Especial – A contradição de regular o livre mercado – parte 2

Especial – A contradição de regular o livre mercado – parte 2

Economia de baixo carbono
Com a deflagração da crise financeira, também ficou evidente a correlação entre os problemas de ordem econômica, ambiental e social, todos decorrentes de uma lógica de crescimento ilimitado do livre mercado. Por causa disso, tem ganhado corpo a discussão de estratégias que combinam o combate ao aquecimento global, a geração de empregos e a consequente recuperação da economia por meio do estímulo ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. Não por acaso, o tema foi objeto de discussão de reunião do G-20 (o grupo dos 20 principais países industrializados e emergentes)
Apesar de haver um consenso cada vez maior, entre líderes de governos, empresas e organizações da sociedade civil, de que o momento é oportuno para revisar as bases do modelo atual de progresso e consumo, projetos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias mais limpas demandam altos investimentos. E em tempos de crise, a primeira reação de muitas empresas têm sido congelar ou cortar investimentos de médio e longo-prazo à espera de uma recuperação da economia.
Mais uma vez, a presença do Estado se faz necessária como indutor de padrões de sustentabilidade mais rígidos no mercado. Segundo Jim Garrison, presidente do State of The World Fórum, organização internacional que articula lideranças mundiais pelo desenvolvimento sustentável, é papel do governo estabelecer políticas que garantam maior segurança ao investimento por parte das empresas. “Se o governo assume um compromisso claro de tornar a economia sustentável dentro de 10 anos, reforma a estrutura de taxas e impõe regras, a sociedade e o setor privado acabam participando mais. Sem uma política governamental clara, a atual situação prevalecerá e a catástrofe será o resultado”, alerta Garrison.
Os recentes anúncios do presidente dos Estados Unidos Barack Obama e do primeiro-ministro da Inglaterra Gordon Brown sobre a criação de milhões de empregos no setor verde constituem bons exemplos desse novo perfil de atuação estatal. “O que esses chefes-de-estado querem dizer com o anúncio da criação de empregos no setor de energias renováveis é que o crescimento econômico e o uso responsável das energias e recursos naturais não são contraditórios. É um sinal importante para a economia global”, afirma Martin Lees, secretário-geral do Clube de Roma.
O especialista defende ainda que o Estado deve desempenhar um papel importante de mobilização da sociedade na transição para uma economia sustentável. “Para combater questões complexas como o aquecimento global precisamos agir em diferentes níveis: local, regional e globalmente. Precisamos de um engajamento, no qual todos os atores participem. E os governos, na sua posição, são os agentes que mais têm condições de articular esse acordo.”, defende Lees.
Necessidade de cooperação
Apesar de desempenhar papel central na indução de novos padrões desenvolvimento, a efetiva transição para uma economia de baixo carbono só se dará com o engajamento de toda a sociedade. Sendo assim, especialistas defendem a importância de discutir aspectos intersetoriais relacionados à regulação. “Faltam lideranças de empresas, governo e de indivíduos. A regulação não se faz sem uma liderança muito forte e fácil de identificar. Há um vazio que precisa ser preenchido rapidamente para gerar processos e garantir a continuidade deles”, ressalta Feldman.
Segundo Echegaray, da Market Analysis, o Brasil vive hoje um dilema na medida em que as grandes empresas comprometidas, de fato, com a questão socioambiental representam um minoria. “Dificilmente se sai da mesma dimensão de dois ou três exemplos. Com certeza precisamos diversificar esse cenário”, avalia.
Para Hohnen, da Ethical Corporation, os governos não conseguiriam criar diretrizes regulatórias sem a ajuda dos negócios, principalmente visando o diálogo necessário para a concepção do chamado “acordo verde.” “Esse é um conceito que diz respeito basicamente a que governos estimulem a recuperação financeira, particularmente dos setores mais sustentáveis da economia, como os de energia limpa e infra-estrutura mais eficientes, que terão benefícios triplos: vão reduzir a poluição, aumentar os empregos e encorajar novas indústrias”, propõe.
O temor do protecionismo
As opiniões dos entrevistados de Idéia Socioambiental se dividem quando o assunto é o risco de protecionismo devido a uma interferência mais forte por parte do governo. Para Feldman, escorregões protecionistas estariam na contramão da história. “Seria um tiro no pé. O mundo deve tomar cuidado com a tentação do protecionismo em tempos de crise, pois no médio prazo esta é uma medida prejudicial a todos”, avalia.
Hohnen, por sua vez, reconhece que existe o risco e acredita que os governos precisam ser ativos, no cenário internacional, para resistir ao protecionismo multilateral, e mais ativos ainda em seus próprios limites. “É interesse nacional de todos os países diversificarem suas economias. Uma nação não pode ser sustentável dependendo de um determinado setor. Algum nível de protecionismo será necessário para assegurar uma economia mais balanceada, mas esse é um assunto que precisa de mais discussão internacional”, ressalta.
Na opinião dos entrevistados, a relação entre governo e empresas será fundamental nesse processo. Responder às necessidades sociais e tomar atitudes que contemplem a sociedade como um todo serão fatores indispensáveis para os negócios. Como, em uma economia globallizada, os problemas mundiais atingem todos os países numa rede integrada, estado, negócios e sociedades só conseguirão se sustentar com apoio mútuo. “É necessária uma mudança na natureza da relação entre os dois setores. As corporações estão acostumadas a manterem uma relação muito assistencialista e paternalista com o Estado. Isso é um equívoco”, conta Feldman.
Para Echegaray, os dois polos devem estabelecer diálogo e chegar a um acordo comum. “O governo não pode acreditar que sozinho vai entender o que as empresas deveriam fazer, pois corre o risco de não compreender o tipo de programa empresarial que merece, por exemplo, receber estímulos. É preciso um novo arranjo em que as duas partes saibam exatamente o que podem implementar em comum acordo”.
Na opinião de Hohnen, nos últimos anos, o contrato dos negócios em relação a sociedade foi prover bens, empregos e crescimento econômico em troca de um respaldo governamental. Porém, no cenário contemporâneo, tal acordo acabou destruído pelo próprio setor privado. “O crescimento terminou. E junto foram embora as casas de muitas pessoas, pensões e empregos. Não é, portanto, nenhuma surpresa que as pessoas e os negócios esperem a salvação vinda do governo. O Estado é responsável por assegurar esses mercados e não o fez – pelo menos nos EUA e também e em outros países. Então agora deve fazer o serviço”, avalia.
Ainda segundo Hohnen, é importante tomar cuidado com regulamentações mal planejadas. Elas podem resultar –crê– em situações caóticas para o mercado. “A estratégia-chave é encontrar um balanço que minimize acidentes e maximize as pessoas, gerando bens e serviços essenciais. A questão não é se as regulações devem realmente ser mais fortes ou mais fracas, e sim mais ou menos efetivas”.

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