Especial – A Educação por todos, todos pela Educação

Especial – A Educação por todos, todos pela Educação

O tema educação entrou definitivamente na agenda de empresários e empresas socialmente responsáveis. Cresce o consenso de que a educação de qualidade e para todos é fator determinante para a redução da desigualdade social e para o desenvolvimento
Começa a ganhar força em diferentes segmentos da sociedade a idéia, antes restrita a círculos acadêmicos, de que a educação é a única variável estratégica infalível para o desenvolvimento. Estudos de diferentes fontes apontam uma relação de causalidade entre educação e desigualdade social. Indivíduos com maior nível de escolaridade tendem a ser cidadãos mais plenos de direitos, ter melhores salários e maior acesso às benesses econômicas. O contrário é igualmente verdadeiro. Com menos educação, os mais pobres se mostram condenados à pobreza como se esta fosse um castigo e não conseqüência de uma dívida social do País. Não por acaso, nações como a China e Coréia do Sul que decidiram quitar esta dívida, investindo parcelas mais significativas de seus PIB,s em educação, obtiveram crescimento notável e emergiram no cenário globalizado como potências respeitadas.
A co-relação entre educação e desenvolvimento talvez explique, em parte, a atenção mais recente de empresários e empresas socialmente responsáveis para tema. O interesse empresarial, na verdade, sempre existiu. E não é exatamente novo. Em 1934, o governo já estimulava empresas com mais de 50 funcionários a abrirem suas próprias escolas. As constituições de 1937 e 1946, por sua vez, dispunham sobre a figura do salário-educação, oferecendo incentivo fiscal para as corporações que quisessem investir na área. Nos anos 90, com a ascensão do movimento de responsabilidade social, observou-se um aumento de recursos privados em projetos de educação.
A novidade hoje parece estar na mudança de enfoque. Antes, a contribuição ficava restrita a ações pontuais tomadas por este ou aquele empresário mais compromissado com a sua comunidade. Agora, grupos de empresários se reúnem, promovem alianças estratégicas e otimizam recursos em torno da idéia de resgatar a enorme dívida educacional do País. “A educação está se transformando em reivindicação de uma classe de empresários. E este é um cenário, sem dúvida, inédito no País. Ela vem ganhando status de prioridade nacional”, afirma o ministro da educação Fernando Haddad.
O entusiasmo de Haddad encontra eco nos fatos. São muitos e cada vez mais evidentes os sinais de que a educação está ingressando na agenda de empresários brasileiros. Não como nota de rodapé. Mas na primeira linha. Recente pesquisa de um núcleo de estudos estratégicos ligado à Presidência da República revelou que, para os empresários, a qualidade educacional é o principal problema do país na atualidade. O mesmo tema costuma ser pauta freqüente, por exemplo, dos encontros do Lide, um grupo de lideranças empresariais responsável por um terço do PIB nacional. No início do segundo semestre de 2005 ocorreu em São Paulo um jantar com onze peso-pesados da indústria nacional em torno do ministro Antonio Palocci. Em vez de economia, discutiu-se educação. Quem participou do encontro garante que o ministro mostrou, em relação ao assunto, a mesma desenvoltura observada nos debates sobre políticas de superávit primário. Na esteira deste movimento, começa a ser engendrado um instituto cujo propósito será colocar a educação na ribalta. Para não repetir equívocos de tempos passados, quando a defesa da causa não conseguia escapar da retórica, os idealizadores da nova organização querem reunir especialistas importantes, formular metas nacionais e criar um observatório para acompanhar a evolução educacional do Brasil por um período de 17 anos, até 2022, ano de comemoração dos 200 anos de independência do Brasil.
Para ex-ministro, empresas agem mais rápido, são mais eficazes e provocam o Estado a reagir

Na avaliação do senador e ex-ministro da Educação Cristóvam Buarque, as iniciativas empresariais preenchem uma “evidente falha” do Estado na sua missão de oferecer educação de qualidade para todos. Não fosse assim – crê – os empresários estariam investindo seus recursos em teatros e museus, como acontece na Europa. Buarque acha positivo, no entanto, o investimento empresarial em educação. Mas apesar da boa vontade dos investidores, que ele define como “cidadãos de boa índole compromissados com a nação”, os recursos privados jamais serão suficientes para resolver o problema de um país tão grande como o Brasil. “É mais ou menos como no tempo da escravidão. Alguns senhores compravam e alforriavam escravos. Era um fato positivo. Mas a escravidão só acabou quando o Estado brasileiro disse que era ilegal. Então só vamos solucionar o nosso problema quando o Estado assumir o seu papel de educador de todo o País”, diz o senador, para quem 1% do orçamento da União, algo em torno de R$ 7 bilhões, já seria suficiente para provocar uma revolução educacional no Brasil.
De acordo com Buarque, as iniciativas empresariais não atrapalham. Pelo contrário, ajudam muito. Em sua opinião, as empresas agem mais rápido do que os governos, são mais eficazes, aceleram processos e, por tabela, provocam o Estado a reagir, assumindo suas responsabilidades. “No exercício de sua responsabilidade social, muitas corporações têm contribuído de modo significativo para a recuperação de escolas, a capacitação de professores, a compra de equipamentos, a montagem de acervos de bibliotecas e a criação de métodos que buscam eliminar atrasos, especialmente nas escolas de regiões mais pobres”, afirma o ex-ministro, defensor da idéia de uma Lei de Responsabilidade Educacional, segundo a qual o prefeito que descumprisse metas de Educação ficaria inelegível.
Na opinião de professor da USP, o desafio é a generalização das boas práticas

Para Romualdo Portela de Oliveira, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e especialista em financiamento da educação, o interesse das empresas é um indício de que a educação começa a constar da agenda econômica do País. Ele vê com simpatia os investimentos empresariais. Nem tanto pelo aporte efetivo de recursos, que considera ainda acanhado, ou pelo alcance das experiências, cujo impacto – acredita – precisa ser mais bem avaliado. Mas pelo efeito simbólico: a maior disposição de cooperação de um setor protagonista e muito ligado ao desenvolvimento mostra a importância estratégica do tema para o projeto de País que se deseja construir.
Na avaliação de Oliveira, as parcerias empresa-escola têm acertado na escolha do foco de suas ações: investir na melhoria da qualidade educacional das regiões mais pobres é uma forma de extinguir o que ele chama de “desigualdades” dentro do sistema público. As escolas que se abrem para parcerias com empresas – pensa Oliveira – beneficiam-se beneficiando também da racionalidade de projetos consistentes, avaliação e resultados. E esta talvez seja – em sua opinião – a contribuição mais relevante. “Nas escolas, os projetos político-pedagógicos correspondem, muitas vezes, a rituais formais que não organizam, como deveriam, o trabalho educacional. Constituem apenas declaração de mérito. Não há avaliação de atividades cotidianas. Ao implantar um projeto, a empresa imprime a sua lógica de acompanhamento, contribuindo para um maior compromisso por parte dos envolvidos e para uma nova visão de qualidade e resultados”, afirma.
Oliveira concorda com Buarque em relação às fronteiras da iniciativa empresarial e ao seu papel relativo em um processo cuja gestão deve ficar a cargo do Estado. O principal limite é o da escala. Por melhores que sejam os projetos, eles atingem uma pequena fração de um sistema público grande, complexo, cheio de problemas e com realidades regionais diversas. E nem poderia ser diferente: com recursos limitados, as empresas são levadas a fazer as suas escolhas, o que acaba gerando, por conseqüência, ilhas de excelência e ampliando o que Oliveira classifica como “diferenciação dentro do próprio sistema.” O desafio que se impõe às ações no campo educacional – segundo Oliveira – é a “generalização das boas práticas”. Para o professor, cabe ao Estado assegurar a equidade do sistema, incluindo as escolas de regiões muito pobres e menos propensas às parcerias para que também se beneficiem de algum modo dos seus resultados. “Há um movimento no interior do sistema que gera naturalmente uma diferenciação. Em geral, as escolas de regiões mais periféricas, voltadas para a população mais pobre, são atendidas por profissionais com menos formação e experiência. Se deixar à própria sorte, haverá sempre escolas melhores e piores, dependendo da distribuição desigual de recursos, dos capitais culturais, das comunidade servidas e do perfil do professorado”, analisa.
Papel de empresas é criar modelos eficazes e replicáveis

Sérgio Mindlin, da Fundação Telefônica, compartilha do mesmo ponto de vista sobre o alcance da iniciativa empresarial. Em educação, nenhuma companhia tem porte para realizar uma ação generalizante. Este é definitivamente o papel do Estado. Por maior que seja a escala de um projeto privado, ela jamais fará frente ao tamanho das demandas do sistema público. “A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo tem 300 mil funcionários para atender sete milhões de alunos. Se uma empresa quisesse solucionar o problema precisaria ter esta estrutura. Mas evidentemente este não é o seu negócio. Como nenhuma corporação pretende assumir o sistema educacional, seu papel deve ser o de, com base em suas competências, criar modelos eficazes que possam ser reproduzidos em grande escala”, afirmou.
Desenvolver modelos é uma das metas da Fundação Telefônica. Partindo da experiência agregada ao negócio da empresa instituidora, a organização decidiu apoiar a educação utilizando a inclusão digital como instrumento de inclusão social. Hoje dedica-se a um único projeto, o Portal Educarede, cujo objetivo é colocar a Internet a e as suas imensas possibilidades pedagógicas a serviço do educador. Iniciativa internacional, o Educarede começou na Espanha e ganhou versões na Argentina, no Chile, no Peru e no Brasil, onde tem como parceiros o Cempec, a Fundação Vanzolini e o Portal Terra.
“No nosso caso, optamos por nos concentrar no apoio ao professor, considerando que ele é o elemento central no processo de educação. Se o professor tiver condições de trabalhar melhor, o resultado final será melhor. Temos bem claro que o uso de tecnologias de informação não pode nunca substituí-lo. Pelo contrário, deve oferecer-lhe instrumental para o que oriente melhor os alunos na busca das informações mais adequadas”, diz Mindlin.
Visão de planejamento e capacidade de criar e experimentar alternativas pedagógicas melhoram a qualidade das ações educacionais

Para Mario Hélio de Souza Ramos, da Fundação Bradesco, as empresas exercem um papel “provocador” de novos processos de educação. Nesse sentido, sua melhor contribuição advém do aporte de competências de gestão e de investimentos em novas metodologias. A visão de planejamento, com ênfase em eficiência e eficácia, típica do setor privado, aliada a um compromisso de criar e testar novas alternativas pedagógicas podem – na opinião de Ramos – fazer a diferença a favor da qualidade das ações educacionais do País e até mesmo influenciar políticas públicas.
“Um indicador da importância das empresas no atual processo de reforma geral do ensino é que algumas delas contam com representantes nos conselhos estaduais de educação e debatem, junto com os técnicos, novos modelos para a educação brasileira”, destaca Ramos, dirigente de uma fundação empresarial que comemora meio século em 2006, uma das mais antigas do Brasil.
O primeiro projeto da Fundação Bradesco foi uma escola para os filhos de funcionários. Na época, em 1956, preocupava a empresa instituidora a baixa qualidade educacional e o seu reflexo no futuro desenvolvimento do País. Logo, ela percebeu que não poderia restringir os investimentos em escolas próprias. Se quisesse contribuir, de fato, para a causa educacional, deveria criar uma escola modelo em cada estado brasileiro, com o objetivo de influenciar, pelo exemplo, as redes públicas regionais. Hoje a Fundação Bradesco gerencia 40 escolas próprias. Em 2005, seu orçamento foi de R$ 157 milhões, o maior do país dedicado ao investimento social privado. Nos últimos dez anos, as escolas receberam R$ 1 bilhão. “Não temos mais planos de criar cada vez mais escolas. Nosso desafio agora é a eficiência. Queremos alcançar mais pessoas com o mesmo volume de investimentos”, afirma Ramos.
O dirigente sabe que, apesar de expressivo, o investimento da Fundação Bradesco será sempre ínfimo diante da necessidade do sistema público. Para não incorrer no risco de promover experiências modelares, mas insuladas, a organização assumiu o compromisso de estimular o desenvolvimento das escolas públicas nas regiões onde atua. “Distribuímos nossos materiais pedagógicos, formamos parcerias, compartilhamos metodologias e modelos de gestão e planejamento e procuramos promover intercâmbio dos nossos alunos e professores com os de escolas públicas”, diz.
Para que uma empresa tenha sucesso em um projeto de educação – ensina Ramos – ela precisa ter uma gestão interna decente, estrutura, experiência, filosofia e uma determinação de buscar resultados. Mais do que isso, “deve ter compromisso com a criação de soluções e a sua replicação”.
Replicar soluções é a principal meta dos investimentos em educação da Embraer, uma das maiores exportadoras do País. Além de manter um colégio modelo para 600 alunos de ensino médio em São José dos Campos, cidade-sede da empresa, a fabricante de aviões tem uma parceria com a Secretaria Municipal da Educação para gestão de escolas municipais. São 39 estabelecimentos de ensino fundamental que adotaram o SGI – Sistema de Gestão Integrada utilizado pelo Sistema Pitágoras de Ensino, braço pedagógico tanto na gestão do colégio quanto no trabalho junto à rede municipal.
“A opção pelo SGI se deu por ele ser muito parecido com o planejamento estratégico da Embraer, em que cada indivíduo tem de reconhecer sua missão perante o coletivo. Dessa forma cada um se conscientiza da sua responsabilidade individual e o quanto isso interfere no todo”, afirma Cibele Bernardi, analista de desenvolvimento social. “Com esse método de gestão há condições de cada aluno ser acompanhado mais detalhadamente tanto pelos professores quanto pelos pais e até por si próprio. Como resultado, mais do que números, podemos ouvir os alunos dizendo que quando entraram no colégio sonhavam, no máximo, com uma faculdade particular de pouca expressão ou um curso técnico e que hoje quem almeja algo menor que USP, Unicamp, ITA ou outras instituições do mesmo nível tem pensamento pequeno”.
Combinar maior acesso com qualidade exige choques financeiro e de gestão

Oliveira alinha-se com os que acreditam que, diante dos seus enormes desafios educacionais, o Brasil deveria investir algo em torno de 7% do PIB e não os atuais 4,3%. Ele não está sozinho na defesa desta tese. Muitos especialistas sustentam percentual semelhante. O professor da USP lembra que a Coréia do Sul, que na década de 60, tinha um perfil idêntico ao do Brasil, só conseguiu promover o salto de qualidade de sua educação, em tão curto período de tempo, porque investiu 10% do seu PIB na melhoria do acesso e da qualidade da escola.
Combinar maior acesso com qualidade é, segundo o especialista, o grande desafio educacional brasileiro. Para ele, a baixa qualidade média das escolas ficou mais evidente ao longo da década de 90 quando o número de matrículas de crianças de 7 a 14 anos no ensino fundamental saltou para algo em torno de 98%. Com quase todo mundo na escola, o percentual de conclusão, que era de 22% no começo dos anos 90 pulou para 78%, gerando, por tabela, uma expansão do ensino médio e do superior, e uma demanda de recursos e de infra-estrutura para a qual – acredita Oliveira – o sistema público não estava devidamente preparado. “A população de 7 a 14 anos está entre 27 e 28 milhões. E atendemos hoje, no ensino fundamental, 33 milhões, quase seis milhões de pessoas fora da faixa etária que estavam atrasadas em suas escolarização. Isso é bom porque estamos pagando uma dívida social do passado. Mas o sistema não se encontrava adequado para atender mais. Nesse ponto, aflora a questão da qualidade”, explica.
Para Oliveira, o “discurso de qualidade da escola do passado” sublimava um processo de exclusão na medida em que muitas crianças passavam pela escola, permaneciam nela por um período de tempo, repetiam várias vezes e depois saíam sem concluir nada. “O problema agora, com as políticas de retenção da criança na escola, é que elas não estão aprendendo adequadamente. A escola precisa dispor de padrões mínimos que assegurem que a aprendizagem de determinados conteúdos em oito anos de estudo”, conta.
Na avaliação do professor, a falta de qualidade decorre de um “descompasso” entre o capital cultural dessas populações que passaram a permanecer na escola e o perfil de trabalho das instituições, que envolve cultura organizacional, a formação de professores e a idealização de um aluno que não existe mais, com pais alfabetizados, que tem acesso a determinados bens culturais e participam da educação dos filhos. “Em lugares mais pobres, a escola não pode contar com a família em atividades pedagógicas. Ainda que se esforcem para participar, muitos pais não estão intelectual e culturalmente preparados para a tarefa. Em geral, os bons profissionais de educação fogem de trabalhar nessas instituições, pois elas têm menos estrutura e exigem mais de professores e diretores. Isto é um ciclo vicioso que contribui para a iniqüidade do sistema”, afirma.
Para solucionar o problema, ele recomenda dois choques: um financeiro e outro de gestão. A melhoria da qualidade educacional, considerando as demandas – umas novas e outras represadas – nos diferentes níveis de ensino, implica investimentos em infra-estrutura, equipamentos básicos, remuneração de magistério, políticas de retenção de bons profissionais, formação inicial e continuada de professores, avaliação e novas propostas pedagógicas. Mas também pressupõe uma gestão capaz de eliminar as desigualdades regionais, enfrentando o desafio de levar às populações mais pobres as boas práticas educacionais já desenvolvidas no País.
Experiência do Instituto Ayrton Senna indica a importância das alianças intersetoriais

Para qualquer um dos choques propostos por Oliveira, as empresas tem muito a contribuir. E já estão fazendo a sua parte. Em 2003, o GIFE – Grupo de Instituições, Fundações e Empresas criou um guia para orientar os seus associados sobre como investir melhor em um projeto de educação. O documento prega o respeito à igualdade de direitos, à dignidade, á diversidade étnica e cultural, ao meio ambiente e outras formas de vida. E defende, como princípios, o preparo para o exercício da cidadania como meta do processo educativo, o trabalho pela redução das desigualdades sociais e pelo rompimento dos ciclos de pobreza. Entre as recomendações práticas, enfatiza a qualidade das ações, a atuação em parcerias intersetoriais e a aproximação com os órgãos públicos visando influenciar a elaboração de políticas públicas.
Referência internacional – em 2005 recebeu uma cátedra de Educação da Unesco –, o (IAS) Instituto Ayrton Senna tem cumprido á risca as três recomendações do GIFE. Com foco no ensino fundamental, tido não apenas como o “gargalo da rede pública” mas o que produz maior impacto no futuro da criança, esta organização de terceiro setor trabalha para diminuir o analfabetismo funcional, a evasão e o alto índice de defasagem entre idade e série. Seus projetos já se transformaram em política pública em cinco estados brasileiros. Elaborados na forma de soluções de fácil replicação, e obedecendo a uma lógica empresarial, eles ocorrem normalmente no âmbito dos municípios mas podem ganhar escala maior. “O que falta, ás vezes, é vontade política, já que nossos programas envolvem os três setores. Cada um precisa ter muita clareza sobre o seu papel. E fazer bem o que sabe melhor. Nenhum substitui o outro nem é seu concorrente. O papel da empresa é assegurar uma boa gestão, focar em resultados, buscar efetividade e garantir uma adequada relação de custo-benefício. O do terceiro setor é atuar na transformação dos paradigmas educacionais. O do primeiro setor é promover a articulação dos municípios e preservar o maior alcance social possível das soluções trabalhadas”, diz Margareth Goldenberg, diretora-executiva do IAS, cujas ações já beneficiaram cinco milhões de crianças no país.
A experiência do instituto mostra que um trabalho com bons resultados sempre desperta a curiosidade nos estados e municípios. A comparação estabelece uma espécie de concorrência saudável: um município não quer ter uma educação pior do que do que a de seu vizinho. Cria-se, deste modo, um ciclo virtuoso. O sucesso das ações bem-sucedidas do Instituto Ayrton Senna tem atraído também a parceria de empresas. Nos últimos onze anos, a organização captou R$ 130 milhões. Metade destes recursos originou-se de royalties de licenciamento das marcas de 300 produtos ligados ao nome Ayrton Senna. A outra metade foi obtida junto a empresas. “A educação é uma causa nacional importante. Há muitas empresas interessadas em se alinhar a ela”, garante Margareth.
Sete soluções para a educação brasileira

1 – Investir mais (8% do PIB em vez dos 4,3% atuais) e distribuir melhor os recursos entre as regiões e escolas
2- Criar políticas de longo prazo que não sejam descontinuadas a cada mudança de governo
3- Capacitar permanentemente e avaliar o desempenho dos professores
4- Melhorar a base do aprendizado com um ensino fundamental universal e bem aplicado para evitar a evasão, fortalecer o nível médio e democratizar a universidade
5 – Envolver os pais e a comunidade na gestão da escola pública.
6 – Melhorar a infra-estrutura e adequar os espaços escolares à aprendizagem
7- Adequar a proposta pedagógica e os métodos ao aluno da era digital
Fonte: Folha Trainee (Agosto de 2005)
Opinião de 24 especialistas.
Pensamento de Langoni redivivo

O economista Carlos Langoni foi o primeiro pensador brasileiro a destacar a relação entre a desigualdade da renda e os problemas de educação. Á época, trinta e dois anos atrás, sua tese enfrentou severas críticas. Muitos a consideraram equivocada. O tempo, no entanto, comprovou a força dos seus argumentos: hoje há um consenso em torno da idéia de que a escola é um fator determinante para a pobreza e também para o crescimento de um País. O tema não gera mais polêmica.
Seu livro Distribuição da renda e desenvolvimento econômico do Brasil transformou-se, por tabela, em um clássico sobre a desigualdade social. Bíblia dos pesquisadores da área, graças, sobretudo, ao seu rigor científico e à atualidade de seus pressupostos, a obra de 1973 foi relançada há pouco mais de um mês, pela editora Fundação Getúlio Vargas (RJ).
Para justificar sua tese, o guru dos economistas sociais do País defende que a desigualdade iniciada a partir dos anos 60 decorreu, na verdade, da baixa oferta de mão de obra qualificada versus um aumento exponencial do crescimento motivado pelo milagre econômico. A educação teve peso relevante nesse processo. Os poucos muito bem qualificados, com maior nível de escolaridade, passaram a receber remunerações elevadas contra uma massa, de baixa escolaridade, que teve de se contentar com os salários menores. Entre uma e outra ponta, criou-se um fosso desconfortável cuja profundidade aumentou nas últimas três décadas.
Estudo recente do IBGE identificou uma ligeira diminuição na desigualdade brasileira. Mas o abismo continua grande. E como já pregava Langoni há trinta anos, tese ainda válida, ele só será reduzido com educação melhor e para todos. O cenário é diferente do que se observava nos anos 60: a economia cresce hoje em ritmo mais lento e o sistema educacional incluiu mais crianças e jovens. A má qualidade educacional, no entanto, constitui uma variável importante.
Para especialistas, desigualdade social é produto de desigualdade educacional

Para o economista Ricardo Paes de Barros, do IPEA, a educação contribui relativamente mais que outros fatores para explicar a desigualdade de renda no Brasil. Logo, tem um papel relevante no debate sobre desenvolvimento econômico.
Durante o seminário Distribuição de renda na América Latina, promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, em agosto de 2005, Paes de Barros apresentou uma análise interessante sobre as “raízes” da desigualdade social no País, na qual relacionou educação e desenvolvimento.
Em sua opinião, o crescimento econômico sem redução de desigualdade não terá impacto efetivo no combate á pobreza. Ainda segundo o economista, cerca de 60% da desigualdade total de renda das famílias brasileiras decorre da desigualdade em remuneração dos trabalhadores ocupados, que por sua vez, é consequência de dois fatores: a desigualdade educacional e a forma como o mercado de trabalho a “traduz” em desigualdade de renda.
“A relação entre remuneração e educação resulta de uma corrida entre o progresso tecnológico e o sistema educacional”, afirmou Paes de Barros. Se o progresso vence, as diferenças salariais entre os níveis educacionais abrem distância. Se o sistema educacional chega antes, as diferenças salariais diminuem.
A avaliação do economista é a mesma de outros estudiosos do tema: a dificuldade em reduzir as desigualdades advém do fato de que o progresso está vencendo o sistema educacional. “Historicamente, o sistema educacional brasileiro tem se expandido menos do que outros países latino-americanos. Esta expansão tem sido também mais lenta do que seria necessário para evitar a ampliação das desigualdades por parte do mercado de trabalho”, explicou.
O também economista Naércio Aquino Menezes Filho, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo, partilha da mesma opinião. Pesquisador do tema, ele acha que a expansão educacional verificada a partir de 1988 foi muito tímida especialmente se comparada com processos similares ocorridos em outros países com estágio de desenvolvimento mais atrasado do que o Brasil. Segundo Menezes, a timidez se deve em parte à diminuição da transição do ensino médio para o superior nas últimas décadas, e em parte pela evasão escolar entre os mais pobres, que abandonaram o sistema antes de concluir o ensino fundamental.
Especialista no estudo dos retornos econômicos da educação em termos salariais, Menezes afirma que no Brasil os índices estão entre os mais altos do mundo. No entanto, eles vêm diminuindo ao longo do tempo “devido ao próprio processo de expansão educacional que, ao aumentar a oferta relativa de pessoas com ensino fundamental e médio, reduziu a diferença salarial entre estas pessoas e aquelas com nenhuma ou baixa qualificação”, escreveu em artigo intitulado A evolução da educação no Brasil e o seu impacto no mercado de trabalho.
Para acelerar a expansão, em um ritmo mais compatível com as nossas necessidades, e reduzir as desigualdades educacionais, Paes de Barros, do IPEA recomenda criar mais oportunidades prioritariamente para as populações pobres. Em sua avaliação, a capacidade de se beneficiar dessas oportunidades deve depender o menos possível do ambiente familiar, nem sempre preparado. Com base em análises de natureza econômica, Paes de Barros mostrou o impacto de um ano de pré-escola na vida profissional futura do indivíduo: “Eleva permanentemente a remuneração do trabalhador em 5%, amplia sua escolaridade final em 0,6 ano de estudo e reduz o tempo necessário para completar uma série”. Para esses benefícios, importantes na diminuição de desigualdade, a pré-escola custa anualmente por indivíduo R$ 1,5 mil.

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