Entrevistas – Tempo de esperança para o Terceiro Setor. É o que diz o mais importante analista mundial do tema (parte 2)

20 de março de 2007

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IS — E nos EUA? Qual é o cenário?
 
LS –– A situação é semelhante nos EUA. Existe um grande número de corporações que progrediram muito e de modo contínuo, ao longo dos anos. Construíram parcerias substanciais com instituições. Mas o mesmo tempo, as organizações sem fins-lucrativos estão lutando para sobreviver, como em outras partes do mundo. Realmente não é uma tarefa fácil para elas também.
IS—Gostaria que o sr. voltasse a analisar o papel do investimento social privado para a consolidação das atividades do Terceiro Setor. Que impacto está gerando ou pode gerar?
 
LS –– Ao analisar a experiência ao redor do mundo, afirmo que a filantropia privada nunca foi suficientemente forte a ponto de suportar por inteiro um setor sem fins lucrativos vibrante e robusto. As organizações precisam encontrar outras fontes de recursos para realmente crescer e cumprir bem suas missões. Na Europa Ocidental, a fonte principal tem sido o setor público. Na Ásia e nos EUA, essencialmente o mercado. Mas raramente é filantropia. Nos EUA, apenas cerca de 20% da renda das organizações de Terceiro Setor provêm da filantropia. Em geral, essa é uma realidade comum na maioria dos países. Por isso, surge como tarefa fundamental impulsionar a filantropia privada. Só assim o setor sem fins lucrativos poderá atingir umcerto grau de independência. É bastante urgente que ela aumente. Nesse sentido, existem progressos positivos. Mas não acredito que isso signifique que podemos olhar para esse tipo de fonte como a maior contribuinte. É uma fonte importante e, como tal, precisa ser desenvolvida, tanto quanto a que provém do setor público.
IS — Com a eleição de diversos governante de esquerda na América Latina, a agenda social tornou-se o centro das atenções. Qual o papel do Terceiro Setor nesse novo contexto? E o das empresas?
 
LS –– Acredito que esses movimentos são, em parte, produto da globalização. Basicamente, estão colocando na agenda temáticas sociais que precisam ser debatidas. Mas se as soluções recomendadas são as mais corretas, aí é outra questão. O simples fato de ocuparem a agenda já é bastante positivo. E creio que parte dessa conquista deve ser creditada à atuação do terceiro setor. Uma conseqüência positiva foi energizar as pessoas do mundo corporativo e fazê-las entender seu papel decisivo em questões sociais. Funcionou como um despertador para muitas companhias. Acredito que tenha ajudado a dar apoio a indivíduos progressistas que estão em corporações, que vêm falando sobre isso há bastante tempo e promovendo, de fato, o engajamento corporativo. O Brasil, mais uma vez, tem sido o líder. As seguidas decepções com a política na América Latina serviram para firmar a posição de pessoas que clamavam por um sincero e forte comprometimento das corporações. Um grande número delas realizou esse processo. E já há exemplos indiscutíveis de que é possível conciliar a busca por lucros com investimento na comunidade e mudança social. As corporações precisam se ver como parte de suas comunidades. Precisam enxergar que o seu investimento gera benefícios sociais inestimáveis. O único risco é que movimentos radicais acabem gerando políticas danosas para o crescimento da economia. As composições entre as corporações, organizações do terceiro e governos, em torno de políticas sociais é, sem sombra de dúvida, um arranjo m moderno para construir soluções para os problemas sociais Vejo esse arranjo com grande esperança. E acredito que o governo no Brasil está em posição privilegiada, por que já se moveu nesse rumo e trabalha com modelos que certamente serão seguidos por outros países.
IS– E nos EUA e Europa? Qual é o cenário?
 
LS — Nos EUA, também existe um movimento para a esquerda. Existe um novo tipo de pensamento de esquerda que já compreendeu o terceiro setor como um parceiro importante do Estado. As velhas políticas de esquerda não reconheciam essa realidade. A França é um ótimo exemplo de transição. Antes dos anos 80, a esquerda basicamente ignorava o terceiro setor. A Revolução Francesa era bastante hostil às instituições sem fins lucrativos. Pensava-se na igreja como único exemplo de organização social e as grandes instituições privadas não possuíam qualquer tipo de controle democrático, sendo inclusive consideradas ilegais pelos governos. Elas só se tornaram legais em 1901. Existe uma longa história de antagonismo. O que aconteceu na França em 1980 foi, na verdade, uma transformação de certas partes da esquerda que culminou no governo Miterrand, em 1982. As políticas comuns passaram a ser bastante apoiadoras do terceiro setor. Acredito, portanto, que não é suficiente dizer que existe uma oposição simplista entre esquerda e direita. É importante entender de que esquerda estamos falando. É a esquerda que tomará a posição de que tudo deve ser feito pelo Estado ou aquela que vai em busca de parcerias e se aceita alianças com o terceiro setor e atores em potencial no empresariado?
IS—Muitos especialistas acham que avaliar economicamente projetos sociais é uma prática extremamente importante. Qual sua opinião a respeito da importância da mensuração de resultados e impactos das atividades de terceiro setor?
 
LS — É fundamental. Sem exagero, penso mesmo que seja a chave para o progresso do terceiro setor. Existem diversos níveis de avaliação. O nível básico a ser atingido é o da transparência e honestidade nas atividades e na gestão dos recursos. Mas existe um nível mais amplo, e difícil de ser atingido, que é o da efetividade de suas ações. O terceiro setor reclama, muitas vezes, que as suas organizações, graças á natureza de suas missões, têm dificuldade de avaliar resultados. Acredito que elas vão crescer quando reconhecerem que não basta apenas fazer o bem. É necessário dispor de ferramentas para demonstrar resultados e impactos. É preciso ter a capacidade de mostrar o que se está fazendo para a sociedade. Este deve ser um ponto central em qualquer modelo de gerência de organizações. Chamo isso de “show me attitude” (“Mostre-me a atitude”). Obviamente, existem grandes riscos ao executar esse lema, porque as coisas que são mais fáceis de serem medidas nem sempre são as mais importantes de serem feitas. Às vezes aparecem problemas, desafios, mas não há dúvidas de que o terceiro setor mostrar a sua performance de uma maneira periódica e transparente.
IS — As ferramentas para avaliar resultados evoluíram? São suficientes?
 
LS — Não evoluíram muito. Acredito que ainda seja um desafio grande e problemático. Os gestores têm múltiplas maneiras de medir resultados e as organizações de terceiro setor acabam gastando boa parte do tempo que poderiam dedicar às suas missões na elaboração de relatórios. O outro ponto a ser levantado é que não é desejo dos fundadores financiarem o desenvolvimento dos indicadores. Informação tem um custo, não é de graça. Isso deve ser reconhecido como um fato importante nesse contexto.
IS — Regra geral, os gestores de organizações de terceiro setor estão preparados para enfrentar os grandes desafios de legitimação, cooperação, efetividade e sustentabilidade?
 
LS — No treinamento, como em qualquer organização, deve-se começar compreendendo quem são os stakeholders e como eles se relacionam. Nas aulas que ministro, enfatizo que não estou dando um treinamento de gerência. Digo que é um “treinamento capacitador”. O treinamento de gerência é focado em torno do controle e essa é a parte complicada do conceito. Mas não é o ponto central para o terceiro setor. O essencial é dar uma característica de capacidade e habilidade. Possibilitar que as pessoas vejam claramente seu papel. O que o treinamento capacitador pretende é ensinar as pessoas como liderar a organização, como capacitar suas equipes e, principalmente, como cuidar de uma comunidade. Existem habilidades que podem ser aprendidas. E que são úteis para uma gestão mais adequada, como por exemplo, a de captação de recursos. A capacitação de gestores representa sim um problema. Ele existe, é importante e deve ser reconhecido e enfrentado cotidianamente pelos líderes do terceiro setor.
IS — Como o sr. analisa o panorama da legislação do terceiro setor ao redor do mundo? Existem avanços? Quais são as principais dificuldades?
 
LS — A estrutura legal é importante. Os últimos cinco anos mostraram um grande movimento de progresso nas estruturas legais do terceiro setor em todo o mundo. Sei que em muitos países, incluindo o Brasil, houve sim uma evolução incentivada por governos e organizações. Mas o terceiro setor ainda tem regras bastante restritivas. O principal movimento é a busca por uma legislação específica e não geral. Em outras partes do mundo, como na Rússia, por exemplo, há restrições muito mais sérias na legislação. Uma situação, hoje sob análise em todo mundo, é a existência de uma variedade de imposições legais tentando lidar com potenciais falhas na aplicação da legislação. Acredito que algumas dessas leis, além de excessivamente restritivas, exageram no controle e engessam o setor mais do que ajudam. O terceiro setor possui iniciativas e ferramentas auto-regulatórias que são benéficas para o seu funcionamento adequado e que deveriam ser incentivadas.
IS – O sr. é apontado como o criador do termo terceiro setor. Isso é verdade?
 
LS –– Não, o termo não é de minha autoria. Posso até receber o crédito por alguns termos, como por exemplo, “partidos de Terceiro Setor”, que é diferente do conceito “terceiro setor”. A minha idéia é que cada vez mais o setor público, ao redor do mundo, está virando uma variedade de “partidos de Terceiro Setor”, com funções especiais. As organizações sem fins lucrativos representam um desses partidos. Mas considero o fenômeno como algo muito mais geral e isso foi, repito, no começo um fenômeno que provocou meu interesse pelo Terceiro Setor em meu país, nos anos 60. Sua rápida expansão em várias formas de apoio ao Terceiro Setor. Essa era a característica principal do desenvolvimento do setor público nos EUA. Um enorme crescimento de apoio governamental ao Terceiro Setor, e um crescimento do setor. Aquele fenômeno todo foi deixado de lado pela maioria das pessoas que escreviam os discutiam políticas públicas.
IS – Nesse momento, o sr. está estudando o investimento social privado na América latina. E o Brasil é um dos objetos do seu estudo. De que trata essa pesquisa?
 
LS –– Fui convidado pela Fundação Interamericana para escrever um relatório interpretativo sobre o fenômeno de engajamento corporativo social na América Latina. A idéia é estudar as formas que esse movimento que está tomando e como ele deve ser interpretado em uma perspectiva mais ampla de desenvolvimento do terceiro setor e da sociedade civil da região. O foco da análise está centrado em México, Colômbia, Brasil, Argentina e Chile. Recrutei alguns colegas meus para me auxiliarem com as pesquisas em cada um desses países e, ao mesmo tempo, estou fazendo pessoalmente meu trabalho de campo.
IS– O que já foi possível observar?
 
LS — Existe um volume enorme de inovação social acontecendo no Brasil e na América Latina. Os países que citei estão sintonizados com esse processo cujo objetivo é criar formas inventivas para mobilizar energia e recursos no combate de problemas sociais. Após muitas tensões sociais, há sinais positivos evidentes de real inovação. Acredito que seja o produto de tudo que estava sendo feito antes do estabelecimento do terceiro setor, durante o reconhecimento de sua presença e papel. Mas acredito que vá além disso. Governso e empresas começam a ter papel decisivo. O progresso não é tão rápido como eu gostaria que fosse, mas observo elementos bastante interessantes surgindo. Acredito que este seja um tempo de esperança.

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