Entrevistas – Um sustentável – e possível – mundo novo

Entrevistas – Um sustentável – e possível – mundo novo

Ainda garoto, aos 11 anos, o  sociólogo  britânico John Elkington  movimentou seus colegas de escola para captar recursos para a então recém criada WWF (conhecida como Fundo Mundial para a Natureza). A iniciativa já projetava a imagem da autoridade que ele se tornaria anos mais tarde e que fez dele referência mundial na defesa de um mundo sustentável. Nos anos1980,  Elkington formulou o conceito de consumo verde,  detalhado no Guia do Consumidor Verde,  que virou o best seller da década. Além desse, escreveu outros dezesseis livros.
Em 1987 fundou a SustainAbility, uma consultoria para auxiliar empresas de todo o planeta a produzir com responsabilidade social.  A atuação da SustainAbility nos últimos 20 anos reflete a trajetória  desse homem que assistiu às principais mudanças político-econômicas da segunda metade do século 20 e contribuiu para o nascimento do conceito que promete mudar a realidade não só corporativa, mas global. Em entrevista à repórter Carmem Guerreiro, o criador do conhecido triple bottom line traça um panorama geral da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) no mundo e discute as principais preocupações atuais relacionada ao tema.
Idéia Socioambiental – Como observador privilegiado, em quais países o senhor vê evolução entre o pensamento  e a  prática da RSE?

John Elkington –
A Escandinávia tornou-se liderança nessa área, ainda que tenha existido, por um longo período, uma ênfase na legislação, enquanto a União Européia se concentrou  em iniciativas voluntárias  e empresas de países como a Suécia, por exemplo,  sentiram a necessidade de se atualizar. Têm-se discutido muito sobre RSE na União Européia  e, pelo menos em algumas áreas – como as que incluem relatórios de sustentabilidade (ou não-financeiros) corporativos e regulamentação – a região está em uma espécie de posição de liderança. Vimos novas leis serem criadas, como o sistema REACH [Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals] para testes químicos,  e a diretiva WEEE (Waste Electrical and Electronic Equipment),  que define o descarte e controle dos equipamentos elétricos e eletrônicos usados.  Outras áreas nas quais as empresas da União Européia, especificamente aquelas sediadas no Noroeste Europeu, estão razoavelmente avançadas, são as de produtos orgânicos e comércio justo.
No Japão, empresas líderes são boas em eficiência energética e questões ambientais. Nos Estados Unidos, vemos grandes companhias estabelecendo metas ambiciosas em termos de sustentabilidade ambiental, notadamente, a General Eletric, com sua iniciativa “Ecomagination”, e o Wal-Mart, com seus planos de parar de estocar bulbos de lâmpadas incandescentes e instalar energia solar em centenas de telhados de lojas. Alguns estados  americanos – particularmente a Califórnia – vêm crescendo como líderes nessas áreas, com soluções regionais de transporte de baixa emissão.
Entre as economias emergentes, observamos empresas particulares fazendo um bom trabalho, a exemplo da  Natura, no Brasil, e da Infosys, na Índia. Mas, tipicamente, países como esses ainda têm muito a fazer. As empresas chinesas têm sido manchetes recentemente por causa de suas atitudes desleixadas envolvendo propina e corrupção.
IS – Quais dos grandes temas de RSE estão sendo mais discutidos atualmente?

JE –
As mudanças climáticas são a grande questão na Europa e, cada vez mais, nos Estados Unidos, apesar de a administração Bush tentar  ignorar o desafio. Mas uma gama propina e corrupção – vem sendo introduzidas, nos últimos anos, na agenda do Fórum Econômico Mundial e da Clinton Global Initiative.
IS – Quais desses  temas evoluíram mais nos últimos anos?

JE –
Na área ambiental, as mudanças climáticas fizeram mais sucesso do que os temas relativos à  biodiversidade, por exemplo, ainda que ambas as questões sejam de igual importância. Na área social, a agenda dos direitos humanos evoluiu dramaticamente, de forma que questões como acesso à energia a baixos custos, água limpa e medicamentos para doenças como HIV/AIDS, malária e tuberculose são, cada vez mais, apresentadas a empresas como direitos humanos básicos. As implicações para os modelos de negócio – e de lucratividade – de muitas dessas empresas são profundas.
IS – Como o senhor vê o debate sobre RSE no Brasil? Quais são os destaques?

JE –
Fiquei muito impressionado com a  rapidez com que  alguns líderes executivos brasileiros se sensibilizaram para um mínimo dessas questões, mas também pela escala vertical dos desafios econômicos, sociais e ambientais que o país enfrenta. Para mim, e talvez isso não surpreenda, um destaque são as conferências do Instituto Ethos, que têm um público extraordinário. Chamou-me a atenção o fato de  uma grande parcela desse público ser formado por mulheres jovens. Isso é muito empolgante,  uma vez que nossa experiência com o SustainAbility  mostra que as mulheres jovens são mais abertas para  o mundo, têm mais energia e compromisso;    mas também pode nos revelar algo sobre como as empresas estão posicionando a RSE em seus negócios e quem estão contratando para trabalhar com isso.
IS – Durante a conferência do Ethos, em junho, foi apontada a importância de existirem líderes sustentáveis. O que é necessário para ter um líder responsável?

JE –
Líderes bem sucedidos sempre foram socialmente responsáveis. A real questão tem sido como eles definem o grupo, comunidade ou sociedade pela qual se sentem responsáveis. E até que ponto existiu um real equilíbrio entre líderes e liderados. Com a globalização, líderes estão sendo demandados a assumir responsabilidade por um quadro muito mais amplo de stakeholders pelo mundo inteiro. Com desenvolvimento sustentável, eles também estão sendo cobrados a aceitar um crescente nível de responsabilidade em relação às futuras gerações.
IS – O conceito de triple bottom line foi absorvido radicalmente pelo discurso das empresas brasileiras, porém,  ainda são poucas as que de fato o aplicam  na prática. Quais são os desafios e fatos que dificultam  a implementação desse conceito?

JE –
Seres humanos são animais de rebanho. A maioria de nós se sente vulnerável ao se distanciar muito do resto do grupo. Se uma nova linguagem surge, e pessoas interessantes e líderes começam a usá-la, então nós começamos a usá-la também. Mas o salto entre falar sobre novas coisas e agir sobre elas sempre foi muito grande, particularmente quando existem grandes incertezas, escolhas e trocas envolvidas. Isso dito, não me preocupo muito com a questão. As pessoas devem conversar sobre o processo assim como pensam sobre o mesmo, e ambos são quase sempre precursores necessários para ações efetivas e bem estruturadas.
IS – Qual é o contexto da sustentabilidade na história das empresas?

JE –
O fato é que muito poucas empresas duram mais de 40 anos, e, na minha parte do mundo, o Reino Unido, nove em cada dez começam a falhar na primeira década da operação. Então, quando falamos sobre soluções de mercado sustentáveis, estamos discutindo a estrutura que permite que os mercados atinjam os resultados certos, e não sobre como assegurar que empresas individualmente vivam durante cem anos ou mais. É claro que, se você é o dono ou o presidente da empresa, você pode focar nos dois objetivos.
IS – Quais são os passos que uma empresa deve seguir para passar da teoria para a prática?

JE –
Alguns passos mínimos são realizar uma revisão ou auditoria das questões-chave, iniciar o relacionamento com stakeholders tanto internos quando externos, construir os processos de pensamento necessários para trabalho para os altos executivos, e fazer lobby para as mudanças necessárias em incentivos para o mercado (tanto recompensas quando penalidades), para garantir, em termos mais simples, que mais coisas boas – e menos coisas ruins – aconteçam.
IS – Quais são os principais projetos e focos da SustainAbility hoje?

JE –
Nossa  terceira e atual geração  trabalha com um número de dimensões inter-relacionadas, a começar por uma atenção mais profunda aos setores-chave com uma sustentabilidade crítica. Também atuamos nos links entre trabalho, modelos de negócio e estilos de liderança de empresários sociais e ambientais. Assim, focamos em dar um “empurrão” contínuo e acelerado em países de economias emergentes específicas, expandindo nossa rede de atuação, com esperança de estabelecer nosso primeiro escritório na Índia, em 2008. Além disso, a SustainAbility se esforça também no sentido  da promoção privada e capital de empreendimento, fontes (ou canais) de finanças, necessárias para dirigir processos de destruição criativa que o capitalismo global precisará sofrer para ter qualquer chance de tornar-se sustentável.
Estamos intensificando conversas com personagens fundamentais, conforme modelamos nosso pensamento e planos nessa área. Depois de 20 anos de crescimento resistente (nos quais preferimos aumentar nossa influência mais que  nossos números), o time da SustainAbility  está hoje comprometido com uma estratégia inovadora que nos levará a uma gama crescente de setores-chave dentro de economias emergentes, cujas ambições e ações vão  tão poderosamente moldar nosso futuro coletivo, e dentro dos mundos rápidos de empreendimento em fundos e soluções empresariais.
IS – Quais são as tendências em RSE para s próximos anos?

JE –
Os mercados e as políticas do século 21 serão definidos pela interação entre os diferentes aspectos da globalização e uma agenda de sustentabilidade em evolução. Este relatório (qual??) analisa as principais tendências da globalização para as próximas duas décadas e suas implicações para a responsabilidade social empresarial e a agenda de desenvolvimento sustentável.
O mundo globalizado de hoje tem características singulares: mercados financeiros globais interconectados, urbanização sem precedentes, crescentes disparidades e conflitos potencialmente explosivos entre ricos e pobres, desafios para a diversidade em suas formas biológica, ecológica, humana e social; insegurança climática e ambiental;  vácuos de governança e uma bem-vinda inquietação: a proliferação de redes dedicadas a regenerar o meio ambiente e promover justiça social. Novos atores estão avançando no campo da globalização. A China e a Índia, com suas impressionantes taxas de crescimento, estão impactando os mercados de commodities e o comércio internacional, enquanto promovem novas relações comerciais Sul–Sul no cenário global. Outras economias emergentes, como o Brasil e a África do Sul, começam a desempenhar papéis regionais e globais cada vez mais importantes.
Na medida em que sua influência econômica cresce, países em desenvolvimento também tentam mudar as regras da globalização a seu favor. O crescimento econômico tem graves conseqüências para a sustentabilidade. Juntos, a China, a Índia, o Brasil e a Rússia respondem por 30% das emissões globais de CO2. Embora as oportunidades floresçam, agravam-se os conflitos relacionados à demografia, riqueza, gênero, nutrição, saúde, recursos ambientais, educação, informações, segurança e governança.
IS – Como está o desenvolvimento da RSE nos países nos quais o senhor está trabalhando?

JE –
Nos últimos 35 anos, trabalhei  em muitos países. Entre eles, os da União Européia,   onde a  agenda de RSE está melhor desenvolvida nos estados-membros do Norte Europeu. Na América do Norte, trabalhei mais ou menos continuamente nos Estados Unidos e freqüentemente no Canadá. Dos dois, o Canadá é o mais consistente em termos de apoio ao desenvolvimento sustentável, mas os Estados Unidos têm períodos de atividade intensa, seguido de períodos nos quais os  regimes Republicanos tentam destruir tudo o que já foi alcançado. Atualmente, acredito que alguns governos estaduais e algumas empresas estão, como já mencionei anteriormente, realizando ações espetaculares, o que os coloca à frente de muitos países que são bons no discurso sobre as questões.
Na Ásia, trabalhei na China, Índia, Japão, Malásia e Tailândia. O Japão é, de longe, o mais avançado, pelo menos em termos de eficiência energética e design ambiental. Na América Latina, só trabalhei no Brasil, ainda que a equipe da SustainAbility tenha atuado em outros países da região, do Chile ao México. Aqui,  fiquei impressionado com o nível de entendimento – e entusiasmo – sobre questões de RSE.
A maioria das empresas brasileiras, porém, ainda tem um caminho considerável para trilhar antes de atingir qualquer coisa que se assemelhe a padrões globais. Na África, trabalhei no Egito, Quênia, Nigéria, África do Sul e Zimbábue. Na maioria desses países, o trabalho em torno da  responsabilidade social mal começou. A exceção é a África do Sul, que tem sido, desde o tempo de Mandela, a história de sucesso africano em termos de RSE, pelo menos no que se refere a questões como dar mais poder aos negros. A resistência do governo em reconhecer o problema do HIV/AIDS é um  caso típico de como não lidar com questões emergentes, ainda que a atuação de empresas como a mineradora Anglo-American, que oferece tratamento antiviral gratuito para funcionários e seus familiares, seja exemplar.
IS – Qual é a relação entre sustentabilidade e o desenvolvimento econômico de um país?

JE –
Um país pode se desenvolver por longo tempo baseado em negócios não-sustentáveis, levando minerais à exaustão, poluindo ou secando fontes de água, e minando recursos naturais como os peixes e as florestas. Mas, a não ser que o governo esteja preparado para forçar a redução da população local de forma  a controlar a destruição do meio ambiente, o resultado final será, de alguma maneira, o colapso. O desenvolvimento sustentável, em contraste, significa planejar e agir como se pretendêssemos continuar nesse planeta, e na nossa área particular dentro deste. E em um mundo projetado para atingir de nove a dez bilhões de pessoas até meados deste  século, algo que eu não espero que aconteça por outras razões, também significa melhorar radicalmente os sistemas políticos, sociais e econômicos – incluindo a tecnologia – para assegurar que padrões aceitáveis de vida possam ser atingidos não só conservando, mas também regenerando as fontes naturais.
IS – Qual é sua opinião sobre o Global Compact? O projeto está atingindo as metas desejadas?

JE –
Trabalhamos com a equipe do Global Compact em diversos projetos, e eu respeito muito o que eles estão tentando fazer. As Nações Unidas ainda têm uma grande autoridade internacional, apesar de seus contratempos. E isso ajuda. Mas, até recentemente, meu sentimento é que o Compact arriscou ser visto como “sem dente”, um pedaço de papel bacana para empresas balançarem enquanto seguem em frente com seus negócios, normalmente. A adição de um décimo elemento, sobre propina e corrupção, representou um real avanço, assim como a imposição de requerimentos de desempenho, sob a ameaça de expulsão para as empresas que  não os cumprirem. No nível da cidadania corporativa, acredito que o Compact faz um trabalho útil, mas em termos de construir uma massa crítica no que se refere a fundos e capacidade dos negócios de mudar (por exemplo, perante às Metas de Desenvolvimento do Milênio), ele mal começou.
IS – Algumas grandes corporações adotam normas bastante rígidas  em seus países de origem, mas não em outras nações onde possuem filiais, como o Brasil. Como a sociedade brasileira pode pressionar empresas para mudar essa atitude?
JE – Fazendo lobby junto a políticos e órgãos governamentais para agir. Construindo bancos de dados comparativos de desempenho empresarial. Relacionando-se com ONGs, fundos de investimento socialmente responsáveis e outros que controlam a performance corporativa internacionalmente. Espalhando exemplos de melhores práticas em um mesmo setor e, desejavelmente, no mesmo país. E alimentando a mídia – tanto em casa quanto em outros lugares – com os fatos necessários para assegurar que a pressão pública influencie os negócios.
IS – É bem conhecido que práticas de RSE resultam em uma boa reputação e,consequentemente, em uma imagem positiva para a empresa. Existem estudos ou exemplos recentes que confirmem essa informação?
JE – Dois  exemplos recentes mais extraordinários de empresas com problema de reputação se beneficiando de alguma forma da RSE já foram mencionados: a General Electric, com sua iniciativa Ecomagination (www.ge.com/ecomagination), e o Wal-Mart, com suas tentativas de “ser verde”. No meu país, o Reino Unido, exemplos recentes incluíram a cadeia varejista de supermercados Marks & Spencer e se poderia até argumentar que a BP [empresa petrolífera britânica] teria tido problemas ainda maiores em decorrência dos seus problemas nos EUA (por exemplo, quando o duto no Alaska derramou,  e a explosão da refinaria em Texas City, que provocou  15 mortes) se não tivesse construído uma reputação tão forte em outras áreas.

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