Entrevistas – Por uma sociedade global sustentável

Entrevistas – Por uma sociedade global sustentável

Precursor da promoção das práticas corporativas responsáveis, Robert Dunn fala sobre a evolução do papel do Estado, das empresas e organizações da sociedade civil e os desafios para reunir esses três setores em torno da idéia da sustentabilidade

Gestos comedidos, um olhar compenetrado e uma fala serena fazem contraponto ao espírito inquieto de um dos precursores do movimento da responsabilidade social empresarial no mundo. A história de Robert Dunn se confunde com a da própria evolução desse conceito nas empresas, governos e sociedade civil, setores que ele conhece de perto graças a anos de trabalho dedicados a cada um dos segmentos. Uma somatória de experiências tão distintas como a de conselheiro da Casa Branca, professor universitário e vice-presidente de uma das maiores fabricantes de jeans do mundo motivou Dunn a fundar, em 1992, a (BSR) Business Social Responsibility. A idéia de reunir empresas sob uma organização sem fins lucrativos, com o objetivo de promover valores como ética, responsabilidade e sustentabilidade, deu tão certo que se multiplicou pelo mundo,
influenciando a criação de instituições como o Forum for Business Responsability in the Américas e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. “Quando eu estava no governo, compreendi a importância de integrar o empresas á sociedade civil e aos governos para construir melhores políticas públicas. Isso foi o que me levou a trabalhar no setor privado. E a idéia da BSR surgiu por conseqüência. Havia a necessidade latente de criar uma entidade que tornasse mais fácil para as empresas programarem e apoiarem políticas e práticas responsáveis”, ressalta Dunn.
Depois de mais de 30 anos dedicados à promoção da responsabilidade social, Dunn não se dá por satisfeito. Para ele, ainda há muitos desafios a enfrentar. “Precisamos agir de forma integrada e pensar sobre todas as conseqüências do poder econômico que exercemos, enquanto consumidores, investidores ou empregados”, ressalta.
No comando do Instituto Synergos desde 2006, Dunn continua a propagar suas idéias pelo mundo, agora em defesa de ações intersetoriais e supranacionais para reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável. “Acredito que todos temos duas escolhas: influenciar nossas histórias de vida ou ficar sujeitos a forças além do nosso controle”, ressalta. Robert Dunn preferiu, é claro, a primeira opção. Suas idéias e opiniões o leitor acompanha a seguir, em entrevista exclusiva concedida á repórter Juliana Lopes, de Idéia Socioambiental.
Idéia Socioambiental – Quando o senhor era estudante de Direito, tinha uma idéia de que sua carreira o levaria a ser presidente de organizações como a BSR ou o Synergos?
 
Robert Dunn – Não. Como a maioria dos jovens, na época de estudante, tinha ideais que eram importantes pra mim, mas não sabia como poderia aplicá-los de forma que minha energia e educação fossem colocados a serviço do bem público. As coisas simplesmente aconteceram. Decidi deixar de advogar, pois não queria ser advogado por toda a minha vida. Então, tornei-me professor universitário. De repente, tomei gosto pelo serviço público e pela política. Trabalhei como diplomata no México e como consultor da Casa Branca, durante toda gestão de Jimmy Carter. Quando ele deixou a presidência, viajei para a Geórgia para ajudá-lo no primeiro projeto do Carter Center [instituição sem fins lucrativos mantida pelo ex-presidente] voltado às questões de pobreza, direitos humanos e saúde em todo o mundo. Estava com o presidente Carter quando recebi uma ligação perguntando se eu gostaria de trabalhar na Levi’s. Nada disso foi planejado. Acho que minha decisão mais deliberada foi integrar o Synergos, porque a instituição trabalha com pessoas dos três setores e eu tinha experiência no governo, nos negócios e na sociedade civil. Percebi que para promover mudanças que perdurassem, era necessário reunir as experiências dos três setores. Na Synergos, encontrei a oportunidade de praticar isso.
IS – Como as questões sociais e ambientais eram tratadas na Casa Branca, na década de 70, quando o senhor trabalhou no governo norte-americano? Houve mudanças de lá para cá?
 
 
RD– Sim. Acredito que as mudanças foram muito profundas. Naquele tempo, o respeito às questões ambientais era baseado em uma mentalidade decompliance. Existia um esforço em mobilizar pessoas para honrar alguns compromissos imediatos, mas ninguém pensava em ter uma visão de dez, vinte ou trinta anos. Em todo esse período de atuação no setor público, nunca ouvi ninguém falar sobre mudança climática, por exemplo. Havia uma discussão muito incipiente, mesmo com a terminologia de sustentabilidade. Isso foi em um período no qual o movimento ambiental, pelo menos nos Estados Unidos, acabava de nascer. O foco das ações nessa época consistia em aliviar as formas mais impactantes de poluição. Ninguém discutia sobre a integração dos problemas sociais, econômicos e ambientais. Em retrospecto, avalio que éramos muito inocentes. Não tínhamos noção do grande perigo causado pela atividade destrutiva do homem, muito menos que ele poderia, irreparavelmente, prejudicar a capacidade de vida no planeta.
IS – Quando o senhor foi trabalhar no setor privado encontrou lideranças empresariais mais sensíveis para a importância de práticas socioambientalmente responsáveis?
 
 
RD – Tive sorte de trabalhar em uma empresa que demonstrava muita coragem ao apostar em produtos seguros, saudáveis e bons para o meio ambiente. A Levi´s sabia que essa postura seria reconhecida pelo mercado em algum momento. Mas naquela época, os consumidores não diferenciavam os produtos feitos com respeito ao meio ambiente dos que não eram. De maneira geral, eles não estavam prontos para pagar nenhum custo extra, no curto prazo, por produtos que poderiam prevenir custos muito mais altos para a qualidade de vida. Essa percepção começou a mudar, mas ainda está em processo de evolução em vários mercados do mundo. Em alguns, ainda não é um fator que influencia as decisões de compra.
IS – Na Levi’s, o senhor participou da elaboração do código de conduta global da empresa? Que dificuldades enfrentou ao realizar algo até então incomum para os padrões empresariais?
 
 
RD – Foi um grande desafio. Na época, não existia nem mesmo uma linguagem para discutir esse assunto. Tivemos que lidar com costumes e práticas de negócios diferentes, além de nos deparamos com a falta de órgãos públicos reguladores em muitos países. Em Bangladesh, por exemplo, a companhia tinha uma diretriz clara de proibição do trabalho infantil. No entanto, quando fomos visitar as fábricas encontramos crianças trabalhando. Ao conversarmos com o gerente, ouvimos dele que a maioria das pessoas não tinha certidão de nascimento e só lhes restava, portanto, acreditar na idade que os funcionários diziam ter. Diante disso, procuramos a Organização Mundial da Saúde com o objetivo de definir um padrão para a altura média de crianças de diferentes faixas etárias. Então, como medida extrema, estabelecemos que pessoas abaixo de uma determinada altura não poderiam trabalhar na fábrica. Essa foi uma solução radical. O importante nesse processo é que encontramos, ao redor do mundo, gerentes e donos de fábricas que realmente queriam fazer a coisa certa. Eles apenas precisavam saber que não seriam penalizados caso os processos e produtos se tornassem mais caros por incorporarem princípios e valores éticos adequados.
IS – O que, em sua opinião, influenciou o crescimento do interesse das empresas pela adoção de práticas mais responsáveis nas empresas?
 
 
RD – Esse movimento cresceu quando se tornou possível demonstrar que práticas socioambientalmente responsáveis, no fim das contas, eram uma forma de reforçar o interesse da companhia, gerando benefícios concretos como a atração de mais capital, a retenção dos melhores colaboradores e a adição de novo valor à marca. Ninguém toma atitude diante de uma situação nova se sente que ela pode ir contra seus próprios interesses. Era o que acontecia. Nos primeiro anos de discussão do tema, as eventuais recompensas e penalidades decorrentes da adoção ou não de compromissos sociais e ambientais não estavam muito claras. Quando isso ocorreu, as empresas abraçaram a causa para valer. As líderes de mercado abriram o caminho. As demais vieram atrás.
IS – Nos últimos dez anos, termos como cidadania corporativa, responsabilidade social empresarial e, mais recentemente, sustentabilidade, se sucederam para designar os movimentos socioambientais das empresas. Quais as diferenças entre esses termos? O senhor enxerga evolução de um para o outro?
 
 
RD – Acredito que todos esses termos têm muito mais pontos em comum do que diferenças. As diferenças refletem algumas circunstâncias históricas e culturais. No período pós-segunda guerra mundial, para uma empresa ser considerada responsável ela tinha que fazer filantropia, por meio de contribuições ou ação voluntária. A responsabilidade social empresarial, da forma como conhecemos hoje, cresceu com o ativismo dos anos 1970, como conseqüência do movimento de pessoas interessadas em melhorar a sociedade com a participação do setor privado. Elas acreditavam que se as corporações eram parte dos problemas (econômicos, ambientais, sociais), deveriam também estar envolvidas na solução. Essas pessoas foram precursoras do movimento contemporâneo de empreendedorismo social. Já a terminologia da sustentabilidade ganhou impulso a partir do movimento ambiental. Mas, hoje, responsabilidade social empresarial e sustentabilidade empresarial são basicamente a mesma coisa.
IS – Como e quando o senhor teve o primeiro contato com esses conceitos?
 
 
RD – Quando trabalhei com o governo, rapidamente aprendi que era muito difícil mudar a política por causa da oposição que a comunidade de negócios faz, com a sua influência, poder e papel relevantes no financiamento de campanhas. Esse fator exerce uma influência importante no resultado dos debates sobre políticas públicas. Entendi a importância de integrar o apoio das empresas para assegurar mais políticas públicas. Isso foi o que praticamente me levou a trabalhar no setor privado. Eu queria entender como as empresas trabalham e definir formas para que o setor privado atuasse junto com a sociedade civil e o governo. A idéia de criar a BSR surgiu como conseqüência. Queríamos criar uma entidade que tornasse mais fácil para as empresas programarem e apoiarem mais políticas e práticas responsáveis. Por causa da natureza da sociedade global foi impossível fazer isso apenas nos Estados Unidos. As empresas americanas trabalham ao redor do mundo, outras companhias de outros lugares estavam sendo impactadas com o que acontecia no meu País e então resolvemos tentar estimular organizações de todo o mundo. Na América Latina acredito que existam 20 organizações trabalhando com o setor privado para promover a responsabilidade social. Algumas pessoas aqui reconheceram, dez anos atrás, a oportunidade de atuar lado a lado com empresas.
IS – O senhor acredita que organizações sem fins lucrativos podem trocar experiências com o setor privado? Em quais áreas?
 
RD – Sim, acredito que isso é perfeitamente possível. Penso que o setor privado tem comprometimento, inovação e a habilidade de desenvolver, de forma eficaz, produtos e serviços. Mais do que dinheiro para doação, dispõem de inúmeros outros ativos, ligados á gestão, ao poder político e às competências ligadas ao seu core business. Na Índia, por exemplo, onde o Synergos realiza um projeto, o governo tinha dificuldade em entregar medicamentos concedidos pela Organização Mundial da Saúde. Empresas são muito experientes em entregar produtos em comunidades remotas. Então, uma das companhias participantes do projeto, a Fedex, enviou um time de pessoas com essa experiência para estudar o sistema de distribuição usado pelo governo e apresentou melhorias significativas. Esse é um jeito da sociedade civil e do setor público de se beneficiarem da expertise do setor privado. Além disso, o setor privado tem também uma contabilidade muito clara. Algumas práticas empresariais de governança são muito úteis para a sociedade civil. Todos nós podemos servir melhor quando temos pessoas de todos os três setores se perguntando o seguinte: “Como cada um pode contribuir para ajudar a criar um mundo melhor?”. Com essa postura, somamos os pontos fortes de cada setor em vez de interpor barreiras que impedem a troca de experiências.
IS – Ao trabalhar com os diferentes setores da sociedade o senhor encontrou resistências? Em algum setor, elas foram mais complicadas?
 
 
RD – Existe resistência porque tratamos de modelos que exigem mudanças. Sempre que há mudanças, há resistência. Historicamente, as organizações da sociedade civil pressionam as empresas a adotarem posturas mais responsáveis. A possibilidade de parceria entre o setor privado e o terceiro setor é algo recente. Muitas pessoas no setor privado, por sua vez, enxergam na sociedade civil uma espécie de entrave à economia do mercado. Vêem gente querendo todos os serviços providos pelo governo ou influenciando para inviabilizar a habilidade da companhia de competir no mercado. A superação desse desentendimento exige muitos esforços. Acho que uma das mudanças recentes é que as pessoas estão atribuindo papéis igualmente importantes para o governo, para os negócios e para as organizações da sociedade civil. Querem que o governo e as organizações cumpram bem suas tarefas, mas de uma maneira tão eficaz quanto os negócios. Por outro lado, querem que os negócios gerem empregos, riquezas e produzam produtos e serviços, mas que façam isso em benefício do bem público. Em muitos aspectos, as linhas que separam os papéis de cada setor são tênues. Hoje, vemos organizações como o Greenpeace trabalhando com companhias, companhias trabalhando com governos e governos colaborando com organizações da sociedade civil para melhor servir os cidadãos. Dessa forma, acredito que o foco da nossa atenção deve ser insistir que todas as instituições da sociedade operem de forma a promover o bem-estar comum. Assim, as instituições vão descobrir que existe um valor em trabalhar junto para servir a todos.
IS – Segundo previsão da Goldman Sacs, os BRICs se tornarão potências econômicas até 2050. Ao mesmo tempo, o crescimento econômico desses países não tem sido acompanhado do bem-estar social e preservação ambiental. Que desafios esses países terão de enfrentar para atingir um estágio satisfatório de desenvolvimento sustentável?
 
 
RD – Esse é um desafio importante para todos que vivem hoje e também os que viverão no planeta. Somos vítimas da praga que é o pensamento de curto-prazo. Na China, por exemplo, observa-se um desenvolvimento econômico extraordinário, mas a um preço muito alto na medida em que se compromete a preservação dos recursos naturais e a própria capacidade dos cidadãos de produzirem a sua alimentação. Esses países têm um desafio pela frente que é o de desenvolver líderes visionários capazes de fazer investimentos criteriosos e educar a população sobre a importância de se considerar, em tudo o que se faz, as conseqüências de longo prazo. Os indígenas da América do Norte tomavam decisões com base no impacto sobre sete gerações posteriores. Imagine como a vida seria diferente se as decisões fossem tomadas com esse tipo de orientação. Às vezes, temo que as mudanças necessárias sejam feitas apenas quando houver alguma catástrofe. Minha esperança é que, de alguma forma, possamos convencer as pessoas a mudarem seus modelos de ação e pensamento mesmo sem nenhuma catástrofe acontecer. Mas isso é um desafio. Temos que criar segurança, fazer provisões para ajudar a transição de onde estamos para onde precisamos estar. Os BRICs certamente exercerão uma influência profunda em todo o mundo. Então, todo o mundo precisa ajudá-los a desenvolver novos modelos e a fazerem o que é certo.
IS – Na sua opinião, quais são os cinco principais desafios a serem enfrentados pela sociedade para alcançar o desenvolvimento sustentável?
 
RD – Inicialmente, temos que achar formas de assegurar a todo mundo paz e segurança porque se as pessoas vivem com medo, fica mais difícil para elas serem generosas ou então pensarem no futuro. Segundo, as pessoas precisam ter as suas necessidades básicas – saúde, educação, moradia e emprego – atendidas. Do contrário, essa será uma fonte de conflito. Em terceiro lugar, as pessoas devem compreender que estamos todos interconectados, somos uma família e precisamos tratar uns aos outros com respeito e consideração. O quarto item está relacionado à falsa distinção do “nós” e “eles”; seja baseada em raça, classe social, cultura ou religião. Muito do mal no mundo ocorre em decorrência disso. O problema é que não tratamos o “nós” para tratar de todos. O quinto seria educar as pessoas sobre a importância essencial da implicação da vida e da morte em como lidamos com a natureza. É necessário compreender que, agindo de forma ambientalmente responsável, estamos assegurando a continuação da vida no planeta para nós mesmos e outras espécies.
IS – Diante da complexidade dos problemas, muitas pessoas os encaram como fato consumado e desistem de tentar revertê-los. Que argumentos o senhor normalmente usa para justificar que vale a pena continuar lutando por um mundo melhor?
 
 
RD – Acredito que todos nós temos duas escolhas: influenciar nossas histórias de vida ou ficar sujeitos a forças além do nosso controle. Existe um consenso crescente em todos os lugares do mundo onde estive, de que as pessoas têm a capacidade de se unir, conectar-se – às vezes pelo ciberespaço, não necessariamente frente-a-frente – e apresentar novas maneiras de pensar. Acredito que agora temos uma visão do que o futuro pode ser. E também uma idéia clara de que precisamos reverter os danos causados ao planeta e a nós mesmos. Por onde passo, encontro lideranças que também pensam assim. Por isso, acho que estamos no caminho certo e podemos, de fato, mudar o curso da história ao criar uma sociedade global mais saudável e sustentável.
O que é a BSR?
 
Criada em 1992, a BSR – Business Social Responsibility reúne 250 empresas associadas e outros 1000 empreendimentos em todo o mundo. Por meio da prestação de serviços de consultoria e pesquisa, a organização sem fins lucrativos auxilia empresas a conciliarem o sucesso econômico com o respeito à ética, às comunidades e ao meio ambiente.
Pioneira em reunir empresas com esse propósito a BSR inspirou a criação de instituições como o Forum for Business Responsibility in the Americas, o Instituto Ethos, o Center for Responsible Business, da escola de negócios da Universidade da Califórnia Berkeley, e a M.A.A.L.A – Israel Business for Social Responsibility.
O que é o Synergos?
 
O Instituto Synergos é uma organização sem fins lucrativos, cujo objetivo é integrar os diferentes setores da sociedade para concentrar esforços no combate à pobreza nos países em desenvolvimento. Fundada em 1987, busca sócios investidores entre os empresários, governos e cidadãos comuns para estimular o desenvolvimento das comunidades pobres.
 

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