mais uma exceção entre as grandes empresas do país. A Cosipa é um outro bom exemplo de evolução no investimento em tecnologias de reaproveitamento de recursos naturais.  Segundo o seu superintendente geral, Marco Paulo Cabral, a consciência corporativa em relação ao meio ambiente tem observado importante avanço nos últimos anos. Em um primeiro momento –lembra —  as companhias iniciaram suas adaptações apenas para responder aos rigores da legislação ambiental, criada na década de 1980. Em seguida, entraram na corrida para conseguir a certificação da ISO 14001. “Com um instrumento mais abrangente do que a legislação, as corporações começaram a ter uma visão mais globalizada de sua atuação e, por isso, passaram a se preocupar mais com questões ambientais”, avalia.
Desde que obteve a certificação ISSO 14001, em 1999, a Cosipa ampliou os seus investimentos em equipamentos de proteção ecológica. Assim como a Fiat, a siderúrgica também reutiliza os recursos do processo, como água, matérias-primas, energia elétrica, gases e o aço, que pode ser 100% reciclado. No total, 97,4% dos resíduos são usados novamente ou transformados em subprodutos, seja para reuso na própria usina, seja para comercialização externa.

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