Especial – A contradição de regular o livre mercado – parte 1

Especial – A contradição de regular o livre mercado – parte 1

Entre a mão invisível do mercado e as mãos de ferro do governo. Qual o caminho para equilibrar instrumentos regulatórios e de mercado, conduzindo a sociedade a padrões sustentáveis de desenvolvimento
Desde a crise do subprime e o consequente colapso do sistema financeiro global, discussões sobre o papel do Estado na imposição de diretrizes ao mercado têm dividido opiniões em todo o mundo. A pauta – a princípio restrita a reuniões de cúpula de governos, empresas e analistas – ganha cada vez mais espaço nos diferentes setores da sociedade à medida que a crise afeta a economia real.
Estudo conduzido pela Market Analysis, empresa de pesquisa de mercados nacionais e latino-americanos, lançou luz sobre essa questão no início de 2009. O levantamento realizado no âmbito das pesquisas Monitor de Responsabilidade Social Empresarial e Barômetro Ambiental indica que a sociedade em geral passou a apoiar mais fortemente a intervenção do governo no mercado, mesmo com as possíveis consequências dessa postura, como, por exemplo, preços mais altos e menos empregos.
Segundo Fabián Echegaray, cientista político e diretor da Market Analysis, observa-se, de maneira geral, uma alta expectativa em relação ao Estado quanto a benefícios políticos. “Essa expectativa representa uma visão de poder e autoridade para que o Estado intervenha ou faça uso desse apoio para atender as expectativas da sociedade, o que significa a cobrança por um papel de proteção e respeito”, ressalta.
A pesquisa também buscou identificar a opinião dos consumidores a respeito das ações socioambientais das empresas – se são positivas ou negativas. Para tanto, lançou mão de um questionário com perguntas abertas, visando extrair opiniões e não respostas prontas.
Os resultados evidenciaram uma correlação inversa entre o apoio à intervenção do governo e a percepção do desempenho geral das grandes empresas: quanto maior a adesão a uma pressão regulatória, pior a impressão quanto ao desempenho das corporações, e vice-versa. Em comparação ao estudo anterior da Market Analysis, a avaliação positiva do desempenho das empresas caiu para 59,4%, (ante 61% do ano anterior) enquanto foi registrado um forte crescimento no desejo de intervencionismo por parte de 57.7% (ante 51% do ano anterior) dos entrevistados – uma queda, portanto na confiança auto-reguladora das companhias.
Ainda segundo a pesquisa, o apoio à regulação se mostrou mais forte no Nordeste do que no restante do país. Nessa região, chegou a 68% enquanto o menor apoio ocorreu entre as cidades do Centro-Oeste (39%). Os mais jovens são também os que mais se identificam com essa posição ( 55%). Já os mais velhos filiam-se entre os mais céticos (40% aderem à ideia).
De acordo com o levantamento do Monitor de RSE e o Barômetro Ambiental, os brasileiros têm uma relação mais forte com o governo do que com as empresas. “Independentemente do estilo de governo que esteja no poder, o que se vê hoje no País é a confiança no Estado mais forte do que nas empresas e muito mais relevante do que a confiança em outras instituições”, afirma Echegaray.
Para o consultor Fábio Feldman, esse comportamento mais cético do brasileiro não é um fenômeno pontual. “O setor empresarial está numa situação muito difícil com a crise. Mas, no Brasil, realmente há uma desconfiança muitas vezes sem motivo em relação às corporações”, avalia.
Intervencionismo saudável
Desde a década de 80, quando tornaram-se notórias as políticas liberalistas de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, então presidente dos Estados Unidos e primeira-ministra da Inglaterra, o papel dos governos vem sendo desacreditado na defesa da capacidade reguladora do livre mercado. O colapso financeiro recente mostrou, no entanto, que não é possível, nem para o Estado nem para o setor privado, agir de forma independente.
De acordo com Paul Hohnen, consultor de sustentabilidade e articulista da revista Ethical Corporation, se o setor público não interviesse para dar suporte ao mercado financeiro, o nível de incerteza seria muito maior e mais companhias teriam falido. “Pode-se argumentar que a maior parte do problema não teria ocorrido se os governos tivessem monitorado a situação mais de perto e regulado melhor os riscos. A injeção do aumento de liquidez aumentará o debate público no longo prazo, mas tem sido essencial para prevenir uma recessão mais rápida e profunda”, afirma.
Para Hohnen, no entanto, o medo da recessão ainda pode de tornar real devido à complexidade e à incerteza que permeiam a economia global interconectada. “Esforços coordenados serão essenciais para proteger o melhor da globalização, enquanto reinam seus aspectos negativos. Regras de comércio mundial e regulamentação estão entre os fatores que fazem parte dessa reforma”, constata.
Ainda que a retomada do controle estatal se imponha como forte tendência, muito analistas se perguntam, com razão, em que medida o Estado deve regulamentar os mercados?
Feldman defende intervenções pontuais dos governos na economia. “No caso dos EUA, a situação do sistema financeiro e fraudes como a de Bernard Madoff e AIG representaram uma omissão total do papel fiscalizador do Estado. A crise está legitimando a intervenção estatal, mas avalio isso como algo estratégico. No campo da concentração econômica e do abuso de poder econômico, certamente deve haver uma legislação. Não existe outro caminho”, argumenta Feldman.
Apesar de concordar com a importância de ter governos mais fortes e participativos na economia, Echegaray ressalta que uma intervenção vigorosa não representa garantia de maior justiça social. “O problema é que quando o Estado intervém não está livre de lobbies e de interesses particulares”, diz.
Na mesma linha, Feldman apóia uma intervenção estratégica de caráter operacional e incentivador, pois avalia que não seria viável impor uma regulamentação mais rígida enquanto o Estado não tiver capacidade para monitorar e fiscalizar o mercado. “Defendo o estímulo às boas práticas, boas condutas. Produtos e serviços certificados mereceriam um tratamento jurídico e tributário diferenciado, dando vez à chamada licitação sustentável”, propõe.

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