Especial – A nova geografia do clima – Parte II

Especial – A nova geografia do clima – Parte II

Quem vai pagar a conta?
Países desenvolvidos ou em desenvolvimento serão impactados pelas mudanças climáticas e, por isso, devem desde já dedicar recursos à adaptação. No entanto, quem está disposto a pagar essa conta?
Em 2006, a divulgação do Relatório Stern revelou ao mundo a real dimensão dos impactos do aquecimento global na economia. O estudo do economista britânico Nicholas Stern mostrou que as medidas de adaptação às mudanças climáticas demandarão até 20% do PIB mundial. Enquanto as medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa exigiriam apenas 1% das receitas globais.
Em 2009, a UNFCCC decidiu compilar todos os estudos existentes sobre os custos de adaptação. Com isso chegou à conclusão de que, até 2030, serão necessários recursos da ordem de U$ 49 bilhões a U$ 171 bilhões por ano para financiar ações de adaptação em escala mundial. Desse montante, entre U$ 27 bilhões e U$ 66 bilhões precisam ser destinados aos países em desenvolvimento, que são mais suscetíveis às mudanças climáticas.  A metodologia analisada e o detalhamento dos gastos podem ser vistas no relatório “Conhecendo os custos da adaptação para a mudança climática” (do inglês, Assessing the costs of adaptation to climate change). (Veja também box abaixo).
Box: Recursos necessários para medidas de adaptação (bilhões de U$/ano):

Setor Custos globais
Custos nos países desenvolvidos Custos nos países em desenvolvimento
Agricultura 14 7 7
Recursos hídricos 11 2 9
Saúde 5 0 5
Zonas costeiras 11 7 4
Infraestrutura 8-130 6-88 2-41
Total 49-171 22-105 27-66

Fonte: UNFCCC
Assim como nas ações de mitigação, a questão das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, norteia a discussão de estratégias para a adaptação. Mas há um complicador. As nações em desenvolvimento, que historicamente contribuíram menos com as emissões globais, serão as mais afetadas pelas mudanças climáticas. Apesar de haver consenso quanto à necessidade de os países mais ricos transferirem tecnologias e recursos financeiros para tornar as nações mais pobres menos suscetíveis às mudanças climáticas, faltam ações efetivas nesse sentido. Espera-se um norte em Copenhague.
“Os fenômenos climáticos que já estão ocorrendo fazem vítimas e não há uma estratégia, uma política e fonte de recursos alocados para enfrentar o problema. Justamente nos países em desenvolvimento onde se estima que ocorrerão as maiores consequências não tem nenhum tipo de política específica e tão pouco apoio nesse sentido”, afirma Santilli.
Com a ratificação do Protocolo de Kyoto, criou-se um Fundo para Adaptação destinado a financiar projetos em países em desenvolvimento. Estabeleceu-se que 2% dos recursos obtidos com mecanismos de desenvolvimento limpo (com exceção daqueles utilizados nos países menos desenvolvidos) e outras iniciativas realizadas no mercado voluntário de carbono devem ser destinados ao fundo, que ainda não foi totalmente operacionalizado. Incerta, a quantidade de dinheiro disponível no fundo dependerá do desenvolvimento do mercado de carbono. O Banco Mundial estima que o Fundo para Adaptação capte entre U$ 100 a U$ 500 bilhões por volta de 2012, quantia insuficiente diante da conta da adaptação que não para de crescer.  “A fonte de recursos é ridícula quando comparada ao tamanho da conta. Também é difícil entender porque somente os projetos de MDL contribuem para esse fundo e não um conjunto dos mecanismos de compensação ou até algum tipo de medida abrangente que possa ser tomada no âmbito da economia mundial”, afirma Santilli.
Nesse sentido, ele sugere a taxação de processos e produtos altamente intensivos no uso de petróleo,  carvão e outras fontes de energia fósseis. “Toda atividade econômica diretamente ligada à causa do problema deveria pagar um tributo pela solução. Essa é uma medida que precisará ser tomada, o que obviamente não exclui outras providências”, ressalta.
Perdas e ganhos
Essa abordagem pragmática das mudanças climáticas, que procura mensurar os custos da adaptação, é importante para inserir o tema no centro da discussão política e econômica. Afinal, como reforçou o economista Stern em seu estudo, quanto mais se ignora os riscos, maiôs graves serão os efeitos do aquecimento global.
O segmento de seguros, por exemplo, já sente na pele – ou melhor, no seu faturamento – os impactos das mudanças climáticas. Em seu livro Plano B 3.0: mobilização para salvar a civilização, Lester Brown dedica um capítulo para a análise das perdas causadas por eventos climáticos extremos, que têm aumentado, em média, 10% ao ano. A estimativa é de Andrew Dlugolecki, consultor de alterações climáticas e seus efeitos nas instituições financeiras. Segundo ele, se esse aumento continuar indefinidamente, em 2065, os danos advindos de tempestades terão excedido o PIB mundial.
Brown também apresenta os dados da lista de desastres naturais que causaram U$S 1 bilhão ou mais de perdas seguradas, divulgada pela Munich Re. A evolução dos números ao longo dos anos mostra claramente a maior ocorrências desses eventos.
O primeiro data de 1983, quando o Furacão Alicia assolou os EUA, gerando U$ 1,5 bilhão de despesas com seguro. Das 58 catástrofes naturais com perdas de U$S 1 bilhão ou mais registradas no final de 2006, três foram sismos, incluindo o tsunami asiático de 2004. Os outros 55 foram tempestades, inundações, furacões ou incêndios florestais. Durante os anos 1980, aconteceram apenas três eventos climáticos extremos. Nos anos 1990, o número saltou para 26 e entre 2000 e 2006, foram registrados 26 desastres. “Seguradoras de todo o mundo estão convictas de que com temperaturas mais altas e mais energia para os sistemas de formação de tempestades, as perdas futuras serão ainda maiores. Elas estão preocupadas se a indústria conseguirá se manter com essas séries de danos crescentes”, destaca Brown.
Segundo Max Thiermann, presidente da Allianz no Brasil, no histórico da análise do seguro, é possível identificar fenômenos que se repetem com determinada frequência, como tempestades, terremotos e erupções de vulcões. “A expectativa, a partir dos estudos que estão sendo desenvolvidos, é que os períodos de recorrência desses eventos diminuam. O nosso desafio é orientar a população para não desenvolver atividades econômicas em áreas mais sujeitas a eventos climáticos extremos, por exemplos, aquelas que estão no roteiro de ciclones”, afirma.
Mas esses desafios também encerram grandes oportunidades.  Marengo cita o exemplo do Peru, onde, a partir do aquecimento das águas, passou-se a explorar novas variedades de pesca. “Devido ao El Niño surgiram novas espécies como lagosta e camarão, que serão caríssimas. Algumas empresas se especializaram na exportação desses itens e faturaram muito bem como consequência de uma mudança climática”, afirma.
Os pesquisadores também apontam grandes impactos em infraestrutura. Segundo o estudo “Conhecendo os custos da adaptação para a mudança climática”, da UNFCCC, a área demandará investimentos da ordem de U$ 8 bilhões  a U$ 130 bilhões por ano, três quartos do total a ser investido em medidas de adaptação.
Para Luiz Gabriel Todt de Azevedo, diretor de meio ambiente da Odebrecht, os sistemas de infraestrutura em todo o mundo precisarão ser adaptados a esse novo padrão de variabilidade. “Deverão ser capazes de funcionar, adequadamente, e de forma segura diante de eventos climáticos de maior amplitude, como diferenças significativas entre as temperaturas máximas e mínimas de uma região ou períodos longos de chuvas intensas seguidos por secas prolongadas”, afirma.
Entre os desafios colocados nesse novo cenário, ele destaca a necessidade de desenvolver novos critérios e métodos para a elaboração de projetos de engenharia para estradas, barragens, aeroportos, portos e outros sistemas. “Essas mudanças requererão que a engenharia revise seus critérios e procedimentos. Mas também despertarão novas demandas e oportunidades de negócios, exigindo criatividade e investimentos em novas tecnologias, materiais, padrões de segurança e critérios de projetos”, afirma.
Governança climática global
As mudanças climáticas impõem grandes desafios não só às empresas, mas às instituições de maneira geral, sobretudo no campo político. O estudo “Impactos, vulnerabilidade e adaptação”, da UNFCCC, reforça que para viabilizar medidas de adaptação, governos, negócios e organizações não governamentais precisarão integrar, definitivamente, as mudanças climáticas no seu planejamento e em todos os níveis de decisão.
No entanto, essa abordagem é prejudicada pelo pensamento de curto-prazo. “Do ponto de vista do governo essa é uma questão muito difícil de se pensar porque é uma mudança climática futura que não toma forma concreta no horizonte de mandato com que eles raciocinam ou com que se planejam. Então, é como se fosse antecipar um custo”, analisa. Ainda segundo ele, o fato de ocorrerem fenômenos climáticos extremos não leva o poder público a definir políticas consistentes. “Não se faz nada nem mesmo em regiões do País que já se tornaram área de risco climático, como em Santa Catarina”, destaca.
A conscientização e envolvimento dos diferentes públicos de interesse é determinante no planejamento e implementação de ações de adaptação. Fagan, autor de “O aquecimento global”, reforça que as limitações de lideranças autoritárias são acentuadas em tempos de catástrofes climáticas. Ele lembra que os melhores líderes do passado foram aqueles que reconheceram a realidade ambiental e climática, e conseguiram planejar no longo-prazo, considerando diferentes pontos de vista. Um bom exemplo vem dos egípcios, que estão entre as civilizações mais bem-sucedidas da antiguidade. “A partir de um intenso período de seca por volta dos anos 2200 d.C, o Faraó aprendeu que não poderia pedir mais aos deuses para controlar o Nilo. Ao invés disso, os egípcios passaram a investir em agricultura irrigada”, destaca.
Outra questão que coloca em xeque as instituições políticas atuais é a problemática dos refugiados ambientais. A ONU estima que, em 2010, o número de pessoas forçadas a migrar das regiões onde vivem devido às mudanças climáticas chegará a 50 milhões.
Essas migrações, inevitavelmente, afetarão a segurança nacional dos países e há um risco iminente de reações xenofóbicas. A única forma de evitar esses deslocamentos é investir em tecnologia e educação para as comunidades mais vulneráveis, aumentando as suas chances de adaptação a situações climáticas adversas – como secas e chuvas prolongadas – e proporcionar a sua recuperação em casos de eventos climáticos extremos. Mas essas medidas não eliminarão as migrações, o que exigirá cada vez mais uma atitude de tolerância à diferença. “Estamos entrando em uma era na qual o altruísmo internacional e a preocupação com o outro serão importantes. Essas preocupações terão que superar nacionalismos, rivalidades e dogmas religiosos da atualidade”, ressalta.
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